quinta-feira, 22 de outubro de 2009

FLÁVIO MOREIRA DA COSTA

“Marginais, bandidos, solidários e solitários”

Está saindo pela Editora Agir a segunda edição do livro de contos de Flávio Moreira da Costa “Nem todo canário é belga”, publicado inicialmente em 1998 e ganhador de um prêmio Jabuti.
Flávio, que já tem cerca de vinte livros publicados, também lançou recentemente um romance novo, “Alma de Gato”, o seu sétimo.
De alguns anos para cá, Flávio faz antologias de contos de todos os tipos para a editora Ediouro, numa atividade intensa que poucos, estou certa, seriam capazes de realizar e que já resultou num grande número de livros bem vendidos.
Na introdução de “Nem todo canário é belga”, Flávio escreve:
“...Estas são histórias de gente sem história. Ms também, ou sobretudo, prática literária e exercícios de imaginação e linguagem. Neste sentido, não seria exagero dizer que os contos de ‘Nem todo canário...’ resultam numa galeria de personagens em movimento, cada qual vivendo sua própria trajetória: gente comum, tipos exóticos e estranhos (mas exóticos e estranhos do ponto de vista de quem?), marginais, bandidos, solitários e solidários, amantes e amados. Além disso, diversas são as modalidades – formas, estruturas, linguagens com que experimentei aqui a história curta. Nada de intencional, ou premeditado.”
E ele me deu uma pequena entrevista.

SC: Flávio, conte pra nós como é esse seu livro "Alma-de-gato".

FMC: “Alma-de-gato” fecha a Trilogia de Aldara, uma trilogia meio inusitada, mas trilogia, em torno de João do Silêncio, um autor que viveu afastado de tudo, inclusive de seu país, em silêncio, mas sempre escrevendo (nunca publicando) e deixando seus rastros de palavras pelo mundo. O primeiro livro da trilogia é o romance “O país dos ponteiros desencontrados”; o segundo, com uma “poesia escondida”, “Livramento”; e o terceiro é este “Alma -de –gato”, uma reconstituição biográfica do que teria sido sua vida. Resulta de uma falsa biografia de um personagem inexistente. Talvez não seja um livro para a tendência atual do mercado, mas foi divertido escrevê-lo. Virginia Woolf, ainda nos anos 30, dizia que era preciso se inventar uma outra palavra para designar o gênero romance, pois, já então, “cabia tudo no romance”. A expressão “pós-moderno” está muito desgastada: “Alma-de-gato” é um pós-romance.

SC: Flávio, você passa muito tempo na França, um país que, como você diz, adora. Por que?

FM: É uma história longa, que compreende vivência e conquista. Vem desde os anos 60, quando morei por lá, exilado (a temporada resultou em “As armas e os barões”) e segue até hoje. Fiquei uns quinze anos sem poder voltar. Hoje, quando posso, vivo alguns meses por lá. Não é turismo. Descobri que a França é um dos poucos lugares/cidades onde me sinto bem. (A outra é ...Livramento.)

SC: Você tem uma ligação com as artes visuais já há alguns anos. Poucos sabem, mas você é pintor, não é?

FMC: Não me considero pintor. Eu pinto. Não é uma aproximação acadêmica, a que tenho com as artes plásticas. É afetiva e me remete à minha infância, quando via minha avó, que foi uma grande pintora portuguesa (ela foi uma das primeiras a falar em Monet e cia., aqui, ainda no começo do século XX). Toda vez em que eu ia visitá-la no Grande Hotel de Porto Alegre lá estava ela pintando, com seu cavalete. Pinto porque procuro a não-palavra, para descansar do meu ofício.

SC: Como é que anda, a seu ver, a literatura brasileira, agora? Houve uma queda de prestígio dos escritores, como dizem alguns? Ou é o contrário?

FMC: Eu acompanho o que está acontecendo; mas não a ponto de me desviar do meu caminho. Tem gente de talento, mas, ainda em seus primeiros livros, fica difícil saber para onde, ou até onde vão. Há outros descobrindo a roda, e achando que a literatura começou com John Fante e Bukowski. E, no geral, não distinguem literatura de vida literária e acabam fazendo muito barulho por (quase) nada. Ligia Fagundes Telles diz que nós, escritores, somos como o mico-leão: uma espécie em extinção. Mas sempre haverá sobreviventes. Alguma coisa acontece, a fila anda, la nave va.

Em sua mais recente viagem à França, Flávio foi a Giverny, a linda propriedade onde morava Monet. Ele tirou algumas fotos lá, e reproduzimos uma.

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