segunda-feira, 29 de novembro de 2010

COMENTÁRIO CRÍTICO


LUCINDA PERSONA,

sobre "OVELHA NEGRA E AMIGA LOURA"


É necessário que as histórias já se tenham passado", escreveu Thomas Mann enquanto explicava as razões do seu romance A Montanha Mágica. E é nesse clima, de tempo ideal decorrido, que se inicia um dos doze contos do mais recente livro de Sonia Coutinho, justamente o que dá o título: Ovelha negra e amiga loura (Rio de Janeiro: 7Letras, 2006).

As criações de Sonia Coutinho revelam mais do que tudo as vicissitudes do homem comum, os instantes de desenlace e as sacudidelas que a vida confere. Privilegiam a paisagem circundante, povoada pela memória, seja de um fato imediato ou longínquo. À medida que o leitor se reconhece, ele também se envolve com as sutilezas, com a natureza cíclica dos relatos e com a habilidade da autora em costurar experiência e expressão. A adesão é imediata aos enredos e personagens, todos eles gente como a gente. A escrita é franca e ágil, ocorrendo captação certeira da tragédia cotidiana e da atmosfera de indiferença que às vezes envolve tudo.

As narrativas fluem com um sentido crítico profundamente realista, evidenciando a figura feminina em várias de suas dimensões: mãe, filha, amiga. E também em muitas condições diferentes, como na solidão e maturidade.

Os contos de Sonia Coutinho, como expressão da realidade contemporânea, expõem personagens num itinerário de necessidades, amarguras veladas, desafetos, estarrecimentos, fraquezas, decisões dolorosas e fatais. As vidas são duras e flutuam entre o temor e a coragem, entre o trivial e o absurdo. O conto "Às vezes venta, de madrugada", protocoliza as agitações próprias desse mundo regido por deuses devoradores, como é o caso do tempo. "D de descoberta" é uma história que manifesta a tensão emocional da protagonista, guardiã de uma verdade inquietante, cuja confissão mergulha profundamente na sensibilidade do leitor.

A presença da escritora na prosa brasileira é das mais significativas, tanto por um processo expressivo impecável, engenhoso, quanto pelo volume da obra, sendo detentora de vários prêmios e, por duas vezes, do Prêmio Jabuti.

Nascida em Itabuna, Bahia, Sonia Coutinho vive há anos no Rio de Janeiro, cenário pleno de sentidos e muito freqüente em sua escrita, ambiente para o qual levou sua experiência de vida anterior, e onde plasma seu universo de ficções, paradoxalmente pleno de veracidade, valendo-se de uma prosa comunicativa e intensa.

E num tempo de leitura, de conto a conto, a oportunidade de se perceber que a escritora confirma não somente sua experiência e intimidade com a escrita, mas seu encanto por essa atividade de encanto inigualável.


*Lucinda Persona é poeta e professora da Universidade de Cuiabá - UNIC

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