segunda-feira, 7 de março de 2011

CARLITO AZEVEDO


O ANJO FOGE

Foi quando você descobriu que tinha um tumor no cérebro. Quando sonhava todas as noites com um enorme retângulo de água. Quando teve que tentar com o outro mapa. Quando o alarido eletrônico de um bando de maritacas entrou por sua janela. Quando constatou-se a covardia da expedição. Quando ninguém mais dava atenção à morte dos naturalistas. Um ano antes, você chegava às Ilhas Lofoten. E lhe mostraram o quarto exíguo que dali em diante seria a sua casa. Uma cama e um pequeno armário com um copo de vidro virado para baixo e uma garrafa de água. Foi quando deitou na cama com o seu walkman e passou os primeiros dias ouvindo as fitas cassete que encontrou numa caixa de sapatos sob a cama, cheias de gravações de vozes de pessoas cujas feições tentava imaginar: “En el vacio la velocidad no osa compararse, pude acariciar el infinito” ou “el dicho ‘angel boxeador’ se instaló en Crimea; al cabo de un año, en Sujumi, después en El Kubán, en Besarabia. En el país tocaran alarma.” Em outra fita, uma mulher diz em polonês que lhe arrancaram tudo por dentro. Mas já faz muito tempo. Agora, cansado, você encosta o rosto na escotilha.

Carlito Azevedo nasceu no Rio em 1961. Recebeu o Jabuti por seu primeiro livro, “Collapsus linguae”. Sua antologia “Sublunar” recebeu o Prêmio Alphonsus Guimarães da Biblioteca Nacional. “O anjo foge” está em seu mais livro mais recente, o quarto, “Monodrama”, da 7 Letras, finalista do Telecom.

Nenhum comentário:

Postar um comentário