sábado, 30 de outubro de 2010

POESIA - BAHIA

WLADIMIR SALDANHA


REGISTRO GERAL

O número é o mesmo, desde o dia
em que o recebi, sem questionar.
Meu número: sem numerologia,
grudou-se, grudou-se em mim! Sorte? Azar?

Não sei. Sei que me lembro das mãos pretas
com que fiquei, tão sujas!, pra deixar
as minhas digitais nas tabuletas
e que não foi “poeta” – ao perguntar

a profissão, o que lhe declarei
- àquela, também ela, funcionária...
E lá estou... Aguardo Wladimir

- o novo, numerado, menos pária!
Aquele que não vem, mas o que hei
de ser quando depois chegar a vir.

ÁGUA-VIVA

Difícil é saber
o que, sendo translúcido,
é ácido

o que, sendo flébil,
é açoite

o que, sendo nado,
bruxuleia

porque, sendo nada,
é vida.

Wladimir é contista e poeta. Formado em Direito pela UFBA, atua profissionalmente na área jurídica, como analista judiciário.Tem Mestrado em Teoria Literária pelo Instituto de Letras da UFBA, com dissertação sobre a obra de Jorge Amado. Cursa atualmente o Doutorado em Letras no mesmo Instituto, com tese sobre a obra de Lêdo Ivo.Tem, inéditos, os livros “Pequenas Avarias” (contos), “Fardo Sutil” (poesia) e “Pesca e Pronúncia” (poesia).Participou das coletâneas “Poetas na surrealidade em Estremoz”, publicada pela Câmara Municipal de Estremoz (Portugal, 2007) e “DiVersos − Poesia e Tradução” (Águas Santas, Portugal, 2008). Outros poemas seus foram publicados na “Revista Iararana”, de Salvador (2000) e no jornal “A Tarde Cultural” (2000 e 2007). Tem contos na internet.

SILVÉRIO DUQUE


E o que adoro em ti é tua carne,
porque tudo o que é vivo se deseja;
assim, desejo em ti o meu tormento
que há-de crescer na proporção do tempo.

O que eu almejo em ti é tua sombra,
pois toda boca habita as mesas vozes
que hão-de tecer com gritos o teu nome
na tarde azul tragada pela noite.

Beijo o teu rosto como se existisse
algum lugar pr’além do Precipício,
e, junto ao gosto de teu lábio esquivo,

uma palavra, sobrescrita em sangue,
há-de adornar o verso em que eu me esqueço,
e há-de extirpar, do amor, a fúria imensa.

+++

Que sabes tu dos frutos, das sementes,
da dureza das flores contra o vento?
A aurora vem tragar a noite espessa
de onde brotou, sem dores, o teu grito.

Se a afirmação do amor nos aborrece,
Morrer é mera vocação dos vivos,
pois no morrer de tudo há um recomeço.
Não queiras mal ao tempo ou ao espanto;

não queiras mal ao grão, à terra escura...
Que sabes tu das trevas ou da carne?
Que sabes tu das noites, dos princípios?

Hoje, é chegado o tempo dos retornos
e toda forma espera o seu ofício
como o vaso existente todo o barro.

Silvério nasceu em Feira de Santana, Bahia, em 1978. Trabalhou como desenhista, restaurador e ajudante de mecânico, antes de descobrir sua vocação, o magistério. Diplomou-se em Letras Vernáculas na Universidade Estadual de Feira de Santana. Sua primeira paixão foi a música. Ainda menino, foi clarinetista de duas Bandas Filarmônicas, na cidade de Tanquinho. Em Feira de Santana, foi coordenador de uma escola de música. Seu primeiro livro foi “O crânio dos peixes” (Edições MAC/2002), seguindo-se “Baladas e outros aportes de viagem” (Edições Pirapuama/2006). Participou de concursos literários (ganhou alguns prêmios) e antologias, e vem colaborando com periódicos, bienais e em vários projetos musicais. “A pele de Esaú” (Ed. Via Literarum/ 2010), de onde foram tirados os poemas a seguir, é seu livro mais recente. Mas ele já tem outro no prelo, “Ciranda de sombras”.Sobre “A pele de Esaú,” escreve Ildásio Tavares: “Neste meridiano da perda e da rejeição, na figura de um Esaú destituído de seu destino, Silvério elabora uma intricada associação de sentimento e pensamento, buscando a verticalidade de personagens que se multiplicam porque se querem fundir em um só. Afinal, o drama de degredo e aparte que sofre Esaú é de todo ser humano, anjo caído que, um dia, se afastou da presença de Deus. E toda odisséia que Esaú tem que executar, na busca de si mesmo, pode-se configurar em seus aspectos trágicos e cada poema desse livro, pois, discorre sobre um jaez da personalidade humana com este suporte analógico, na verdade.”

Nenhum comentário:

Postar um comentário