quarta-feira, 16 de junho de 2010

O PIANO ALADO DE REBECCA HORN


Sonia Coutinho

Já fui ver duas vezes a retrospectiva de Rebecca Horn, no CCBB. Da segunda vez, em pé, com um caderninho na mão, copiei dois poemas da Rebecca, escritos nas paredes.
(Não sei se a tradução está boa, não deu tempo para verificar. Não gostei que Renato Rezende traduzisse “rod” por “rodo”. Aqui, coloco “varinha” mesmo.)

LUMIÈRE EN PRISON DANS LE VENTRE DE LA BALEINE

Raízes horizontais
guelras – asas ramificadas,
amamentadas com sangue frio
Eternamente solitárias em corredores escorregadios
formas de ar, formas de lua
onde segurar em meio a tudo isso que flutua?
Esfregando o corpo, para criar um fogo
no hotel das palavras não nascidas
Bessie Love (*) em Paris, 1928

À noite as palavras vagam
como sombras dentro da mente
deslizam sobre mármore e água.
Uma varinha dourada interrompe o fluxo,
escreve ao revés na água escura,
desmancha sentenças nas ondas,
acende um turbilhão de signos
em transparências espelhadas.
Palavras trêmulas procuram uma nova ordem
pedindo orientação à lua
na cúpula de palavras entrelaçadas.

Escape do ventre de ecos ramificados
rodopiando ao redor do coração pulsante da baleia.
Minha sombra desvenda sua febre
abraça o pulsar frio,
envia labaredas de luz
ao centro do coração.
Incerto se o amor carrega a redenção dentro do fogo.
O grão de semente da palavra,
nutrido de escuridão,
incapaz de cravar o nó do coração,
ao mesmo tempo luz e sombra
flutuando na esfera.
Uma gota de ar e água
ganha forma dentro da baleia
como um grito.
Nascimento de palavras,
ressoando pelas ondas,
deslizando em direção ao sol.
(2002)

(*) Atriz americana do cinema mudo.

Este poema se refere a uma instalação de Rebecca, no ventre na baleia, na sala vizinha, escurecida. Luzes projetam essas palavras pelas paredes, rodopiando.
No centro da sala, um pequeno tanque.
Há outro poema na parede do CCBB, referente a uma peça móvel presa à parede, com conchas.

CANTO DE LUZ

Através da lente de aumento de algas entrelaçadas
ele coleta as marés de luz de madrepérola
com a obsessão dos solitários.
Serpentes de Júpiter acendem vórtices de luz,
cruzando o espaço no interior das palavras
tocando o zênite do ovo da ema
o Saturno de Pessoa.
(2005)

INSTALAÇÕES E FILMES
O piano de Rebecca

Rebecca (1944), um dos grandes nomes da arte contemporânea, está mostrando no Rio, cidade onde nunca havia exposto, 18 instalações e seis filmes, de diversos momentos dos seus 35 anos de atividades.
A peça-choque, para mim, é um piano pendurado no teto, de cabeça para baixo, que põe para fora suas teclas (ou suas entranhas?) a cada 15 minutos, despertando o espectador, com o susto, para um outro plano da realidade.

TECNOLOGIA

É grande a diversidade dos trabalhos apresentados no CCBB, inclusive pela extensão do tempo em que foram produzidos; mas algumas características comuns são logo identificáveis.
Entre elas, o uso do aparato tecnológico, incluindo todo tipo de pequenas máquinas. Rebecca, é uma pioneira, já nos anos 60 usava a tecnologia em sua arte.
A “rebelião” do título pode ser a das máquinas, que parecem adquirir autonomia, vida própria. Mas é uma rebelião que não chega a assustar.
A atmosfera da exposição de Rebecca Horn é lúdica, surreal, poética. Não há o clima kitsch desafiador de muitos outros artistas contemporâneos.
O que ela faz tem uma veia poética. Pode-se lembrar, vendo seus trabalhos: a “brincadeira” dadaísta, os ready-mades de Duchamp.
Borboletas batem asas graças a uma maquininha; uma longa haste de metal espirra tinta sobre uma parede branca, criando uma pintura abstrata; outra haste metálica mergulha num tanque uma cobra também de metal, sob uma iluminação lateral que projeta sombras ondulantes na parede.

PERFORMANCES

Na década de 70, Rebecca fazia performances. Para participar com esses trabalhos da Documenta 5, de Kassel, pediram-lhe que os documentasse e ela começou a filmar. Há filmes dessas performances na mostra do CCBB.
O trabalho é com corpos humanos, aos quais são presos apêndices. Asas, grandes hastes suspensas aos ombros, mantos de penas. A nudez cria um clima sensual, sexual.
E há também filmes longos, também dos anos 70. Um deles, com uma narrativa surreal, já pondo em cena muitas máquinas “vivas” e borboletas, tem como protagonistas Geraldine Chaplin ainda jovem e Donald Sutherland ídem.

NA FLORESTA

Rebecca nasceu em Michelstadt, na floresta de Odenwald, no Hesse.
Consta dos seus dados biográficos que seu pai a lhe contava, quando era menina, muitas histórias sobre bruxas, dragões e duendes. E ela cresceu angustiada, claustrófoba.

MULHERES ARTISTAS

Tradicionalmente, a história da arte omitia nomes de mulheres.
Hoje, o elenco das artistas já é numeroso, incluindo figuras como Mona Hatoum, Barbara Kruger, Jenny Holzer, Marlene Dumas, Pippilotti Rist, Cindy Sherman, entre muitas outras.
Até talvez uma década atrás, quem estudava História da Arte só encontrava mulheres no limiar ou no início do século XX. Mary Cassat, Berthe Morisot ou Paula Modersohn-Becker.
Será que, até então, não havia nenhuma mulher fazendo arte? Ou seus nomes não constam por causa do preconceito contra elas?
A segunda hipótese é confirmada pelo trabalho de pesquisadoras como Wendy Slatkin, que cita, em seu livro “Women Artists in History”, Sofonisba Anguissola e Artemisia Gentileschi, entre outras, pouco conhecidas mas com trabalho respeitável, isto já a partir dos anos 1550.

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