André Giusti volta com um novo livro de contos, “A liberdade é amarela e conversível”, da 7 Letras, Coleção Rocinante. André já havia publicado “Voando Pela Noite - Até de manhã” (7Letras, 1996); “A solidão do livro emprestado” (7Letras – Coleção Rocinante - 2003) e “Eu nunca fecharei a porta da geladeira com o pé em Brasília” (LGE Editora - 2004). Ele é carioca, mas mora em Brasília, onde é jornalista, editor e apresentador da TV Brasília. Junto com Alexandre Pilati, edita o site Messaginabótou.
Vai um conto do André Giusti.
A CASA DO MORTO RECENTE
André Giusti
Meia hora ou quarenta minutos depois que chegou,
conseguiu ficar sozinho na parte de trás do apartamento.
Descansou uma das mãos no peitoril da janela
da área de serviço. Disse por dizer, em voz baixa,
frases incompletas sobre a luz fraca do ambiente, a
terra da planta ressecada no canto. Era como se trocasse
impressões com o vento do fim da noite que assaltava
a esquadria de alumínio.
Ouvia as conversas nos quartos da frente e sabia
que seu isolamento não passaria de cinco minutos.
Logo dariam por sua falta e sairiam à sua busca perguntando
sobre novidades que ele nunca trazia. Então,
queria o máximo daquela solidão fugaz só para
sentir o cheiro antigo da casa, mistura de desodorante,
sabonete e desinfetante, e que nos últimos anos incoporava
cada vez mais o cheiro das pessoas à medida
que elas ficavam velhas e cada vez com menos possibilidades
de saírem dali. Sempre que ele voltava, era
pouco depois de chegar que sentia para valer o cheiro
da casa, quase como se este fosse já uma pessoa, um
velho que para nada levanta da cadeira de balanço e a
quem só vai se dar mais atenção depois de se desvencilhar
dos outros.
O vento começou a soprar mais forte; de tranquilo
e fresco, passou a incômodo e frio. Ele recuou
meio passo da janela e observou os azulejos que foram
moda nos anos 70. Do rejunte enegrecido, saltava o
aspecto condenatório da decadência. Era como se o
cheiro antigo da casa emanasse dali, daquelas frinchas
encardidas. Seria ele o odor do próprio tempo, caso
este o possuísse. Lembrou de uma noite bem distante
nos calendários, em que chegou embriagado e sem
esperança na vida; e de uma outra, que de tão perdida
era sem data. Foi ali que ficou, naquela mesma janela
escancarada, vendo com uns olhos felizes nascer a
madrugada na cidade, uns olhos apaziguados por alguma
emoção furtiva e inesperada, cujo motivo ele
não mais enxergava na sala escura da memória.
Ainda alguns segundos de lembranças passaram,
até que alguém o chamou lá de dentro, mas ele não
respondeu. É que não teve certeza se a voz era mesmo
de algum dos que estavam lá pelos quartos ou
sala. Foi quando o vento aumentou e diminuiu quase
que no mesmo instante, como se explicasse que aquela
voz vinha se tornando nos últimos tempos o próprio silêncio da casa.
segunda-feira, 25 de maio de 2009
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muito bem escrito! parabéns.
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