quarta-feira, 9 de setembro de 2009

CADERNO DE POESIA CINCO POETAS, DE A a Z

Claudius Portugal

(foto: André Portugal)
Fluxo

Amanhã é segunda
Primeiro dia útil
Da semana

O ontem está morto
O mais do amanhã é a morte

Que as coisas continuem
Como antes
Antes as coisas não continuem

A casa

Não escolhi o meu pai
Não escolhi a minha mãe
Não escolhi a minha família
Não escolhi a cor dos meus olhos
Não escolhi o contorno da minha boca
Não escolhi este corpo
Não escolhi o país onde nasci

Nunca se sabe que tipo de coisa
Se há de encontrar
Na própria casa

Nunca se sabe


Fou

O tempo nos move a permanecermos água

Sendo água desdenharmos dos lagos

Para fluir ciente de que todas as águas
Um dia mar serão espelhos onde a lua
Debruçada oferece sete fôlegos aos peixes
Deita flores estrelas sonhos, abismos de luz,
E esta sombra que há por detrás de toda luz
Na nuvem que passa sobre a areia branca
Sem que se veja nenhum prenúncio de chuva
Onde deitados a amar esta noite de verão
Pronuncio teu sorriso na consoante líquida
Amor com uma gran M, com uma M mayúscula

A escorrer como sêmen entre as tuas pernas...


História natural

Folhas secas
Caem

Galhos fracos são podados

Com as flores vai junto
o cartão de pêsames


Pedra

Uma casa. Uma panela. Uma calçada.
Minério.
De toque, de cantaria, polida, filosofal.
Jogada sobre a testa uma arma mortal.
Fincada na terra – uma lápide.
No meio do caminho, mistério.
Com amor,
Para sempre...

Ao pegar uma pedra
Sempre pergunte o que ela quer ser


Claudius Portugal, poeta e editor baiano, publicou: “Carta à família”, “Em mãos,” “Olho de gato”, “Notas bandalhas”, “WXYZ”, “Negro azul,” “Duende”, “Águas”, “Texto táctil”.É autor de livros sobre artes visuais: “Outras cores – 27 artistas da Bahia, reportagens plásticas”, “Sérgio Rabinovitz, a poesia da cor”, “Pinturas recentes de Sante Scaldaferri”, “Murilo, a cor desta cidade”. Também escreve e adapta para teatro. Foram encenados:: “Quincas Berro d’Água”, “Pelo telefone,” “Cara amiga Sarah H.”, “Não vamos falar nisso agora”, “Poesia é coisa de mulher”, “Noite na taverna”, e um esquete com trechos do livro “Navegação de cabotagem”, de Jorge Amado. Escreveu a rádio-novela “O caso da menina morta”, adaptação de um livro de Luís Henrique; e, ainda para o rádio, “Não foi o vento que a levou.” Atualmente, tem uma coluna de livros na Rádio Educadora da Bahia, programa Multicultura; dirige e apresenta, no Canal Assembléia Net 16, os programas da Assembléia – “Literatura,” “Atelier” e “Vamos falar de teatro. Coordena, para a P55 edições, a coleção Cartas Baianas.


Cristina Ferreira Pinto-Bailey

Reading Kristeva

I

Shattering the body,
Crossing: Exile.

And thus the continuous
Desire for
Crossings
Traversing
Moving on
(even if not Forward):
An Escape.


II

Passional Ex-Re-pression

I oscillate
(have always)
Between
Propriety and
Carefree spirit.
In the end:
I, neutral,
Like Sand.


The Possibility of Death

(on a painting by Karl Zebe)

The woman on the trapeze
lime green bikini
boyish looks
unsmiling mouth
zooms over
the possibility of death.


Down below
the boss´s satisfaction
and the audience´s expectation
– pleasure —
they drool over
a possible failure,
disaster,
the possibility of death.

A casa

Solidão
na casa barulhenta
burburinho de vozes esganiçadas.
Pedintes num duelo
esmolam atenção
em vão alcançam
um SOM (gemido).
Terminam caindo,
no silêncio,
PRESAS de toda poderosa
Mater Dolorosa.


Cristina Ferreira Pinto-Bailey, carioca de Santa Teresa e, como ela diz, “brasiliense de coração”, mora nos Estados Unidos desde 1983. Tem mestrado e doutourado pela Tulane University (Nova Orleans) e é professora universitária de português, espanhol e literatura latino-americana. Além de escritora e pesquisadora, é também tradutora literária. Traduziu, entre outros textos, o romance “Dentes ao sol,” de IgnacioLoyola Brandão, publicado em 2007. Seus poemas e narrativas apareceram em várias antologias no Brasil e Estados Unidos. Em 2002, publicou “Poesia da vida meia”, pela 7 Letras. Em 2004, “Gender, Discourse, and Desire in Twentieth-Century Brazilian Women’s Literature”,pela Purdue University Press. Organizou a coletânea “Urban Voices,” com contos de autoras brasileiras. Tem publicado inúmeros ensaios sobre escritores hispano-americanos em revistas especializadas.



JUDITH GROSSMANN
Love song

I asked you
To phone me
Daily
From Paris.
You smiled.
I asked you
To phone me
Daily
From London.
You laughed.
Now you say
You love me
Desperately.
I am through
With you.
Drop dead
For the time
You left me alone.

Visões d’Africa

No ano que vem
Nesta época do ano
Por ocasião do teu aniversário
Estaremos em terras d’África.
É preciso partir.
Quando lá pisarmos
Com minhas próprias mãos
Acenderei uma fogueira
E tu irás em busca de água.
As tendas
Nós as armaremos juntos
E nelas despenderemos
A primeira noite de paz.
Daqui sairemos incógnitos e finitos
E uma vez lá
Não mais farei nenhum poema
E tu mesmo te afastarás
De todos os teus estudos.
Cuidaremos das crianças e dos velhos
Últimos aristocratas existentes sobre o planeta.
Seremos nós o poema
O início de um novo tempo.
Descobri a fórmula universal
Descobri o modo
Solicitando a Castro
Com o testemunho de DaMatta
Pelo Doutor Thales
Antropólogo e o melhor anthropos
De transformar 72 em 27 anos de idade.
Nas noites de frio
Usaremos mantas
Como aquela com que se aquece
Pierre Édouard Leopold Verger
No seu fabuloso retrato na poltrona.
Recitaremos encantações
E tu farás de mim
Uma mulher a acender uma fogueira
E eu de ti
Um homem a buscar água.


Sonho causado por uma enguia
um segundo antes de despertar

Uma enguia visitou-me em sonhos
Escorregadia
Esganando-me a goela.
Ou era o sempre cipó
Do soneto de Jorge de Lima
O mesmo que esmagava florestas.
E eram multidões de estrelas de sangue
Rubro tinto
Com certeza o de Augusto dos Anjos
(Oh! O cansaço dos bisavós)
E as árvores implorando pausas sestas
De Millet e de Van Gogh.
E todos os lírios do campo
Para ofertar às criaturas mortas de sede.
Urubus voejavam
E a sorte era
A carne túrgida
Servia ainda de amparo
Ao espírito-mola
E nunca venceria a envilecente fadiga.
- Até o fim – rugiam as doces feras fraternas
Até o fim! Era o repique de um sino
E era o tigre ele próprio
Com seus coruscantes olhos de William Blake.
E para além do sonho
O real puro absoluto.


Judith Grossmann, escritora, ensaísta e Professor Emérito da UFBA, publicou “Linhagem de Rocinante: 35 poemas”, São José, 1959; O meio da pedra: nonas estórias genéticas, José Álvaro, 1970; “A noite estrelada: estórias do ínterim”, Francisco Alves, 1977 (Prêmio Brasília de Ficção, 1976; “Outros trópicos”, romance, José Olympio, 1980; “Temas de teoria da literatura”, Ática, 1982; “Cantos delituosos romance”, Nova Fronteira, 1985 (Prêmio Ficção/85 da Associação Paulista de Críticos de Arte – APCA); “Meu amigo Marcel Proust romance”, Fundação Casa de Jorge Amado, 1995. Judith está presente em numerosas publicações, periódicos e antologias nacionais e internacionais. Os poemas que aqui figuram foram escolhidos pela autora, tirados do livro “Vária navegação: mostra de poesia”, Fundação Casa de Jorge Amado, 1996.




KÁTIA BORGES


O coração na chuva

Você apenas finge que sente.
Mas que tarde cinza
É essa que traz nos olhos?

Perita em perguntas-disfarce
deixo a outra entretida
em desarmar armadilhas,
organizar as cores do cubo
mágico, montar o móbile.

Ah, sou poeta, sabe?
Por isso é que sei criar
esses efeitos sentimentais
a partir do ridículo. Não diz
nada, apenas finge que sente,
que esqueceu de escrever
a carta de despedida,
perdeu as chaves e chove.

Ah, eu sei que não chove.
Agora deixa que eu finjo.


Poeminha anos 80

Organizamos um piquenique
Dentro do parque da cidade
Toalha xadrez, cesta de vime
- a santa ceia –
Convidamos um Judas
de aspecto meio junkie
e um Pedro afeito a negar
todas as coisas. E, claro,
aquele que fria milagres.
Fazia um sol dos diabos,
Tiago levaria anfetaminas.
Ele subiu as alamedas
Com as bolinhas coloridas
apertadas entre os dedos,
assobiando um rock.
Quando chegou, vimos,
Espantados, o que os
comprimidos derretidos
haviam deixado:
em suas mãos,
uma tela de Pollock.


Kátia Borges é poeta e jornalista. Formada pela Ufba, trabalha desde 1995 no jornal A TARDE, em Salvador. Atualmente, faz parte do grupo editorial da revista “Muito”, daquele jornal. Em 2002, publicou seu primeiro livro de poesia, “De volta à caixa de abelhas,” pela editora As Letras da Bahia. Figurou em duas antologias poéticas, “Concerto lírico para 15 vozes”, Aboio Livre Edições, e “Sete cantares de amigos”, Edições Arpoador. Participou de vários eventos literários, como “Poesia na Boca da Noite”, “Novas Letras da Bahia” e “Travessia das Palavras”. Na mais recente Bienal do Livro da Bahia, participou do Café Literário e da Praça do cordel e da Poesia. Foi selecionada para integrar a coletânea “Roteiros da Poesia Brasileira – Poetas do Ano 2000”, a sair pela Global Editora. Integrou ainda o projeto “Mídia Poesia”, de vídeopoesia, feito em parceria pela Rede Bahia e TVE. Tem dois livros de poesias inéditos, “Ticket Zen”, e “Uma balada para Janis.”


LUCINDA PERSONA



Estrelas

Ver (o que outro olho não vê)
acima de todas as coisas
estrelas
pontuais, incendiadas, dançarinas
estrelas
espalhadas como pó-de-arroz
estrelas
invadindo o terreno das solidões
e dos assuntos necessários
estrelas
multiplicando o valor da noite
num livre jogo de mercado
estrelas
alertando como faróis
estrelas
estrelas
e quanta necessidade eu tenho
de dizer mais.


Abrindo viagens

Não será extravagância
(à beira da pia)
rever a vida
através do legume
que já está morto?

Ó inutilidade
Por amor do teu nome
suavizo labores
Poemas nunca serão demais
Haverá sempre o lugar certo
para cada um e suas palavras
como se não houvesse erro
e a alegria fosse possível
Nada se faz no mundo
sem que haja motivo
Quem chora entre um minuto e outro
abrindo o ventre das vagens
para a vida o faz.


Invento depois de amanhã

É um dia pequeno
pequeno
pequeno
De eventos
a que estou habituada
De fracos fundamentos
e nenhuma gema

É um dia pequeno
Do que faço por costume
Da realidade
que vive de si mesma
e eu do medo de perdê-la

É um dia pequeno
com tanta força no mínimo
que invento depois de amanhã.


Estes poemas fazem parte do novo livro de Lucinda Persona , “Tempo comum,” lançado este ano pela 7 Letras. Lucinda é poeta e professora. Nasceu em Arapongas – PR. Vive em Cuiabá – MT. É bióloga, Mestre em Histologia e Embriologia. Ensinava na UFMT, por onde se aposentou. Atualmente, é professora na Universidade de Cuiabá. Na poesia, fez estréia com Por imenso gosto (Massao Ohno, 1995), Prêmio especial no Concurso Cecília Meireles – UBE. Em seguida publicou pela 7Letras: Ser cotidiano (1998), Sopa Escaldante (2001), Prêmio Cecília Meireles – UBE, Leito de Acaso (2004) e Tempo comum (2009). É autora de livros infanto-juvenis. Escreve contos, crônicas e resenhas, colaborando com jornais e revistas mato-grossenses.

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