quinta-feira, 22 de outubro de 2009

HERTA MÜLLER

O NOBEL MAIS
DO QUE MERECIDO

Por Dinu Flamand

Um genial ato de justiça, a atribuição do Nobel de Literatura, este ano! Herta Müller traz à luz, em plena atualidade, uma dessas “províncias” do sofrimento que os comentaristas políticos, midiáticos, literários, têm, com demasiada freqüência, a tendência a deixar passar em silêncio.
A família de Herta sofreu duras provas, que a jovem estudante de Letras começou bem cedo a colocar no papel.
Suas perguntas perturbavam, sua intransigência em conhecer a história já chamava a atenção da famosa Securitate, a polícia secreta romena.
Ela questionava também, como nós outros, da mesma geração, os sofrimentos, a ausência de liberdade, a falta de esperança, a sufocação da vida cotidiana, na Romênia dos anos 70-80, que soçobrava sob uma ditadura medíocre.
Herta era “minoritária”, fator agravante. Escrevia em alemão, veículo lingüístico potencialmente perigoso, sendo susceptível de contradizer a linha oficial.
A censura política massacrou seu primeiro livro. Ela teve a audácia de passar o manuscrito para a Alemanha Ocidental, onde foi publicado sem cortes.
Na época, não o li, mas sei que o livro não tinha nenhum elemento político que pudesse ameaçar o sistema. Era, simplesmente, mais verdadeiro do que muitos outros, não convencional, escrito já com a franqueza que se tornaria a marca registrada dessa mulher teimosa.
A informação sobre as misérias cedo infligidas a Herta nos chegou muito depressa, em Bucareste.
Eu estava em estreito contato com alguns poetas de Timisoara, que haviam constituído o famoso “Grupo de Ação de Banat” – uma denominação aparentemente revolucionária, mas cujos membros não faziam nada além de poesia: muito irônica, é verdade, bastante sarcástica.
A vida se tornou para eles ainda mais infernal do que para nós, os romenos. A maioria dos alemães do Banat (onde Herta vivia com sua família), na parte oeste da Transilvânia, conheceria, nos anos 50, o exílio forçado para as terras áridas da planície do Danúbio. Também em direção ao Gulag soviético.
Herta e seu marido de então, o poeta Richard Wagner, não queriam expatriar-se, mas terminaram partindo para a Alemanha. Os expatriados se sentiam marcados por um certo desprezo, ao chegarem lá: eram os “romenos”!
O clima era de inadaptação. Um amigo nosso, Werner Bossert, suicidou-se.
Agora, em suas entrevistas, Herta evoca esse dilaceramento – o de viver perpetuamente entre duas pátrias. Não causa surpresa que ela tivesse continuado sempre, em seus livros, com sua admirável investigação desse seu universo obsessivo, mesmo que isto resultasse na exclusão do seu nome das listas de best-sellers e dos catálogos de literatura amena. E alguns “estetas” torceram o nariz para ela.
Mas era uma dívida que Herta precisava pagar. E Günther Grass sempre a admirou!

O poeta, tradutor e jornalista romeno Dinu Flamand, 62, nasceu na Transilvânia e pediu asilo político na França durante a ditadura de Nicolae Ceausescu. Com vários livros de poesia publicados e prêmios recebidos como poeta e tradutor, Dinu hoje mora em Paris, onde trabalha para a Radio France Internationale.

Herta Muller, 56, nasceu em Nichtdorf, no distrito de Timis, no Banat, parte oeste da Transilvânia. Em sua aldeia natal, a população, germânica, falava alemão. Herta estudou Letras na Universidade de Timsoara. Sua obra trata sempre das duras condições de vida sob a ditadura de Nicolae Ceausescu. No discurso de entrega do Nobel foi dito que Herta Müller “retratra, com a densidade da sua poesia e a franqueza da sua prosa, o universo dos desapossados.” Há três livros dela em português: “O homem é um grande faisão sobre a terra,” “A terra das ameixas verdes” e “Compromisso”, lançado pela editora Globo em 2004.

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