quinta-feira, 22 de outubro de 2009

MULHER E LITERATURA

Helena Parente Cunha Pois é, Herta Muller é a décima segunda mulher a ganhar um Nobel de Literatura. Não se pode deixar de pensar que houve outras 89 premiações e os vencedores foram sempre homens... Voltam à pauta as indagações torno de mulher e literatura.
Quem fala muito nisso é a premiada baiana Helena Parente Cunha, autora de vários livros de contos, poesias e romances, entre os quais o “Mulher no espelho”, traduzido e publicado na Alemanha e nos Estados Unidos.
Literatura de autoria feminina é um assunto de que Helena tem se ocupado constantemente.
Eu lhe fiz algumas perguntas a respeito.

SC: Num período em que havia muitas restrições à atividade intelectual das mulheres, você iniciou seus estudos de Letras, empenhou-se no exercício do magistério, primeiro na Bahia e depois no Rio, e desenvolveu uma produção literária consistente e reconhecida. Gostaria que você falasse dessa trajetória, contando, num resumo, as maiores dificuldades que enfrentou e também as maiores recompensas que obteve.

HPC: Quanto à minha atividade de professora, iniciada em meados dos anos 50, na Bahia, tenho a dizer que, após tanto tempo, continuo a dar aulas na Pós-Graduação em Letras da UFRJ e, como sempre, me sinto muitíssimo gratificada em manter esse contato renovador. Ensinar é também uma forma de aprender e muitas vezes de criar duradouros laços de amizade. Tenho grandes amigos que foram meus alunos, há muitos anos. Enquanto não tive dificuldades para iniciar o trabalho no magistério, levei muitos anos para publicar meu primeiro livro, tais eram os obstáculos do mercado editorial e de minha timidez. Mas depois de haver conseguido saltar esta barreira, não posso me queixar. São muitas as recompensas. Minha obra em prosa e verso tem sido estudada nos cursos de Letras do país e mesmo do exterior, através de monografias, dissertações, teses, trabalhos em congressos, participações em antologias. Minha fortuna crítica inclui várias publicações. Como escritora, a maior alegria que tive foi no "Seminário Helena Parente Cunha" (maio de 2009) em três dias inesquecíveis de apresentações de estudos sobre minha obra literária, na Academia de Letras da Bahia, associada ao Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia, Universidade Estadual da Bahia em Feira de Santana e outras instituições. No magistério, além das constantes manifestações de apreço de meus alunos e alunas, recebi o maior título da carreira universitária, sou Professora Emérita (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

SC: Acha que ainda há obstáculos maiores para uma mulher do que para um homem, no exercício da atividade de escrever?

HPC: Hoje, acredito que não mais. Os inúmeros obstáculos são relativos à publicação dos livros, tanto para homens, quanto para mulheres. Entretanto, no que se refere ao reconhecimento da obra, vejo discriminação. Dou como exemplo, as listas que mencionam os melhores romancistas contemporâneos, ou contistas ou poetas, em que geralmente as mulheres saem perdendo. Não sei o que você, escritora reconhecida, pensa sobre esta questão. Apesar disso, o panorama hoje é bem diverso do que foi, digamos, no século XIX no Brasil, basta lembrar que não se tinha conhecimento das centenas de escritoras atuantes e descobertas nas ultimíssimas décadas, graças ao empenho de pesquisadores(as) dos cursos de Letras.

SC: Sei que você está muito ligada ao grupo "Mulher e literatura", que promove, em diferentes cidades, encontros de professoras universitárias para falar da produção literária de autoria feminina.
Quais são os objetivos desse grupo? Você acha que foram, ou estão sendo atingidos? Pensa que a atividade do grupo tem alcançado uma proporção desejável de escritoras brasileiras?

HPC: O Grupo existe desde os anos 80 e, ao lado de muitos outros grupos, pertence à ANPOLL (Associação Nacional de Pós-Graduação em Letras e Lingüística). Vejo entre os participantes desse Grupo um empenho definido em valorizar a literatura de autoria feminina que só começou a ter mais visibilidade a partir dos anos 60 do século XX. O Grupo não é constituído só de professoras, há também os professores, embora em menor número, além de alunas e alunos da Pós-Graduação. O encontro deste ano foi em setembro, na cidade de Natal, contando com quase mil participantes. Entre as várias mesas- redondas, uma foi dedicada ao estudo de Aline Paim, escritora residente em Sergipe e esquecida ou ignorada. Vimos e ouvimos a entrevista emocionante que ela concedeu, do alto de seus noventa anos.Várias escritoras do século XIX saíram do esquecimento, graças ao empenho de membros desse Grupo. Coordenei com trabalhos de dez pós-graduandos, um livro dedicado a dez mulheres recém-descobertas, corajosas pioneiras daquele período, em que a discriminação atingia níveis revoltantes: Maria Firmina dos Reis, Maria Benedita Bormann, Francisca Clotilde, Narcisa Amália, Emília Freitas, Adelaide de Castro Alves e outras, entre as quais várias abolicionistas e republicanas. Muitos dos livros daquelas centenas de escritoras foram reeditados e estudados e transformados em teses, dissertações, comunicações em congressos. Agora você poderá me perguntar: e as escritoras contemporâneas? Claro que sim, inclusive você.

SC: O que você acha da cobertura mídia à atuação
dos escritores brasileiros e, em particular, das escritoras?

HPC: Vou responder através de minha experiência pessoal. Nos anos 80 e parte dos 90, quando um livro meu era enviado para os suplementos literários do Rio e de São Paulo, eu sempre tive resenhas ou artigos. Hoje, que sou mais conhecida e reconhecida, não recebo uma nota sequer desses jornais que antes me acolheram tão bem.


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