No dia 15 de maio próximo, na Associação de Amigos do Jardim Botânico, haverá uma comemoração pela nova edição do romance “Atire em Sofia,” de Sonia Coutinho, que acaba de sair pela 7 Letras. Na Casa 6 do Jardim, junto ao estacionamento, haverá um coquetel e leitura dramática de trechos do livro, pelo ator Edward Boggiss. Em entrevista ao escritor e jornalista Rubem Mauro Machado, Sonia analisa seu livro.
SoniaC. e Rubem Mauro
RUBEM MAURO: Fale um pouco do “Atire em Sofia”.
SONIA C. –O romance, antes de mais nada, fala de um verão em que uma cidade misteriosa se torna palco de aparições, assombrações. E há um assassinato cometido a várias mãos...
RUBEM MAURO – Personagens femininas são predominantes em sua literatura. É assim também em “Atire em Sofia”?
SONIA C. – Neste romance há vários personagens, muitos deles masculinos, mas o destaque é o percurso de Sofia. Na verdade, nunca antes coloquei tantos personagens num texto como aqui. Temos, por exemplo, João Paulo, o jornalista que deixa seu emprego para escrever um romance policial... Há Fernando, um advogado acomodado, que tenta preservar seu conforto, acima de tudo. E Matilde, uma mulher desesperada, que dialoga com Maria Callas... Mas, segundo o Dudu Boggiss, que fará a leitura dramática de trechos do livro, o que se pode chamar de “tema central” do “Atire em Sofia” é o preconceito.
RUBEM MAURO: Que tipo de preconceito?
SONIA C. – Há, na cidade que é cenário do romance, o preconceito contra as mulheres sozinhas, que tentam viver livremente dentro de um contexto fechado, ainda patriarcal. Na verdade, um contexto arcaico, que resiste às mudanças trazidas pela passagem do tempo. E há o preconceito contra os negros, que resistem e acabam preservando sua cultura, contraposta à cultura branca.
RUBEM MAURO – Você falou em “aparições, assombrações”. O que queria dizer com isso?
SONIA C. – Há elementos de literatura fantástica nesse livro, como em tudo, ou quase tudo o que eu escrevo. Em “Atire em Sofia,” um verão sobrenatural traz uma mistura de figuras da mitologia grega, da religião afro-brasileira, de personagens míticos da mídia. E também vemos, em recuos no tempo, cenas da invasão holandesa à Bahia e da rebelião dos negros malês.
RUBEM MAURO – Muita gente considera você fundamentalmente uma contista. Como aconteceu de você escrever esse romance, o seu primeiro, salvo engano?
SONIA C. – Na verdade, eu já tinha escrito uma novela ou romance curto, como queiram, que é “O jogo de Ifá”. Mas tinha a ambição de escrever uma narrativa, digamos, de fôlego ainda maior. Para escrever “Atire em Sofia” fiz um pouco o que faz no livro o personagem João Paulo. Saí do Rio, deixei o jornal, passei um ano em Salvador, morando num apartamento quase vazio. Pesquisei muito. A cultura afro-brasileira, a história da Bahia, mitologia grega, biografias.
RUBEM MAURO – Está contente com o resultado?
SONIA C. – Acho “Atire em Sofia” um livro muito louco, mas também muito criativo. Acho que o livro é envolvente, fácil de ler.
RUBEM MAURO – Você o considera um romance policial?
SONIA C. – Não, definitivamente não. Eu diria que, em certa medida, é um “romance de crime”, uma classificação consagrada. Na verdade, pesquisei muito também o romance policial, fiz uma dissertação de mestrado na Escola de Comunicação da UFRF sobre o policial de autoria feminina. “Atire em Sofia” tem uma influência de tudo isso, mas é também, como vimos, uma narrativa com um clima bem fantástico. E há o aspecto psicológico, os personagens refletem muito...
LÁGRIMAS DE IANSÃ
Numa cidade cujo nome jamais é dito, mas tudo indica tratar-se de Salvador. Três tiros ecoam entre os atabaques do candomblé, dezenas de mãos apertam o gatilho. É um verão esquisito; calor febril intercalado por tempestades furiosas como lágrimas de Iansã, na cidade mestiça magnetizada por superstições, paixões, fatalidades.
Uma morte misteriosa fere a cálida estação: a vítima, Sofia do Rosário, retorna para a cidade natal depois de vinte anos no Rio de Janeiro. Ela é uma mulher divorciada e emancipada; uma mulher madura e sensual, que inspira temor e fascínio nos homens. Temor e repulsa na cidade, que não sabe lidar com sua figura desafiadora.
Despida de idealizações, ela enfrenta os percalços de viver a própria liberdade, com toda a solidão que essa escolha implica.
Sofia busca uma trégua na rotina de reportagens sem fim, contas a pagar, noites solitárias no quarto e sala de Copacabana. Na Bahia, as filhas Maura e Milena, que ficaram com o pai, resistem à reaproximação. Lá, ela reencontra João Paulo, que abandona o Rio para escrever um romance policial. Fernando, o amigo de infância que ficou na cidade, ajuda a montar o quebra-cabeça das últimas décadas.
Sonia Coutinho rompe mais uma vez os tabus da “literatura feminina,” retratando uma geração de mulheres que desafiam a lógica dos papéis tradicionais – e se debatem entre a educação repressora e o apelo da liberação. Sua escrita sensível cria um romance de crime e magia com tintas muito brasileiras, intenso e eletrizante como o ritmo do candomblé.
- Texto da orelha do “Atire em Sofia”
A ESFINGE, GATA E PANTERA
Fotomontagem de Jorge de Lima
Ao voltar, ao meio dia em ponto (hora de passagem, ele pensou depois, como a meia-noite), passou de carro pelo Largo do Bonfim, olhou em direção à igreja e viu no adro a mulher-leão alada, sereia terrestre, a Esginge que cantava, propondo seu enigma no dia sombrio, com um céu de nuvens baixas que se movimentavam velozmente, como se fossem impulsionadas por um vento forte,enquanto em terra a brisa parara de soprar e tudo se imobilizara.
Hipnotizado, Fernando desceu do carro e caminhou na direção dela pela rua deserta. Num segundo, a Esfinge se transformou em princesa, fada, ovelha negra, cadela, gata, pantera, em Iemanjá, numa mulher. Que, ávida de sangue sexo, aproximou-se dele e o derrubou, sentando-se em cima do seu corpo.
Hipnotizado, Fernando desceu do carro e caminhou na direção dela pela rua deserta. Num segundo, a Esfinge se transformou em princesa, fada, ovelha negra, cadela, gata, pantera, em Iemanjá, numa mulher. Que, ávida de sangue sexo, aproximou-se dele e o derrubou, sentando-se em cima do seu corpo.
- Na contracapa do livro