segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

TODA A VERDADE SOBRE A TIA DE LÚCIA

Uma resenha de Rubem Mauro Machado

A arte de Sonia Coutinho

O universo dos contos de Sonia Coutinho é concentrado e fechado, com freqüência opressivo, girando sempre, como já salientei em outra ocasião, em torno de uma personagem única, bem determinada (em mais de um sentido do termo): a mulher de classe-média, já experiente e vivida, dedicada ao trabalho intelectual e/ou artístico, que veio buscar na vida da cidade grande – no Rio de Janeiro – a independência, o livre mover-se, o escape da armadilha da mediocridade provinciana. E que por seu orgulho paga o alto preço da solidão. Esta é lamentada; mas é de se duvidar que esse alter ego tenha qualquer dúvida sobre a decisão, dura mas inevitável, que determinou o seu modo de estar no mundo.
O que poderia ser uma leitura penosa, no entanto, se converte em prazer, pelo talento da escritora, que nos leva a deslizar com a suavidade de um barco pelo seu texto ágil, de frases econômicas e certeiras, temperado em alguns momentos por uma pitada de humor ou ironia.
Qualidades essas todas presentes nos 20 contos, alguns muito curtos, reunidos no seu último livro Toda a verdade sobre a tia de Lúcia, que acaba de ser lançado pela 7 Letras.
Alguns deles, como os dois que abrem o volume de apenas 90 páginas, Invisibilidade e Chocolate amargo, estão com certeza entre os melhores que a autora já escreveu, oscilando entre a melancolia e a fantasia que liberta.
Tenho antipatia pessoal por minicontos em geral. Mas gosto de contos curtos, de alta concentração, de que Violência, contido em apenas uma página, é belíssimo exemplo. O conto-título por sua vez explicita bem a temática dominante neste e em outros livros. Outros contos ajudam a compor um mundo de fragmentação e carência, de amores frustrados ou fugitivos. Nele a personagem de muitos nomes busca o tempo todo encontrar, ou dar, um sentido ao absurdo da existência. “Todos acabamos descobrindo o que se costuma chamar de “o grande mistério da vida”. Mas é sempre tarde demais.” resume em Descoberta. No entanto, a arte, exercitada ou apenas referida, permeia todo esse pessimismo radical. É como se Sonia afirmasse que, por meio da atividade artística, incluindo-se aí a literatura, somos capazes de transcender a imanência que nos ata, somos capazes de nos justificar, e assim de algum modo obter a gratificação que redime todas as agruras e limitações inerentes ao curto percurso que toca a cada um neste planeta insignificante, mas que ainda assim guarda tudo o que amamos.

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