quinta-feira, 26 de agosto de 2010

POESIA BAHIA

E vai aqui uma mostra da poesia em Salvador e Feira de Santana, agora.

ROBERVAL PEREYR



MUITO LONGE DO CAIS

Um barco à deriva: desterro
e fome
.................no Aquém.

Minha sombra sabe o que digo.
Certos monstros também.

Entre eles, só eu duvido.
Mas duvido de quem?

POEMA

Sou de luz e de aço.
Faço-me ao revés dos nãos
e perfaço-me. Dádiva

é florir no invisível
dar do avesso a visão
para o céu se espelhar.

DEPOIMENTO

um adeus na ponta da língua
livros na alma, meus erros
catalogados
e minhas formas de ser:

eu que sou calmo, cheio
de dobras, semitonado
em mi

e falso e feio e verdadeiro e só

EM TRÂNSITO

A bússola que me deram
me errou em cheio;
me guiei por ela,
seu norte erafeio.

Emito esta voz
que me urde e nega
e que me sonega
quando diz: eu sou.

Mas eu não sou nada
(e meu nome ilude):
sou só esta estrada
antes que ela mude.

Roberval Pereyr (1953)é poeta, ficcionista, desenhista, compositor, teórico e editor. Onze livros publicados, dez de poesia. Entre estes, “Amálgama – Nas praias do avesso” e “Poesia anterior” (2004). Incluído em várias antologias poéticas, no Brasil e no exterior. Doutor em Letras e professor da UEFS. Estes poemas figuram em seu livro “Acordes,” lançado este ano de 2010 pela editora Tulle, de Feira de Santana, que se destaca pelas publicações de alta qualidade gráfica.


SEBASTIÃO MARQUES


INCOMPLETUDE

Extraviou-me o dicionário e a certeza de saber
Ignoro até o sabor do canto
e o doer de estar aqui.
Oh exaustiva descoberta, o poema escorregadio solta-se do liame habitado na página.
Em mim, o vazio é conhecer o verso que ainda não fiz.
Feito, o mundo do demasiado e tardio sentimento
terá sido
completo?

Sebastião Marques nasceu em Salvador em 1962 e se formou em Letras. É poeta, contista e professor de Literatura Brasileira e de Leitura e Interpretação de Textos no ensino médio e superior. Publicou pela UFBA o livro de poemas “Raro efeito” e, em 2002, pelo Banco Capital, “Escrito a giz”.

SANDRO ORNELLAS



DERIVAS

ando atrás, farejo
o cheiro das solas que vão
mercúrio dos sonhos sombrios
hermes dos aferrolhados fados
exu das visões mais venéreas
não acelero, vou passo a passo
não deprimo ao primeiro passo em falso
ao primeiro risco na folha do asfalto
ao atropelo iminente na oswaldo
cruz do pé andarilho, em falso
sempre estou, e por isso
é tanta excomunhão
é tanto zunido grito rodopio
é tanto terço traça caliça que desce
ressequida em meus ombros
escrevo vazio, em vão a seco
no vácuo do saco do pão
endurecido e embolorado, escrita
e pão de carcomidos traçados
e ultrapasso os percalços
e persigo o encalço do que ontem
era cinemascope a céu aberto
um quasar de amanhecer sideral
um suave pulsar em minha mão maquinante
uma escrita a polir um estilo de viver
a domar as formas do escrever
do corpo que volta a percorrer sinais
que as ruas lhe abrem aos frágeis sentidos
- sentidos do sobrevivente

A VIDA E A VIDA
Para Miguel Ângelo

a vida sempre vence a vida
mesmo no intervalo da frase
febre que conspira contra o presente
palco para o pensamento mais físico
o afeto mais íntimo
a respiração mais ríspida
a experiência brutal
nos braços delicados da realidade

a vida sempre vence a vida
ávida às vezes de alegria pública
entrelinhas de um livro diabólico
um texto inacabado
a vida sempre cresce por fora
cortando cabeças
perdendo-se entre alimárias
soltas sob o teto de tudo

Sandro Ornellas nasceu em Brasília, em 1971 e mora em Salvador. É professor de literatura na UFBA. Publicou o livro de poemas “Simulações”, em 1998. Participou de antologias e tem poemas e artigos publicados em revistas e jornais impressos e on-line. Os poemas aqui postados são do livro “Trabalhos do corpo”, da editora Carta Capital, lançado em 2007.

Um comentário:

  1. Opa, boas descobertas por aqui!
    Vou atrás do Roberval Pereyr (e o Sandro continua muito bom).

    Abraço.

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