sexta-feira, 20 de maio de 2011

CARLITO AZEVEDO


Apresentação do livro “Mil olhos de uma rosa”

“Mil olhos de uma rosa” constitui-se, já por sua depuração verbal, já por sua recusa a qualquer tentativa de dar um sentido ao sem-sentido de nossos dias, num dos mais indispensáveis livros de contos de nossa moderna literatura. E esses dois elementos, depuração e recusa ao ilusionismo, estão no cerne de cada escolha assumida e desenvolvida por Sonia Coutinho.
A começar pelo perfil das personagens, pessoas solitárias, sem entender bem como chegaram aí (há um “Inimigo Oculto” conspirando?), sem vislumbrar como possam sair disso. Mas se a solidão é uma, muitas são suas formas (mil olhos tem essa rosa doente e contemporânea, para lembrar o poema de William Blake): ela pode nascer da exacerbação do amor, l’amour fou, capaz de levar à loucura ou ao crime; mas também surge de seu extremo oposto, a diluição do amor em amizade erótica, irresponsável, desenergizada, l’amitié amoureuse de que se fala em “Camarão no jantar”.
No conto “Joie de vivre” insinua-se que a arte, eu mundo de cores e harmonias, em especial quando se trata, como é o caso, da arte de Henri Matisse, pode ser uma fuga. Mas, em outro conto, a presença aterradora de um Joseph Beuys, encarando um coiote que é a própria América, mostra que a arte apenas aparentemente é fuga: arte é risco. E a solidão tem a espessura da pintura metafísica de um De Chirico, outra presença sutil e incontornável do livro.
Apesar da exuberância da natureza no primeiro conto, que dá título ao volume, também a onda ecológica não constitui solução. Se no conto e abertura a “narrativa vegetal” parece sobrepujar a “narrativa policial” que se esboça, já no último conto, em sutil espelhamento com aquele, nenhuma “verdade” se acende, romanticamente, da presença da natureza.
Uma última e mais radical saída seria a morte, nossa única questão filosófica, segundo Camus. Não à toa são lembradas aqui a morte de Stefan Zweig, George Eliot e, mais sutilmente, através da citação de uma casa funerária chamada “Estrela da Manhã”, a “indesejada das gentes” de Manuel Bandeira, ou à morte a las cinco en punto de la tarde, do terrível refrão de Lorca.
Mas essa solução, talvez por ser a mais fácil, também não interessa.
Talvez não haja solução, ou melhor, um dos méritos da autora é saber que não cabe à arte oferecer soluções. O que há é a beleza, a coragem para a travessia.
Estranho paradoxo da arte: com sua força corrosiva, este novo livro de contos de Sonia Coutinho nos estimula para a vida.

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