tag:blogger.com,1999:blog-37390298284341071852024-03-05T10:56:48.680-08:00Jornal SidartaDestina-se a divulgar trabalhos literários e de artes plásticas.Sonia Coutinhohttp://www.blogger.com/profile/04190922525509515505noreply@blogger.comBlogger81125tag:blogger.com,1999:blog-3739029828434107185.post-3669763963747441912011-12-26T10:46:00.000-08:002011-12-26T10:50:12.527-08:00SIDARTA DO FIM DE ANO<strong>PINTURA E POEMA DE CADU LACERDA</strong><br /><br /><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEinh8EMAbswmOpzMIOBftLTZGFCdAx5YIE5mHI-xC-oCCCnbs9EaVJXFVUfdDQq_RDgBb634J-7q5Fh-xnBeApbN_CXfQ9QoXECji6Ta-81GYTsK__B-E6PlnC47l2DivcYW8bi6bMdZCko/s1600/luacadu.jpg"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 398px; DISPLAY: block; HEIGHT: 400px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5690510865546190674" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEinh8EMAbswmOpzMIOBftLTZGFCdAx5YIE5mHI-xC-oCCCnbs9EaVJXFVUfdDQq_RDgBb634J-7q5Fh-xnBeApbN_CXfQ9QoXECji6Ta-81GYTsK__B-E6PlnC47l2DivcYW8bi6bMdZCko/s400/luacadu.jpg" /></a><br />Esperança é a primeira que morre<br />Na transformação poética da cor<br />Relega ao próximo vidente<br />A dor de renascer<br />Sol, lua, estrela<br />A Terra, o vento e o ar<br />É a luz do firmamento<br />Só a quem eu devo amarSonia Coutinhohttp://www.blogger.com/profile/04190922525509515505noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-3739029828434107185.post-86730446539099862892011-12-26T10:32:00.000-08:002011-12-26T10:45:51.345-08:00TRÊS CONTOS DE SONIA COUTINHO<strong>Um dia notável</strong> <a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjKnJEoxdp1azekFBVwKnyNUIKEZFv9tjcjlW18Mu6IHxtJT8d4Mh9HGH45KoCyVC8NzI0JpeZHFumMeMn90LbhXWNJ6mWoIygiEeEwR02XrXK-H_dxfrSICcE6ul8DRVNCzaqd795zH6hL/s1600/amanhecer.jpg"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 135px; DISPLAY: block; HEIGHT: 320px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5690507911403032434" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjKnJEoxdp1azekFBVwKnyNUIKEZFv9tjcjlW18Mu6IHxtJT8d4Mh9HGH45KoCyVC8NzI0JpeZHFumMeMn90LbhXWNJ6mWoIygiEeEwR02XrXK-H_dxfrSICcE6ul8DRVNCzaqd795zH6hL/s320/amanhecer.jpg" /></a><br />Depois de quase uma semana reclusa, no feriado ela decide sair, afinal, para ir ao supermercado. Mesmo porque isto já se tornou inevitável, não tem mais nada em casa para comer.<br />Todo esse tempo preferiu evitar a rua com medo de tiroteios entre policiais e traficantes em fuga das favelas próximas, ocupadas.<br />Como não tem estoque de comida, ficou até sem leite nem pão.<br />Não há como preparar sequer o café da manhã.<br />E, sem café, ela não funciona.<br />+++<br />Pouco depois, passando com seu velho carro pela Borges de Medeiros, vê que há pouquíssima gente caminhando ou correndo pela calçada próxima da lagoa.<br />Inteiramente incomum, para um feriado.<br />O medo de balas perdidas deixou as ruas quase desertas.<br />Não foi disparado um só tiro, mas muita gente ainda acha que pode acontecer.<br />Claro que também está chuviscando, mas só um pingo ou outro, muito de leve. Normalmente, isto não assustaria os caminhantes.<br />Ela também sentiu muito medo. Mas agora já está calma, então segue na direção do Leblon.<br />+++<br />Estaciona, como de costume, no segundo piso do supermercado e, sempre evitando elevadores, desce por uma rampa até o térreo, vai diretamente para o café.<br />+++<br />Compra a comida em pequenas quantidades, porque assim ela própria pode carregar, não precisa de entregador.<br />E também porque adora o supermercado e, com isso, tem motivo para vir aqui quase todos os dias.<br />Passou a conhecer muitos dos funcionários, isto ameniza a solidão, traz uma sensação de pertencer.<br />Lembra que, já faz algum tempo, nenhum dos seus amigos aparece em seu apartamento.<br />Está sentindo falta.<br />+++<br />Quantos anos faz que não tem marido? Até perdeu a conta. Filho, nunca teve, e os parentes que lhe restam moram em outro estado.<br />Sei que sou esquisita, pensa, levando a bandeja com o café e dois pães de queijo até uma mesa. Mas, pelo menos, como todas as mulheres, adoro ir a shoppings e supermercados.<br />Eles lhe garantem uma certa alegria.<br />+++<br />Este supermercado mudou de dono e passou algum tempo fechado para reformas.<br />Agora reabriu, e ela está gostando do seu novo novo aspecto.<br />Principalmente porque não se desfizeram do piano que fica no café. Espera que o mesmo velho ainda venha, às vezes, tocar nele antigas melodias americanas.<br />+++<br />Faz suas compras de alimentos com a segurança de uma Sobrevivente. Depois, pega para levar uma revista de que gosta muito.<br />Pensa, com satisfação, que depois do almço ficará deitada em sua cama, recostada numa almofada, folheando a revista.<br />+++<br />Logo ao chegar ao seu apartamento, vai ao computador ver se há e-mails para ela – nenhum.<br />Meio triste, dispõe-se a telefonar para alguém, mas neste momento ouve os estampidos: PAM. PAM. PAM. PAM.<br />Meu Deus, será que estão acontecendo tiroteios, afinal? Corre para a varandinha e então vem o alívio. Ainda há estrelinhas subindo, foram fogos de artifício que alguém soltou, em comemoração ao Quinze de Novembro, à proclamação da República.<br />+++<br />Pouco depois, cumpre seu projeto e se deita em sua cama, ainda com a roupa da rua.<br />Recosta-se numa almofada e fica folheando a revista nova.<br />É quando alguém toca a campainha da porta.<br />Meu Deus, e o porteiro não avisou a chegada de ninguém!<br />Deve ser ele! Nem espia pelo olho-mágico para ver quem é, tem certeza de que é o Brad Pitt.<br />E então, a surpresa:<br />- Robert! Robert Pattinson! É você!<br />É a primeira vez que ele vem; mas, mal ela abre a porta, Robert vai entrando, sem cerimônia.<br />Afrouxa o nó, tira a gravata, depois o paletó, os sapatos e as meias, vai pondo tudo em cima e ao lado de uma poltrona.<br />Fica apenas com a camisa social aberta ao peito e as calças jeans.<br />- Vamos para a cama – diz.<br />E, vendo seu ar inseguro – é a primeira vez com ele – declara:<br />- Não se preocupe, Sei do que você gosta, querida. Os outros já me explicaram tudo. Ficaremos apenas um ao lado do outro, nos abraçando e acariciando como se fôssemos irmãos. Você não quer?<br />Mas claro que sim, ela quer.<br />O que ele disse corresponde inteiramente à verdade. É isso mesmo que ela costuma fazer com todos eles, quando aparecem.<br />+++<br />Antes de dormir, ela pensa: hoje, 15 de novembro de 2011. Um dia notável. Porque é ...exatamente hoje. Porque é... exatamente agora.<br /><br />-----//-----<br /><br /><p><strong>O que lhe resta da vida</strong><br /><br /></p><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEggiBzYYPuOP295pINpkZsgJ1R2scL_5iEKBhSEvuBZK9iViaYoamhEd7GNbfpIB3Gt9Z6UtrGbtwJ3jv0gBL88hFDMqbE8scR2X-LfkzGJ8hCDvrngfxHZ2hnkWd6HujOuEjVeu2Qq3lAx/s1600/chaveiro.jpg"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 320px; DISPLAY: block; HEIGHT: 146px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5690508356352933346" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEggiBzYYPuOP295pINpkZsgJ1R2scL_5iEKBhSEvuBZK9iViaYoamhEd7GNbfpIB3Gt9Z6UtrGbtwJ3jv0gBL88hFDMqbE8scR2X-LfkzGJ8hCDvrngfxHZ2hnkWd6HujOuEjVeu2Qq3lAx/s320/chaveiro.jpg" /></a><br />Quase todo dia ela sai do Catete e vai a um shopping elegante, na Zona Sul do Rio. Tem mais de 60 anos, não precisa pagar o ônibus. É um grande prazer para ela ir a esse shopping - e tudo fica quase de graça. Vive em busca de coisas assim, em seu esforço para “aproveitar o que lhe resta da vida”, mesmo com o pouquíssimo dinheiro da sua aposentadoria.<br />Desce do ônibus exatamente às dez na frente do shopping. É a hora em que ele abre. Uma pontualidade que lhe vem da repetição diária do percurso. Vê que há uma porção de gente já à espera para entrar. O Natal está próximo e o o shopping anda muito cheio.<br />Entra junto com as pessoas aglomeradas, quase se acotovelando com elas, e começa a caminhar pelos corredores do térreo.<br />Este andar tem mais restaurantes do que lojas. Mas aqui fica a banca sofisticada onde ela sempre compra o jornal e aproveita para dar uma olhada nas revistas. E aqui fica também a lanchonete onde todo dia ela toma um café pingado e come um pãozinho de queijo. A balconista coloca a xícara na bandeja com um biscoitinho no pires e mais um pequeno copo plástico com água gasosa. Ela mesma carrega a bandeja para uma das mesas.<br />Bebericar o café, dando pequenas mordidas no pão, traz-lhe uma sensação de imenso relaxamento. Quando acaba, sobe a escada rolante para o segundo andar. Aqui, sim, há várias vitrinas interessantes.<br />Entra numa loja de produtos femininos orientais. Gosta da bijuteria exótica, que espia longamente. Quando a moça lhe pergunta se pode ajudar, ela responde que “se precisar de alguma coisa te chamo, querida”.<br />Continua a caminhar, mas já se sente um pouco cansada. Não é mais tão fácil para ela como antes percorrer os três andares do shopping. Segue um pouco mais devagar e logo vai sentar-se num sofá próximo.<br />São muito convenientes esses conjuntos de sofás e poltronas de couro falso, mas bonito, colocados, em todos os andares, no corredor mais largo onde ficam as escadas rolantes. Permanece sentada quase meia hora num sofá preto, sabe que ninguém a tirará daí.<br />Não tem o menor medo de que os seguranças vestidos com bons ternos escuros a incomodem. Fica olhando um deles. São uns sujeitos grandes e mal-encarados, sempre de prontidão nos cantos mais discretos.<br />Não tem motivo para temer. Não é uma compradora e sim uma penetra, que vem mais para espiar roupas, objetos, pessoas. Mas às vezes até que leva as coisinhas baratas que vai descobrindo.<br />E vem sempre vestida inteiramente de acordo, cuida muito disso. Seu dinheiro é mínimo, mas considera esta uma despesa indispensável, mesmo que sacrifique a comida.<br />Não faz mal repetir roupas, mas precisam ser de boa qualidade, neutras e informais. Assim se vestem as mulheres que moram ali perto e quer ser confundida com elas.<br />Esse aspecto minuciosamente correto lhe garante a aceitação. Passa despercebida. Poderia ficar aí sentada horas, folheando seu jornal. Mas prefere continuar a caminhar, e pouco depois se levanta. É quando vem a boa surpresa do dia.<br />Numa bancada de venda de produtos para surfistas, vê, entre camisetas e relógios, pequenos chaveiros diferentes e engraçados. Adora chaveiros, tem uma porção deles enfiados numa grande argola de plástico azul, que carrega sempre na bolsa. Aproxima-se e fica manuseando os chaveiros, sob o olhar amável da vendedora sorridente.<br />Seu coração dá um salto, quando ela encontra um chaveiro que é uma pequena sandália havaiana azul, esmaltada em cima, com borboletas amarelas.<br />- Quanto é este? – pergunta à moça.<br />E ouve a maravilhosa resposta:<br />- Dez reais.<br />Meu Deus, dez reais, que bom, é barato, ela pode levar.<br />Puxa sua carteira da bolsa, tira de dentro os dez reais, paga, diz que não é preciso embrulhar o chaveiro e volta para o sofá com ele. Quer transferir imediatamente para o chaveiro novo as chaves do seu apartamento, que estão em outro, já velho, meio enferrujado.<br />Voltará para o Catete com mais um dos seus pequenos objetos dispensáveis, às vezes sem nenhuma utilidade, mas que gosta tanto de comprar. Maravilha!<br />Claro que está velha. Claro que é pobre. E claro que passará mais um Natal e fim de ano sozinha: seu marido morreu, nunca teve filhos, seus pais também morreram e o que resta da sua família mora em outra cidade, muito longe.<br />Mas, neste momento, ela esquece de tudo isso. Ganhou seu dia. Já pode ir para casa. Decide não comer um sanduíche, como almoço, no shopping mesmo.<br />Preparará alguma coisa para almoçar quando chegar em casa, assim o dia sairá mais em conta.<br />Fica mais algum tempo no sofá, depois se levanta, adiante joga o chaveiro velho num recipiente para lixo, e segue para a escada rolante, a saída do shopping, chega ao ponto do ônibus.<br />Sabe que, com seu novo pequeno objeto para olhar e apalpar, com seu brinquedinho, não haverá nenhum problema pelo resto do dia.<br />Durante a tarde inteira, enquanto não começam as novelas que a anestesiam até a hora de dormir, evitará aquela angústia desesperada, não pensará outra vez em se atirar pela janela e não precisará de nenhuma dose extra do seu remédio forte.<br /><br />-----//-----<br /><br /><strong>Presente, ausente</strong><br /><br /><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjNHiGfWMI2ae5PnCwzzUcANCKPXgvWq5KAh8d-fD_XeT4y-qg4kjwomqSsA0QSV7KVEqNCNygy4k7mq5PMhMoX-P8St5FTQKT8un6qVVpJmqMlWCuF8rlzHW6TlfAsivLo5QADBcpDn6z8/s1600/pacote.jpg"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 255px; DISPLAY: block; HEIGHT: 276px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5690509208585802066" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjNHiGfWMI2ae5PnCwzzUcANCKPXgvWq5KAh8d-fD_XeT4y-qg4kjwomqSsA0QSV7KVEqNCNygy4k7mq5PMhMoX-P8St5FTQKT8un6qVVpJmqMlWCuF8rlzHW6TlfAsivLo5QADBcpDn6z8/s320/pacote.jpg" /></a><br />Acordou, saiu rapidamente da cama.<br />Foi até a cozinha, pegou o interfone, ligou para a portaria do prédio. A resposta do porteiro veio rápida: não, ninguém deixara pacote algum para ela.<br />Desligou com um nó na garganta, os olhos cheios de lágrimas. Caminhou vagarosamente, encurvada, para sua cadeira de balanço.<br />Mas que idiota tinha sido. Claro que já deveria saber. Era tarde demais, estava com 79 anos.<br />Sim, tardíssimo! Como chegara a imaginar que ainda seria possível? Tinha de encarar a realidade. Não havia como fugir disso.<br />Ninguém lhe daria outra vez, nunca mais, um ursinho de pelúcia de presente de Natal.<br /><em></em><br /><em>ESTES TRÊS CONTOS SÃO INÉDITOS</em>Sonia Coutinhohttp://www.blogger.com/profile/04190922525509515505noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-3739029828434107185.post-34576098472850977492011-12-26T10:25:00.000-08:002011-12-26T10:31:54.368-08:00TODA A VERDADE SOBRE A TIA DE LÚCIA<strong>Uma resenha de Rubem Mauro Machado</strong><br /><br /><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi2Mx_HkPELPOHb2s-w7efAbhVTZWAhnTfZOLR-K5ltkt3lQ0foRIpOMVBpf9fzcA5qtWaaj2pjtPH0GE64HyJ0ubVhAn218iN4wYsP00dY_AHlRMeKwgwq1UOv63D4hHZTQzf_zt2QgGAN/s1600/4.jpg"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 172px; DISPLAY: block; HEIGHT: 225px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5690505757886887986" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi2Mx_HkPELPOHb2s-w7efAbhVTZWAhnTfZOLR-K5ltkt3lQ0foRIpOMVBpf9fzcA5qtWaaj2pjtPH0GE64HyJ0ubVhAn218iN4wYsP00dY_AHlRMeKwgwq1UOv63D4hHZTQzf_zt2QgGAN/s320/4.jpg" /></a> <strong>A arte de Sonia Coutinho</strong><br /><br />O universo dos contos de Sonia Coutinho é concentrado e fechado, com freqüência opressivo, girando sempre, como já salientei em outra ocasião, em torno de uma personagem única, bem determinada (em mais de um sentido do termo): a mulher de classe-média, já experiente e vivida, dedicada ao trabalho intelectual e/ou artístico, que veio buscar na vida da cidade grande – no Rio de Janeiro – a independência, o livre mover-se, o escape da armadilha da mediocridade provinciana. E que por seu orgulho paga o alto preço da solidão. Esta é lamentada; mas é de se duvidar que esse alter ego tenha qualquer dúvida sobre a decisão, dura mas inevitável, que determinou o seu modo de estar no mundo.<br />O que poderia ser uma leitura penosa, no entanto, se converte em prazer, pelo talento da escritora, que nos leva a deslizar com a suavidade de um barco pelo seu texto ágil, de frases econômicas e certeiras, temperado em alguns momentos por uma pitada de humor ou ironia.<br />Qualidades essas todas presentes nos 20 contos, alguns muito curtos, reunidos no seu último livro Toda a verdade sobre a tia de Lúcia, que acaba de ser lançado pela 7 Letras.<br />Alguns deles, como os dois que abrem o volume de apenas 90 páginas, Invisibilidade e Chocolate amargo, estão com certeza entre os melhores que a autora já escreveu, oscilando entre a melancolia e a fantasia que liberta.<br />Tenho antipatia pessoal por minicontos em geral. Mas gosto de contos curtos, de alta concentração, de que Violência, contido em apenas uma página, é belíssimo exemplo. O conto-título por sua vez explicita bem a temática dominante neste e em outros livros. Outros contos ajudam a compor um mundo de fragmentação e carência, de amores frustrados ou fugitivos. Nele a personagem de muitos nomes busca o tempo todo encontrar, ou dar, um sentido ao absurdo da existência. “Todos acabamos descobrindo o que se costuma chamar de “o grande mistério da vida”. Mas é sempre tarde demais.” resume em Descoberta. No entanto, a arte, exercitada ou apenas referida, permeia todo esse pessimismo radical. É como se Sonia afirmasse que, por meio da atividade artística, incluindo-se aí a literatura, somos capazes de transcender a imanência que nos ata, somos capazes de nos justificar, e assim de algum modo obter a gratificação que redime todas as agruras e limitações inerentes ao curto percurso que toca a cada um neste planeta insignificante, mas que ainda assim guarda tudo o que amamos.<br /><br /><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgukp1x8nKHTxKtvYsru1YVn16Bjkw1jJ1VuEwFpvt7LjpG561t9wTpoy3SbpR-EdbKCI5mWE44VbSApIVhoRFL0i6SEPSczHRwYi9K0JkkKGm_MxCvWXC9JJdg2LrVlxPNcdNsSr7p3vKg/s1600/todaaverdade.jpg"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 240px; DISPLAY: block; HEIGHT: 320px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5690506373171650786" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgukp1x8nKHTxKtvYsru1YVn16Bjkw1jJ1VuEwFpvt7LjpG561t9wTpoy3SbpR-EdbKCI5mWE44VbSApIVhoRFL0i6SEPSczHRwYi9K0JkkKGm_MxCvWXC9JJdg2LrVlxPNcdNsSr7p3vKg/s320/todaaverdade.jpg" /></a>Sonia Coutinhohttp://www.blogger.com/profile/04190922525509515505noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-3739029828434107185.post-45687034002262253432011-12-26T10:17:00.000-08:002011-12-26T10:25:22.786-08:00ELLA, PRESENTE DE JOÃO UBALDO<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh4W4GUzGZTLsDFzKEqVXEDjRTL6fJCQw8IGVI6euub0Lt1AthPRcZ-hhaG5Yezd4evcwmybpCVZ8lDN96AtThyphenhyphenP8XkhUc2ws8jtlo0y69oTz7aB6TCosPvgvbT8mEk3vaUrHAetPZjHteP/s1600/ellafitzgerald.jpg"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 320px; DISPLAY: block; HEIGHT: 230px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5690504226776216066" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh4W4GUzGZTLsDFzKEqVXEDjRTL6fJCQw8IGVI6euub0Lt1AthPRcZ-hhaG5Yezd4evcwmybpCVZ8lDN96AtThyphenhyphenP8XkhUc2ws8jtlo0y69oTz7aB6TCosPvgvbT8mEk3vaUrHAetPZjHteP/s320/ellafitzgerald.jpg" /></a><br /><br /><div>Ubaldo lembrou que ouvimos essa música ainda em Salvador. E me mandou por e-mail...</div><br /><iframe height="360" src="http://www.youtube.com/embed/-65ze5P9wGI?rel=0" frameborder="0" width="480"></iframe>Sonia Coutinhohttp://www.blogger.com/profile/04190922525509515505noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-3739029828434107185.post-17758431194081861822011-12-26T10:13:00.000-08:002011-12-26T10:16:56.279-08:00UM CONTO DE ELIAS FAJARDO<span style="font-size:78%;">Tela de Neo Rauch</span><br /><br /><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh8bwKjRn3c-Ryi-KmszxH9_Sdpj3z79WXL3ymuMTbXOvoCPKWU6KkkGGFPGdBy6wHsRAkMTTZ6jMfvR0V3iyzCD5pSnG3QCDp9d1Vbw70Icfi6FOAeclh1wnW66tzA24YZ6CMbZpvPcs6k/s1600/neorauchelias.jpg"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 300px; DISPLAY: block; HEIGHT: 300px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5690502328703347474" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh8bwKjRn3c-Ryi-KmszxH9_Sdpj3z79WXL3ymuMTbXOvoCPKWU6KkkGGFPGdBy6wHsRAkMTTZ6jMfvR0V3iyzCD5pSnG3QCDp9d1Vbw70Icfi6FOAeclh1wnW66tzA24YZ6CMbZpvPcs6k/s320/neorauchelias.jpg" /></a><br /><strong>O encontro</strong><br /><br />Nem sei se estou morta ou viva, dormindo ou acordada, parece que vou pra um lugar encantado. Me sinto assim quando na cama com ele. Estou falando de um cara muito especial, o Carlos, que sabe tirar leite das pedras, se é que você me entende. Mas quando faço amor com ele penso em outros (e outras) e isso aumenta a excitação e a sensação de me sentir traindo, sei lá, e ao mesmo tempo preservando um terreno só meu, que ninguém pode alcançar. Toda vez que vou pra cama carrego tudo que já fiz e imaginei fazer nela. Em cada beijo, todos os beijos. E assim por diante, se é que você está me entendendo.<br /><br />Onde eu estava com a cabeça quando fiz aquilo?, pergunta-se Rubem. Nem dá pra dizer como foi. Todos os começos a gente devia escrever num diário ou apenas no diário imaginário da fantasia. Não registro nada, por medo de que alguém descubra, e também por achar que nada do que possa registrar vai ser tão intenso (ou bem escrito) quanto o que vivi. Não sou nada, ou melhor, sou 39, 42 ou 25, dependendo da ocasião.<br /><br />Profissionalmente, sou uma mulher meio realizada. Meio porque sempre que me empolgo, minha amiga Mara me diz: “Menos, Norma, menos.”<br />Dou aulas de português e literatura. Tem horas que acho isso o máximo: mostrar pra rapaziada o conto “O espelho”, de Machado de Assis, e dizer que ele “ se desenvolve em torno de uma teoria da alma que supõe um ceticismo radical frente à constituição imaginária e alienada do eu, suportada pelo vazio e reposta pelo comércio especular das aparências.”<br /><br /><br />A amizade pra mim é algo muito precioso, mais valorizado até do que o amor. Parece que quase todos os homossexuais pensam assim, mas será que sou mesmo um homossexual? Já fiz com mulher, homem, gente grande, coroa, criança, bichos. Sou como todo mundo é, só que não confessa. Nem admite. Eu mesmo não admito, se me disserem ou me cobrarem a minha vida pregressa, nego tudo que acabei de fazer indagorinha e que me deu muito prazer. Ou não.<br /><br />Imagina, tou brincando. Você acha que uma mulher como eu, professora do segundo grau do município, enfrentando uma rapaziada que não quer nada com nada, vai falar difícil em sala de aula? Começo sempre do início: digo a um bando de mais de trinta moços e moças desinformados, mal nutridos, desinteressados, quem foi Machado de Assis, porque o que ele escreveu nos interessa e assim por diante. Tento ser como o elefante do Carlos Drummond de Andrade: toda manhã juntar os cacos e recomeçar.<br />Tudo bem, a profissão não é nada. O mais complicado é a vida amorosa, ainda mais agora que a minha melhor amiga me confessou...<br />péra aí... xii, tocou o telefone. Depois continuo.<br /><br />Estou aqui tentando me entender comigo mesmo, não sei se isto é um diário, uma confissão ao gravador, ao computador: o que interessa é rasgar o véu da fantasia. E já que me rasguei todo, vou ser mais claro: o sexo não é só carnal, são sentimentos, idéias, desejos trocados e desencadeados. Tenho muitos amigos e um namorado, mas não sei o quê nem a quem quero, a quem entrego meus melhores pedaços. Estou só como uma pedra.<br /><br />A janela deixa entrever uns telhados, a Igreja da Glória se espreguiça entre a neblina que cobre parte do morro. Vento frio e sol quente de inverno brincam de entrar e sair no apartamento de Norma. “Não sei se vou à praia ou se pego um cinema. Vou ligar pra Mara e dizer que não quero mais saber desta triangulação, deste ménage à trois mal resolvido, não sou mulher de deixar pra amanhã o que posso fazer hoje. Ou sou?”<br /><br />Rubem chega à janela do seu apartamento no centro de Juiz de Fora a tempo de ver os últimos raios do sol se pondo atrás dos edifícios, uma revoada de pombos, freadas no asfalto. O carrilhão da igreja badala as seis da tarde.<br />Espanto, sombras,<br />ângulos agudos, crepúsculo.<br />Rubem garante a si mesmo que não provocou, apenas foi um participante. O namorado nos braços de outro, e com o seu consentimento. A gente sempre fantasia, imagina mil detalhes, mas quando acontece parece que nem foi real: mais uma cilada da imaginação desenfreada. Não era bem isso que ele estava pensando em curtir. Nem eu.<br /><br />Mara entra na casa de Norma: uma lufada de vento, um pequeno furacão de cabelos ruivos e fala solta. Amigas do peito e de dividir tudo. Até o namorado, pensa Norma, desconsolada. Carlos até que gostou da brincadeira, mas ela, mesmo, não sei. Quanto mais moderna e contemporânea a gente se torna, mais conservadora por dentro. Quem diria que eu pudesse me chamar assim. Estou mexida, desarvorada, ora, isso não passa de um ataque de ciúmes bobo, adolescente.<br /><br />“todos os temas<br />um tema:<br />o tempo”<br />escreve Rubem no seu lap-top, assim mesmo sem maiúsculas, uma tentativa de hai-kai.<br /><br />Norma: “Você fica aí andando de um lado pro outro, porque não atende o telefone?”<br />Carlos: “Ué, mas o telefone não tocou”.<br />Norma: “Não tocou porque eu ainda não liguei, ora”<br />Estava tudo tão bom, nós dois no maior amor, escrevendo com pilot no banco do parque: “Norma e Carlos”, e agora é como se me tivessem tirado o tapete debaixo dos pés. Tenho de culpar alguém, talvez eu mesma, com todo meu liberalismo de butique, mania de achar que posso tudo. Não posso porra nenhuma! E dá uma vontade danada de implicar com o Carlos, criar caso por conta de pequenas coisas.<br /><br />O mais difícil não é o que fazer, mas o que não fazer. Se temos uma relação boa, de confiança recíproca e intensa sexualmente, qual o problema se alguém se mete na nossa cama, de repente? As relações abertas, ainda que fugazes, iluminam a mesmice da vida. Mas não é tão simples. Ando cansado do sexo fortuito, todo mundo faz com todo mundo, quero alguém pra chamar de meu. Mas como, se, mesmo numa cidade conservadora como esta, ninguém é de ninguém?<br />As pessoas tremem de frio, enfiam as mãos nos bolsos do casaco, uma lufada de inverno percorre a rua Halfed. Bancos, loterias, lojas de móveis e eletrodomésticos, lojas de CD com ruído de duplas romântico-sertanejas. E um coração solitário que olha pela janela do quinto andar.<br /><br />Vou dizer pra ela que não quero dividir meu homem. Carlos é meu, e ninguém tasca. Esta coisa sueca de partilhar namorado não combina com meu temperamento latino. Mas não quero ferir Mara, minha amiga, minha amada companheira.<br />Norma: Mara, toma mais uma cerveja, minha linda, depois descemos pra comprar mais.<br />Mara: Menos, amiga, menos. Assim a gente não consegue estudar pro concurso.<br /><br />Na academia de ginástica, no meu primeiro dia! Putzgrila, eu tinha que fazer merda! Olhei demais prum coroa que não era nem essas coisas e ele me encarou feio: “Tás querendo o quê, meu! Pára de olhar pro meu pinto.” A ducha fria gelou o peito de Rubem.<br />Não preciso disso, tenho namorado, mulheres com que transo de vez em quando, pra que ficar nessa fissura? Não quero agir como bicha vagabunda, posso ser expulso da academia!<br />Eu queria deitar na cama e escolher uma palavra pra ficar repetindo, repetindo até que o som se descole do sentido e tudo pareça um outro universo, diferente desse onde só faço dar com os burros n’água.<br />Rastros de conversa na esquina.<br />Tique taque do relógio na noite.<br />O canto do canário ilumina a madrugada.<br />Carlos toma um valium e tenta dormir.<br /><br />“Se é que você está me entendendo, eu não quero ser palmatória do mundo.”<br />“Mas Norma, o que é palmatória?” pergunta Mara, meio falsa, meio a sério.<br />“Palmatória é uma coisa que nas escolas de antigamente, as professoras usavam pra dar porrada nas mãos dos alunos!”, e Norma dá umas palmadas na bunda da amiga que morre de rir.<br /><br />João chega em casa com a pulga atrás da orelha. Sente que o outro o olha de banda, mas não dá o braço a torcer. O bom cabrito não berra.<br />“Vamos ao cinema, Rubem?” Está passando um filme com o Leonardo de Caprio.”<br />Um Rubem de olhos lânguidos o enlaça apaixonadamente: “Se ele soubesse quanta doideira se esconde aqui nesta cabecinha...” E emenda: “Vamos sim, cara, tem uma sessão daqui a pouco.”<br /><br />Norma com uma sensação de dor de corno, e ao mesmo tempo percebendo um certo encanto no que aconteceu. Os três estavam bebendo na Lapa e, aos poucos, foram se soltando. Lembrou-se do Peter O’Toole que dizia ser bonito dependendo do ângulo de luz. Carlos é assim também: um sujeito que fotografa bem, comprido, anguloso, esguio como bambu ao vento, com uma cara marcada de espinhas mal curadas. E Mara também estava especialmente bela, com um colar vagabundo de contas de madeira comprado no camelô, batom carmim nos lábios grossos, olhos cor de jabuticaba sem pintura. O que a gente leva da vida é a vida que a gente leva, pensa Norma, e não consegue mais parar de rir. Vamos esticar lá em casa, propôs Carlos, e os três vão andando tropegamente para o apartamento na rua Riachuelo, oitavo andar, uma única janela que se abre para os telhados vizinhos e um visual de final do século XIX, uma torneira pingando e a pia da cozinha cheia de louça suja.<br /><br />João acorda tonto. Bebeu demais no bar Marraquech, não segurou as pontas de duas caipirinhas e ainda pediu uma terceira. Depois deu um bolo em Rubem, deixou o amigo esperando sem dar notícias e se enfurnou em casa, disposto a dormir, mas sem conseguir. Aos poucos vai relaxando, a relação com Rubem o incomoda. João ainda não desistiu de ser hetero e sonha com namoradas para dar uma satisfação a si mesmo, à família e à sociedade.<br />Melhor tentar dormir do que encarar a noite de Juiz de Fora, tão desanimada quanto um final de festa. Uma sensação boa vai invadindo João: imagina que, por dentro de suas têmporas, estão presos dois elefantes, um de cada lado da cabeça. Os elefantes vão empurrando a pele e os ossos com as trombas, e o crânio vai se distendendo; o cérebro vai sendo penetrado pela água limpa do regato que lhe irriga também as veias intumescidas e o couro cabeludo já um pouco sem cabelos. Imagina as mandíbulas presas ao resto da cabeça por dois parafusos que ele vai afrouxando, desenroscando, então o queixo cai, a garganta se solta, uma baba escorre pelo canto da boca.<br /><br />Mara detesta que lhe acariciem as costas. Sente cócegas, irritação, sei lá. Mas adora que lhe passem a mão na frente. E por aí vai. Norma já nem sabe de quem é a mão que lhe percorre os seios. Os três juntos numa cama estreita pra tanto corpo, santíssima trindade da sacanagem e do tesão. Carlos vem por cima, mas não se importa de ficar por baixo. Norma prefere o meio, vira sanduíche entre a amiga e o namorado. Risos, beijos, chupões, pernas e braços entrelaçados entre um gole e outro de cerveja. Mulher fazendo papel de homem e homem de mulher, Carlos sendo penetrado pelos dedos das duas e Mara sendo enrabada pela amiga. Todos os gatos (e gatas) são pardos na imprecisa madrugada. Quem gozou, gozou, quem não gozou, gozasse. Bocas, sexos, coxas, suspiros. E um sono reparador.<br /><br />João acorda lembrando de um episódio que preferia esquecer. Estavam ele, um amigo, uma garota, uma garrafa de cachaça e vários baseados num wolks, numa estrada vicinal. Conversa vai, conversa vem, mais um trago, mais um tapa, mais um aperto escondido. Carícias de homem se confundem com as de mulher, uma desconfiança percorre cada um dos participantes. A moça quer que lhe dêem logo o dinheiro que combinaram antes de avançar mais, o amigo quer João, mas acha que deseja a garota, e ele, João, quer apenas dar mais uma bicada na cachaça para ver se acha algum sentido num programa tão insensato. As sombras das árvores atravessam a estrada, são longos dedos negros que se movem, surgem e desaparecem. Uma coruja brilha seus olhos diante dos faróis, morcegos cruzam a luz emitida pelo carro, mais um aperto, risos nervosos, nenhum dos três parece se divertir com a situação, mas é preciso mostrar que estão a fim, ninguém quer desistir primeiro. João arrisca um beijo no amigo, que foge com a boca, finge nojo. A moça ri a bandeiras despregadas, desprende o fecho do sutiã e deixa sair os peitos meio murchos, que João acaricia. O amigo também quer ver mais de perto e tira as mãos do volante. O carro começa a balançar, o amigo não vê a curva, não faz a curva e o carro entra pasto a dentro, mergulha no rio. João, o único que sabe nadar, sobrevive e vai embora sem socorrer o amigo e a garota.<br /><br />Mara, Carlos e Norma acordam com gosto de cabo de guarda chuva na boca. Quero ir-me embora desta cama, desta situação o mais rápido possível, se é que vocês estão me entendendo! exclama Norma, tentando vestir a saia. Carlos está feliz, sente-se dono de um harém, quer mais sexo, mais carícias, dormir abraçadinho. E Mara não quer nada, não sabe se ri ou chora. Nos metemos numa canoa furada, eu pelo menos estou me sentindo cheia de furos, de desacertos, não gostei nada, e não vou me fingir de moderninha dizendo que foi bom, diz Norma, olhando de cara a decepção refletida nos olhos dos dois parceiros. Um sol quente de manhã entra pela janela, a empregada da vizinha liga o rádio alto, na rua lá embaixo um alto-falante oferece pamonha quentinha. Agora não adianta moralizar, pondera Carlos, o que está feito está feito, o que não tem remédio remediado está. Mara acende um cigarro, não diz o que sente nem o que deixou de sentir. A fumaça envolve três cabeças descabeçadas em cima de uma cama desarrumada.<br /><br />João desconfia que foi por causa do desastre de carro que ele aceitou, sem resistência, fazer sexo a três com Rubem e um desconhecido que eles pegaram na rodoviária. O cara, cabreiro, não queria ir, mas Rubem o convenceu com uma boa conversa e alguns reais a mais. E foram os três pro apartamento de Rubem com um certo entusiasmo inicial, mas que, depois da primeira cerveja, desandou. Mãos, pernas e bocas se tocam e se desencontram. Rubem tenta descontrair botando um cd de jazz mas não houve jeito. O sujeito sai porta afora feito cachorro que quebrou o pote, mergulha na neblina do inverno mineiro enquanto Rubem e João olham pra cara um do outro.<br /><br />Não agüento mais esta história, vou passar uns dias no interior, resolve Norma. E pega um ônibus para Juiz de Fora, onde vai se hospedar na casa de uma prima. O ônibus corre pela BR e as cenas se misturam na cabeça de Norma. Nós três na cama foi ótimo, nunca tinha tido tanto prazer, meu namorado e minha amiga, os seres que mais amo entrando e saindo de mim. E porque não? Se eu não fosse tão culpada ia achar é bom, querer mais. O ônibus acelera. Norma e a paisagem fora e dentro de si mesma. As árvores, o rio, a montanha cheia de lanhos e água escorrendo depois da chuva. E ela, cheia de sentidos e sentimentos, perdida e achada, desencontrada, mas feliz. Liga pra Carlos pra dizer tudo isso, mas o celular dele está fora de área.<br /><br />Rubem e João se encontram na rodoviária de Juiz de Fora. Vão esperar um amigo que vai chegar do Rio de Janeiro. Os dois andam ressabiados, mal se olham, poucas palavras e silêncios longos. Muita gente saindo do ônibus e eles não encontram o tal amigo. Norma tenta sair do ônibus, pra que pressa, meu Deus, eu vim descansar, desce a escada e a mala despenca de suas mãos e vai cair no pé de João, que disfarça a dor e dá um sorriso amigável pra morena:<br />“Não tem problema, moça, sua mala está em boas mãos”. João, Rubem e Norma saem conversando: nunca se viram antes, mas parecem velhos amigos. Rubem empurra a mala de rodinha de Norma e os três tomam um táxi para a rua Halfed.Sonia Coutinhohttp://www.blogger.com/profile/04190922525509515505noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3739029828434107185.post-1139766851085079972011-12-26T10:09:00.000-08:002011-12-26T10:13:22.416-08:00POEMA DE FERNANDO DA ROCHA PERES<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjtece8OJTUfow-ssRuc3NVdzjTfYex_Wbfn-cHyW7_hVfX0JNLvDhctsPGKOzzjYbxbZtX22E_gyuh-dPNNglVWlAyQhUEfnLDAdzsURbcYbF1iARArzfRl9ikDMlNSTwfI73vL_HtGAjH/s1600/CORUJASFERNAN.jpg"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 320px; DISPLAY: block; HEIGHT: 210px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5690501509705850114" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjtece8OJTUfow-ssRuc3NVdzjTfYex_Wbfn-cHyW7_hVfX0JNLvDhctsPGKOzzjYbxbZtX22E_gyuh-dPNNglVWlAyQhUEfnLDAdzsURbcYbF1iARArzfRl9ikDMlNSTwfI73vL_HtGAjH/s320/CORUJASFERNAN.jpg" /></a><br /><strong>VISAGEM</strong><br /><br />Amo os objetos<br />os mais simples,<br />toscos e velhos,<br />inusitados sempre.<br />Uma calçadeira.<br />Um maçarico.<br />Uma cadeira de barbeiro, e tudo<br />de madeira ou ferro.<br />As coisas úteis<br />que o tempo estagnou<br />carregam lembranças.<br />Todos, na penumbra,<br />destilam uma poeira<br />interior e ensinam<br />que a vida permanece<br />no tateio do usado,<br />de uma natureza outra.<br />Os objetos nos espreitam<br />como se fossem corujas<br />dentro de casa.Sonia Coutinhohttp://www.blogger.com/profile/04190922525509515505noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3739029828434107185.post-71640870075611597592011-12-26T09:54:00.000-08:002011-12-26T10:08:47.594-08:00A ESCRITA COMO NECESSIDADE DE VIDA<strong>Entrevista de Sonia Coutinho a Lima Trindade</strong><br /><br /><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgPECTUwUICfPthCOOQOrwgYTEDPzOfa2PF8mFHDbZBFPrP3DO3me85JkfyfwomrQoo9SEW9wYRXp6NcHbyf7hrChUHfGvQcM_5lmFCX8CmIHT2wTsdFKLO7SqzHTB1LI-CLGbvxUf8qgt7/s1600/fotosonia.jpg"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 282px; DISPLAY: block; HEIGHT: 320px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5690499683493331250" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgPECTUwUICfPthCOOQOrwgYTEDPzOfa2PF8mFHDbZBFPrP3DO3me85JkfyfwomrQoo9SEW9wYRXp6NcHbyf7hrChUHfGvQcM_5lmFCX8CmIHT2wTsdFKLO7SqzHTB1LI-CLGbvxUf8qgt7/s320/fotosonia.jpg" /></a><br /><br />Sonia Coutinho nasceu em Itabuna-BA. Aos oito anos passou a viver em Salvador e, em 1968, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde se tornou jornalista, tradutora e escritora. Traduziu cerca de cem livros. É uma das mais importantes escritoras brasileiras em atividade. Conquistou o Jabuti por duas vezes, o Status, para literatura erótica, e, pela Biblioteca Nacional, o Prêmio Clarice Lispector de contos. Participou de diversas antologias no Brasil e no exterior e teve quase toda a sua obra reeditada pela 7Letras.<br /><br /><strong>Lima Trindade</strong>: Como se deu sua aproximação com a literatura, quais os primeiros livros que leu? Gostaria que falasse um pouco de sua formação como escritora. Você cresceu num ambiente de leitura e estímulo ao pensamento?<br /><br /><strong>Sonia Coutinho</strong>: Meu pai era um intelectual. Formado em Direito, tornou-se político e foi eleito deputado estadual em três legislaturas. Escrevia poesias e traduziu poemas, por exemplo, de Baudelaire. Tínhamos muitos livros em casa e bons livros. Desde muito pequena eu adorava ler e pulei das histórias de fadas para os livros adultos do meu pai. Lembro de ter lido, ainda menina, os contos completos de Guy de Maupassant e um livro de contos de Katherine Mansfield, que amei: “Felicidade”. Meu irmão também é um intelectual, embora não da área de literatura e sim de ciência política. Meus primeiros contos foram as redações de português, na escola. Os professores me encorajavam muito. Mas, fora desse belo quadro que acabei de traçar, não posso dizer que tenha recebido estímulo para me tornar uma escritora. Sofri uma grande pressão, por parte da família, para não abandonar os modelos estabelecidos. Houve muitos e dolorosos conflitos. Mesmo assim, continuei e continuo escrevendo. O jornalismo e a tradução, minhas duas atividades profissionais, acho que foram muito importantes em minha formação de escritora. Também, com certeza, as viagens que tive a oportunidade de fazer e o grande número de pessoas do meio literário e artístico com as quais entrei em contato, nesse percurso. O lado pior para a literatura, em tudo isso, é que nunca tive o tempo necessário e ainda não tenho, para me dedicar detidamente a ela ou a outras atividades artísticas que me dão prazer. Mesmo a esta altura, preciso continuar traduzindo para sobreviver.<br /><br /><strong>LT</strong>: A mudança para o Rio de Janeiro, em função do contato com editores e escritores, favoreceu sua carreira literária, deu-lhe maior visibilidade? Considera que possa ter causado também algum tipo de perda no plano artístico?<br /><br /><strong>SC</strong>: Não vim para o Rio apenas em função desses contatos que você menciona. Na Salvador dos anos 60, eu vivia uma situação pessoal que sentia como sufocante e limitadora, em vários planos. Vir para o Rio e fazer jornalismo na grande imprensa foi uma experiência muito enriquecedora para mim. Alarguei minhas fronteiras humanas. Claro que o Rio também foi duro, sob vários aspectos. Mas acho que não havia outra saída e que o saldo foi positivo. Hoje, tudo mudou e não sei se uma atitude como a que tomei seria ainda necessária. Talvez já seja possível ficar aí (Salvador) numa boa, sem diferença nenhuma. Com relação à literatura, acho que, se minha vida se alargou, o mesmo deve ter acontecido com meus escritos. E estando no Rio, mais perto da imprensa dita “nacional”, claro que tive mais visibilidade.<br /><br /><strong>LT</strong>: Enxerga diferenças no lugar que mulher e homem ocupam dentro da literatura brasileira? A crítica especializada guarda algum tipo de preconceito, velado ou explícito?<br /><br /><strong>SC</strong>: Não creio que, quando um resenhista escreve sobre um livro de autor que ele não conhece, faça alguma diferença se é homem ou mulher. Mas ainda vejo, sim, uma diferença na questão do reconhecimento, da validação final do trabalho. É mais fácil para um homem ser reconhecido do que para uma mulher. Você constata isso comparando, por exemplo, a diferença de número entre escritores dos dois sexos que ocupam cadeiras na Academia Brasileira de Letras. As mulheres entraram, mas são comparativamente poucas. Em eventos literários importantes, sempre são convidados muito mais autores homens. O número de escritores homens que aparecem na mídia é bem maior, embora muitas mulheres estejam escrevendo e publicando. E vai por aí. Poucas escritoras conseguem entrar no panteão dos Grandes, no Brasil. Ou em toda parte...<br /><br /><strong>Kátia Borges</strong>: A Bahia aparece em seu romance “Atire em Sofia” como um lugar sombrio, uma Salvador sem nome, mas com as características da cidade. Por que essa espécie de sublimação?<br /><br /><strong>SC</strong>: Embora eu guarde uma grande nostalgia de Salvador, a ponto de nunca ter me afastado inteiramente da cidade, foi aí que tive as experiências mais duras da minha vida. Fiz mais de vinte anos de análise para tentar descartar esses traumas e não sei se consegui inteiramente. A cidade que aparece no “Atire em Sofia” tem mais a ver com essas experiências pessoais profundas do que com qualquer cidade real, embora apresente características de Salvador. Talvez por isso eu não dê nome a esse lugar sombrio, cheio de aparições e assombrações e onde acontece um crime...<br /><br /><strong>LT</strong>: Sua produção de livros de contos e romances é muito equilibrada. Tem alguma definição pessoal para o conto? O que busca hoje num romance, seja seu ou de outro escritor?<br /><br /><strong>SC</strong>: No momento, estou sem nenhum projeto de escrever um romance. Há muito tempo escrevo apenas contos e não com a frequência que desejaria. Talvez porque, de dez anos para cá, tenha enfrentado novos problemas que interferiram com minha criação literária. Está difícil realizar projetos que exijam mais planejamento, mais horas de computador, como é o caso de um romance. Quanto à segunda parte da sua pergunta, não tenho uma “definição” para o conto. Poderia falar em tendências que tenho observado. Nos últimos anos, apareceram cada vez mais os contos curtos. E “contar uma história”, no sentido convencional, saiu de cena por completo, a não ser como um jogo. Vejo também, no conto hoje, uma descrença total no “realismo”, digamos assim. O autor fala diretamente com o leitor, os personagens tiram suas máscaras. Num romance de outro autor, não busco nada específico, a não ser, talvez, que ele alargue, de alguma forma, minha percepção da vida... Quanto aos meus romances, nunca tive expectativa prévia. Nasceram ao sabor do que ocupava minha cabeça.<br /><br /><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjfyKa40fB0xPRsX-hZiGAdNP_2unAvuOfDWmY371SviA5wOWep-TYsDJ_xrg65sDpDufosBW7vcisj9UVB1axmMme85u_90E6Dl3AcUQSLBkDcrcyg3G4-O50SeSFtQOqpYNBSik2pPWcx/s1600/fotosoniasidarta.jpg"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 220px; DISPLAY: block; HEIGHT: 210px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5690499985914074882" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjfyKa40fB0xPRsX-hZiGAdNP_2unAvuOfDWmY371SviA5wOWep-TYsDJ_xrg65sDpDufosBW7vcisj9UVB1axmMme85u_90E6Dl3AcUQSLBkDcrcyg3G4-O50SeSFtQOqpYNBSik2pPWcx/s320/fotosoniasidarta.jpg" /></a><br /><br /><strong>Mayrant Gallo</strong>: Qual o seu livro que você mais aprecia? Qual o seu conto que você considera perfeito? E por quê?<br /><br /><strong>SC</strong>: Escrever literatura sempre foi para mim uma atividade penosa, embora também “salvadora”. Escrevo por uma forte necessidade interior, mas não diria que “por prazer”. Não “lambo a cria”, como se diz. Assim, fica complicado dizer que livro meu mais aprecio. E não considero “perfeito” nenhum conto meu. Essa idéia de perfeição nem me passa pela cabeça. O que quero é botar para fora algo que está dentro de mim, pedindo para sair – e completar o processo, o que nem sempre acontece. Muita coisa fica pela metade, inacabada.<br /><br /><strong>MG</strong>: Como monta seus personagens? De modelos da vida real ou de modelos imaginados?<br /><br /><strong>SC</strong>: Minha literatura sempre esteve bem próxima da vida, nunca foi uma coisa “de gabinete”. Parto de uma experiência vivida, de um episódio de que participei, ou de uma pessoa de verdade que, de alguma maneira, me impressionou. Mas tudo é transformado e, no final, ficam apenas fiapos do que vi ou vivi. O problema é que as pessoas encontram esses indícios e acham que tive, integralmente, experiências que nunca aconteceram.<br /><br /><strong>MG</strong>: Você escreveu “Rainhas do crime”, o que nos leva a crer que é uma leitora do gênero policial. Como explica o fato de que, no Brasil, o gênero policial que, pelo mundo, gerou grandes livros, como “O longo adeus”, ou “Santuário”, seja ainda considerado subliteratura?<br /><br /><strong>SC</strong>: Não vejo pessoas considerando o policial subliteratura, pelo menos no meio em que transito. O que se pensa do policial é que se trata de um gênero específico. Quanto a mim, embora simpatize com o gênero, nunca fui, na verdade, grande leitora de policiais, salvo durante os três anos em que preparei uma pequena dissertação de mestrado que foi publicada com o título “Rainhas do crime”. O que me levou ao policial foi mais a questão da autoria feminina. Não havia escritoras policiais entre nós, quando escrevi a dissertação, salvo Maria Alice Barroso, autora de “Quem matou Pacífico?”, na verdade mais um romance regionalista. Nesse período, anos 80-90, começou a surgir, nos Estados Unidos, o chamado “romance policial feminista”, criado, entre outras autoras, por Sara Paretski, de quem traduzi três romances. Paretski põe em cena uma detetive mulher, Warshawski, bem diferente da Miss Marple da Agatha Christie. Warshawski traz a imagem da mulher sozinha na metrópole, da mulher que trabalha e se sustenta, uma figura que começava a se impor no Brasil. Isso me interessou e então propus, na Escola de Comunicação da UFRJ, fazer minha dissertação sobre autoria feminina no policial. Por outro lado, naqueles anos 90, havia um grande interesse pelo policial entre nós. O autor mais cultuado era Rubem Fonseca, que justamente aboliu a fronteira entre literatura “culta” e “de massa”, escrevendo romances “eruditos” com fortes elementos do policial. Depois da pesquisa para o “Rainhas do crime”, escrevi um romance que é quase um policial, “Os seios de Pandora”. Criei uma repórter que funciona como detetive, Dora Diamante. Em seguida, por uma série de fatores, eu me desinteressei do policial e hoje não leio quase nenhum. Mas respeito o gênero.<br /><br /><strong>KB</strong>: O que acha de alguns críticos, que afirmam que o romance acabou?<br /><br /><strong>SC</strong>: Confesso que não gosto muito de ler crítica literária. Sempre senti que aprendo muito mais lendo o que os outros escritores escrevem. Mas gosto de ler ensaios sobre arte contemporânea. E lembro que um estudioso de arte, Arthur Danto, já falou, há alguns anos, no fim da arte... Mas a arte continua a ser feita e os romances continuam a aparecer aos montões nas livrarias.<br /><br /><strong>KB</strong>: Como é sua relação com a literatura feita hoje em Salvador? Sente-se em “obrigação” com a produção de sua terra, a exemplo de vários autores que se tornam espécie de embaixadores, ou esta é uma visão provinciana e que a incomoda?<br /><br /><strong>SC</strong>: Não acho que é visão provinciana, mas não tenho poder para me tornar “embaixadora” de alguma coisa. O máximo que consigo, enfrentando muitas dificuldades, é tocar adiante minhas coisas. Sinto, no entanto, uma simpatia natural pela literatura feita na Bahia. Tenho sempre vontade de me tornar amiga dos escritores baianos. Afinal, continuo sendo uma escritora baiana.<br /><br /><strong>KB</strong>: Você atua também como tradutora. Quais os maiores desafios que enfrentou?<br /><br /><strong>SC</strong>: Sou tradutora profissional, traduzo porque preciso ganhar dinheiro. Então, vou cumprindo as tarefas que as editoras me passam, os desafios têm sempre de ser vencidos. Não posso pensar em traduzir nesses termos de “desafio”. Mas diria que não existe tradução fácil. Todas desafiam, têm problemas, exigem pesquisas, consultas a dicionários, à internet.<br /><br /><strong>LT</strong>: O surgimento da net, em sua opinião, estimula a formação de novos leitores? A experiência como blogueira tem sido positiva? Contribui para a aproximação entre escritor e leitor?<br /><br /><strong>SC</strong>: Sim, acho que a net estimula a formação de novos leitores e, mais ainda, o surgimento de novos escritores. Cada um pode ter seu blog e escrever – e muita gente está fazendo isso. Faço o Sidarta há quase dez anos, com interrupções, e gosto imensamente. Entro em contato com grande número de pessoas interessadas no que ponho em meu jornal eletrônico. E acredito que muita gente procurou meus livros depois de ler meu blog.<br /><br /><strong>LT</strong>: A conquista de dois prêmios Jabuti ajudou a consolidar seu nome? Acha que sua obra obteve o reconhecimento que merecia?<br /><br /><br /><strong>SC</strong>: Ter ganho dois Jabutis com certeza me ajudou a me firmar como escritora, mas o grande público toma pouco conhecimento disso. Também ajudou, embora fosse pouco divulgado, ganhar o Prêmio Clarice Lispector de Conto da Biblioteca Nacional, com “Ovelha negra e amiga loura,” de 2006. Quanto a reconhecimento, pergunto: o que é isso? Se me responderem que ser reconhecido é ganhar bastante dinheiro, obter larga simpatia e muitas amizades, direi que não tenho o reconhecimento que desejava. Queria muito mais, não importa se mereço ou não...<br /><br /><strong>LT</strong>: Existe algum segredo para manter vivo o interesse pela escrita, após tantos livros publicados?<br /><br /><strong>SC</strong>: Literatura para mim é vida. Manter aceso o interesse pela escrita corresponde a manter aceso o interesse pela vida. E não acho que eu tenha tantos livros publicados, não. Poderia ter escrito muito mais e muito melhor, se tivesse conseguido mais tempo livre e mais apoio.<br /><br /><br />Esta entrevista foi postada originalmente na revista eletrônica Verbo 21, de Lima Trindade, e teve a participação de outros intelectuais baianos, como entrevistadores.Sonia Coutinhohttp://www.blogger.com/profile/04190922525509515505noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-3739029828434107185.post-37105673019837017662011-10-21T12:04:00.000-07:002011-10-21T12:27:31.761-07:00TODA A VERDADE SOBRE A TIA DE LÚCIA<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh-sUkA7w7eZ87SG17R4MfYiQqOqMjGEcpNvyCvN3U-fPgB95x69XaL2_TicZWilWvARtmWHMSiOaWD4Nu3y2Y-SekShFKWLIYaIC-ayoXbumJc9syZ9sYRIjC-CQIF0IY4axjz7WHE-rWL/s1600/P1011166.JPG"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 240px; DISPLAY: block; HEIGHT: 320px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5666028004015262770" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh-sUkA7w7eZ87SG17R4MfYiQqOqMjGEcpNvyCvN3U-fPgB95x69XaL2_TicZWilWvARtmWHMSiOaWD4Nu3y2Y-SekShFKWLIYaIC-ayoXbumJc9syZ9sYRIjC-CQIF0IY4axjz7WHE-rWL/s320/P1011166.JPG" /></a><br /><br /><div>Vocês estão convidados para o lançamento do meu novo livro de contos, "Toda a verdade sobre a tia de Lúcia", que acabei de receber - e achei lindo...Estou aqui "lambendo a cria"...<br />"Toda a verdade" será lançado no dia 25 deste mês de outubro, na Livraria da Travessa do Shopping Leblon, a partir das 19 horas, num evento coletivo da 7 Letras em que também será lançado o número dois da revista Lado7 e alguns outros livros de autores da editora. Aí está o convite.<br /></div><br /><br /><div></div><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjrYF7WL-96EavhyphenhyphenEjTKT0IY75XYjWRL5b6AU-3VUfYEcHaIjZf-RAbo9b-Ji2_rDaYsKsDt1I3EAsTUhcFCKXsN7TFcmAQQcuGUopvLuoc_uf3S7Rm9SXd9av2a5AiGhfQdz_btBEb7l94/s1600/toda+a+verdade+-+convite.jpg"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 320px; DISPLAY: block; HEIGHT: 180px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5666024753518728914" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjrYF7WL-96EavhyphenhyphenEjTKT0IY75XYjWRL5b6AU-3VUfYEcHaIjZf-RAbo9b-Ji2_rDaYsKsDt1I3EAsTUhcFCKXsN7TFcmAQQcuGUopvLuoc_uf3S7Rm9SXd9av2a5AiGhfQdz_btBEb7l94/s320/toda+a+verdade+-+convite.jpg" /></a><br />Está na orelha do livro:<br /><br />"Embora guardem características que configuram o já conhecido e apreciado universo ficcional da autora, os contos deste livro trazem uma Sonia Coutinho diferente e renovada.<br />Uma das novidades é a constante presença, como personagens, de figuras das artes e da literatura, que exercem o seu fascínio. Em cena, Joseph Beuys, Van Gogh e Kasimir Maliévitch; ou Clarice Lispector e Vladimir Maiakóvski, entre outros.<br />Já a extensão dos contos ganha aqui flexibilidade. Há alguns longos mas, entre eles, surgem os que se estendem por apenas duas ou três linhas. Muito curtos, mas poderosos, com seu mistério inquietante.<br />É a nova microficção de Sonia Coutinho, às vezes escrita diretamente nas redes sociais da internet, e que ela publica pela primeira vez.<br />Experimental, mas de leitura fácil e atraente, “Toda a verdade sobre a tia de Lúcia” é um convite irresistível, para quem gosta de literatura. Vale a pena conferir."<br /><br /><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgnmM1bHOpg6jEAhhuHGMd9dBXIAPEvgfHsUvZYtqi8Cc54G-2XmkOAUq33jQ3-1Uy8sxjcSNBC6HUMoCnu7bk_qNeFQ-n7b0oNCLJeGmuA6ZqfeX6oL4H1kF97ORo-GYC4r22mYmhx-DPs/s1600/fotosoniasidarta.jpg"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 220px; DISPLAY: block; HEIGHT: 210px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5666024608902236130" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgnmM1bHOpg6jEAhhuHGMd9dBXIAPEvgfHsUvZYtqi8Cc54G-2XmkOAUq33jQ3-1Uy8sxjcSNBC6HUMoCnu7bk_qNeFQ-n7b0oNCLJeGmuA6ZqfeX6oL4H1kF97ORo-GYC4r22mYmhx-DPs/s320/fotosoniasidarta.jpg" /></a><br />Desculpem, gente... Fica pouco modesto eu colocar isso em meu blog... Mas, se não gostarmos de nós mesmos, quem vai gostar? Era o que dizia sempre meu analista... Então, vai a propaganda... O livro está legal mesmo, não posso mentir...Sonia Coutinhohttp://www.blogger.com/profile/04190922525509515505noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-3739029828434107185.post-53428879805061733012011-10-21T11:52:00.000-07:002011-10-21T12:03:33.420-07:00KARINA RABINOVITZCOM KARINA, A POESIA<br />TOMA AS RUAS DE SALVADOR<br />Entrevista de Karina Rabinovitz a Sonia Coutinho<br /><br /><span style="font-size:78%;">Karina </span><br /><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhfoblpfFTf5B55QicX8moz8CSPZ2LvaM0xtTsZb9ZWfKphDcsUPSd2SzUDU_UmmyLkVVteT0G8hMWBqsWxplOgw6W-88LO8O4jV5jn9brMSap73gbJDA93tLcQtcKR_NVqKfv-CHZKWIIp/s1600/karina_rabinovitz.jpg"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 320px; DISPLAY: block; HEIGHT: 302px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5666021334216887570" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhfoblpfFTf5B55QicX8moz8CSPZ2LvaM0xtTsZb9ZWfKphDcsUPSd2SzUDU_UmmyLkVVteT0G8hMWBqsWxplOgw6W-88LO8O4jV5jn9brMSap73gbJDA93tLcQtcKR_NVqKfv-CHZKWIIp/s320/karina_rabinovitz.jpg" /></a><br />As intervenções urbanas da artista e poeta Karina Rabinovitz andam mexendo com a cabeça dos baianos ainda pouco familiarizados com os procedimentos da arte contemporânea. Karina é jovem, mas já são longos os caminhos que percorreu, nas trilhas que levam da arte à poesia, ou vice-versa.<br />Sua publicação mais recente de poesia impressa na folha é o “livro do quase invisível”, que saiu em 2010 na coleção Cartas Bahianas, da editora P55.<br />Ela já havia publicado, em 2005, outro volume de poemas, “de tardinha meio azul”, pela editora infinito publicações (selo criado pela própria autora).<br />Mas, além dos livros tradicionais de poesia, Karina vem fazendo intervenções poéticas, videopoemas, intervenções urbanas, tudo em parceria com a artista visual Silvana Rezende. Seu trabalho pode ser acompanhado através do blog que ela edita, o sussurros, (www.karinarabinovitz.blogspot.com)<br />No momento, Karina está finalizando o projeto “um livro de água”, composto de poemas e videoarte. Ela dá oficinas da palavra e de vídeo na Oi Kabum – Escola de Arte e Tecnologia. E já recebeu vários prêmios.<br /><br /><strong>SONIA</strong> - Descreva sua trajetória como artista-poeta.<br /><strong>KARINA </strong>- Não sei se há um ponto de partida, não saberia dizer qual o começo. É uma trajetória de muitos flashes de perplexidade com a palavra e certamente de um amor que já estava, antes de eu saber com a consciência.<br />A partir da consciência e da organização, poderia datar o ano de 2004. Comecei a me reunir com mais 3 amigos (Marlon Marcos, Paula Janaína e Silvana Rezende) com a idéia de criar uma editora nossa independente, para produzir e lançar nossas idéias artesanalmente, a infinito publicações. Fizemos 3 encontros – os primeiros passos pro infinito... Daí minha parceria com Silvana Rezende, que é artista visual, se consolidou e nós seguimos trabalhando juntas para a criação do meu primeiro livro “de tardinha meio azul”, que são poemas meus com ilustrações de Silvana e foi lançado em 2005, em Salvador. Nós começamos a trabalhar também com videopoesia a partir de poemas do livro. E o livro nos levou a participar de eventos (OffFlip – Festa Literária Internacional de Paraty, Bienal do Livro da Bahia, Poesia na Boca da Noite), nos quais começamos a inserir videoinstalações e intervenções poéticas.<br />A partir deste nosso trabalho em parceria, passamos a criar e realizar juntas, ações de intervenção urbana. Desde 2005 até hoje são diversas ações diferenciadas para deslocar a poesia do seu espaço habitual e fazê-la transitar pela rua. Colagem de fragmentos de poemas nos muros da cidade; caixinha de acrílico com bilhetes poéticos em pontos de ônibus; confetes de poesia e parangolé-poesia no carnaval; poemas bordados em vestidos ou em compotas de doces, em exposições de artes visuais; babadinhos de poesia, nos murais de cartazes de universidades, restaurantes e espaços culturais; lambe-lambe poesia, uma videoinstalação para praças públicas; entre outros.<br />Em fevereiro de 2009 criei meu blog (www.karinarabinovitz.blogspot.com) que é um inventário de minha poesia: as ações, poemas e outras coisas mais como canções e vídeos a partir dos poemas. Uma janela sempre aberta. Em 2010 lancei meu 2º livro de poemas “livro do quase invisível”, pelo selo Cartas Bahianas, da Editora P55, a convite de Claudius Portugal, editor do selo. O livro foi lançado em Salvador, pela editora, e em São Paulo e Rio de Janeiro, de maneira independente. Também em 2010 recebei o Prêmio Roquette Pinto (patrocínio da Petrobrás e apoio do Ministério da Cultura, através da Lei de Incentivo à Cultura), para a realização do projeto "poesia eletrônica" (www.myspace.com/karinarabinovitz). Foram 72 programas de rádio-arte, nos quais trabalhei a poesia oralizada e sonorizada.<br /><br /><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiw_w6jSwfDTkIqAR3tfCrD6UzB3fB2MEsBUnEKFnSWH03MhDmz1ikZYNm5zQWxgWCoEaan06FAdTaYCR1_ds_8SKW0EDG0ZCG8EglCZfydgTy42zZiK9mn0A77skqrkZUvvvS73yldqKdu/s1600/bilhete_poetico_pto_onibus.jpg"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 320px; DISPLAY: block; HEIGHT: 240px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5666021697643674178" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiw_w6jSwfDTkIqAR3tfCrD6UzB3fB2MEsBUnEKFnSWH03MhDmz1ikZYNm5zQWxgWCoEaan06FAdTaYCR1_ds_8SKW0EDG0ZCG8EglCZfydgTy42zZiK9mn0A77skqrkZUvvvS73yldqKdu/s320/bilhete_poetico_pto_onibus.jpg" /></a><br /><strong>SONIA </strong>- Para chegar a esta fusão de gêneros, você partiu, digamos, de onde? Que artistas ou escritores a influenciaram?<br /><strong>KARINA </strong>- É que eu aprendi primeiro a ler poesia (antes mesmo de eu saber ler), nas coisas do mundo, nas coisas dos dias. Minha mãe me ensinou esta leitura. Ela me levava pra assistir o sol, ler os caminhos, contemplar belezas. Depois eu comecei a ver muita poesia na música, na dança, no cinema, no teatro. E fui passear por diversas linguagens artísticas, atuando e trabalhando.<br />A partir do momento que a palavra se tornou meu objeto predileto, o que me move é um desejo grande de ver e sentir a poesia no dia a dia, misturada com as coisas mais comuns da vida. Naturalmente trabalho com a idéia de escrever neste mundo contemporâneo, que quase “exige” mais agilidade na escrita e formatos diversos para se mostrar um poema. É este mundo contemporâneo que me estimula diariamente à fusão de gêneros na poesia.<br />Sobre as influências, a primeira delas é de meu irmão mais velho. Ele foi o primeiro poeta que conheci e foi vendo ele, que entendi que existia a possibilidade de ser artista, ser poeta.... Tenho muita influência dos poetas da música – Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Zé Miguel Wisnik. As letras das músicas foram os primeiros poemas que tive acesso. E depois vieram Fernando Pessoa, Clarice Lispector, Mario Quintana, Guimarães Rosa, Manoel de Barros. Hoje em dia ando visitando Paulo Leminski, Angélica Freitas, Carlito Azevedo, Narlan Mattos, Ricardo Domeneck, Alice Ruiz, Kátia Borges.<br />Outra grande influência no meu processo de construção pessoal foi a de Rogério Duarte. Tive o prazer de ser sua aluna, no meu último semestre na Ufba (Faculdade de Comunicação) e só em ir para as aulas dele e o ouvir falar sobre arte, sem dúvida transformou coisas em mim, que não daria pra explicar aqui com palavras e espaço restrito.<br />Especialmente em relação à fusão, minhas referências são Augusto de Campos, Arnaldo Antunes, Waly Salomão. Queria fazer as loucuras que Waly fazia! Mas como não sou tão explosiva assim, tento levar esta vibração para minhas intervenções poéticas, que são quase o avesso das ações de Waly, porque elas são mínimas e sutis, mas há uma mesma célula lá dentro, de desejo de sonho e um não-conformismo...<br /><br /><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgZbgnHWlSaL4D4uBqgV-K8b-MemGifUKzdIM7z6hVhUtpWslSOAeipVNAtkVymUHnu1u0GvotPef3sxJIMRoZQXQjnRFxXvEN_9-mgaRbGJ1eP1p1N_X7CJIY6EaiMEaD-agXKD80p3ikL/s1600/fragmento_poema_na+rua.JPG"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 320px; DISPLAY: block; HEIGHT: 240px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5666021827069340402" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgZbgnHWlSaL4D4uBqgV-K8b-MemGifUKzdIM7z6hVhUtpWslSOAeipVNAtkVymUHnu1u0GvotPef3sxJIMRoZQXQjnRFxXvEN_9-mgaRbGJ1eP1p1N_X7CJIY6EaiMEaD-agXKD80p3ikL/s320/fragmento_poema_na+rua.JPG" /></a> <strong>SONIA </strong>- O que você está produzindo, no momento?<br /><strong>KARINA</strong> - Em 2010, ganhei o edital de Apoio à Criação Literária da Fundação Pedro Calmon/Secretaria de Cultura do Estado da Bahia e estou escrevendo “um livro de água”, em parceria com Silvana Rezende. Eu escrevo as palavras e ela escreve as imagens. É um livro que deverá ter uma versão impressa e outra digital. Ainda estamos na fase de criação (devemos entregá-lo em setembro/2011), mas pretendemos que ele seja muito vivo em seu formato. “um livro de água” vai falar de um universo específico: ilha. Trabalhar metáforas que envolvem uma ilha e as questões de solidão, alcance do outro. Não por acaso trabalhar com esta metáfora de ilha ao escrever nestes tempos atuais, que cultivam a solidão, mesmo dizendo que não...<br />Além deste livro novo, estou trabalhando numa nova série de intervenções poéticas: o “poesia atravessada” (poemas em faixa de pedestres) e o móbile_poemas de rua.<br /><br /><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiW6rJVCc21C8io1kVZIrS6mQHEnM8BRpiY10mebFI14d7icuM6M3Fih06qySSEIhZUGL6jbNTdhN6Hwxop4rUv2-mXDZKVsPg52ypWmfWHzFJIJqrQGPPgxfY_pMzLD1ZY1N2ZlpQ5tVJJ/s1600/lambe_lambe_poesia+%2528foto_valter+ornelas%2529.jpg"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 320px; DISPLAY: block; HEIGHT: 251px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5666021968991973426" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiW6rJVCc21C8io1kVZIrS6mQHEnM8BRpiY10mebFI14d7icuM6M3Fih06qySSEIhZUGL6jbNTdhN6Hwxop4rUv2-mXDZKVsPg52ypWmfWHzFJIJqrQGPPgxfY_pMzLD1ZY1N2ZlpQ5tVJJ/s320/lambe_lambe_poesia+%2528foto_valter+ornelas%2529.jpg" /></a><br /><strong>SONIA </strong>- Você dá dedicação exclusiva à sua arte, ou trabalha em alguma outra coisa?<br /><strong>KARINA </strong>- Infelizmente não ganho o suficiente com a poesia... Trabalho atualmente como arte-educadora na Oi Kabum – escola de Arte e Tecnologia, ministrando Oficina da Palavra e tratando de questões sociais na Oficina de Vídeo.<br /><br /><strong>SONIA </strong>- Quais são os seus planos e/ou projetos, agora?<br /><strong>KARINA </strong>- Meu plano mais próximo é editar e publicar “um livro de água”, quando ele ficar pronto.<br />Na lista dos planos também está: distribuir CDs com o meu “poesia eletrônica” para alguns institutos de cegos do país. E continuar brincando com as palavras até o (sem) fim.Sonia Coutinhohttp://www.blogger.com/profile/04190922525509515505noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-3739029828434107185.post-26530685031926653952011-10-21T11:45:00.000-07:002011-10-21T11:52:00.204-07:00UM CONTO DE MIRIAM MAMBRINI<span style="font-size:78%;">Miriam Mambrini</span><br /><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh8FIgmG3SjYPjDZbVojiSgGx5C1CIHSXAeBkgTvst7CCUcwmVxEjISuZg4Cnnm5JGJ5WMnx7bdxSSZMWGYqEPVa0e-OMmMnKF6jYcQpinxnZBOAfSqIiJrWmGFz3XIHREJbU-8pPUmnD68/s1600/miriamam.jpg"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 200px; DISPLAY: block; HEIGHT: 299px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5666019867930989890" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh8FIgmG3SjYPjDZbVojiSgGx5C1CIHSXAeBkgTvst7CCUcwmVxEjISuZg4Cnnm5JGJ5WMnx7bdxSSZMWGYqEPVa0e-OMmMnKF6jYcQpinxnZBOAfSqIiJrWmGFz3XIHREJbU-8pPUmnD68/s320/miriamam.jpg" /></a><br />MENINO<br /><br />O menino entra na sala descalço, vestido num pijama de malha desbotado. As luzes estão apagadas, mas, na luminosidade difusa que vem do corredor, consegue distinguir a mulher diante da janela, olhando para fora. A mãe. Sua mãe. Ela dá um longo suspiro e esfrega o nariz com o dorso da mão.<br />- Você tá chorando, mamãe?,<br />Ela se assusta ao ouvir a voz do filho. Sem se voltar, responde:<br />- Não. É o resfriado.<br />- Tá frio aqui – diz o menino, se aconchegando a ela, buscando o calor do seu corpo.<br />A mulher fecha a janela, mas continua olhando através da vidraça. Ao lado, na ponta dos pés, o filho olha também.<br />- Papai tá demorando, não é? – pergunta depois de algum tempo.<br />- Ta – diz ela num tom duro.<br />- Ele deve ter ido tomar um chope com os amigos. Às vezes ele vai, não é?<br />Ela olha o relógio, que antes já consultou dezenas de vezes, e percebe que os ponteiros estão prestes a se juntar.<br />- Meia-noite! Que é que você tá fazendo acordado a esta hora? Vai pra cama, menino!<br />- Estou com insônia.<br />Ela dá um risinho sem alegria.<br />- E você lá sabe o que é insônia?<br />- Sei. É ficar na cama sem dormir. Desde que você me mandou pra cama eu estou lá sem dormir.<br />- Então deita no sofá. Quando o sono vier, você vai pra cama.<br />- Você fica comigo?<br />Vão os dois para o sofá. A mãe põe no colo a cabeça do filho e brinca distraída com seu cabelo cacheado, até que a respiração tranqüila e regular a convence de que ele dormiu. Então, desliza o corpo com cuidado, levanta-se, coloca uma almofada sob a cabeça do menino e volta a olhar pela janela.<br />- Não tou dormindo – diz ele de repente, abrindo os olhos – Você conta uma história?<br />- Agora não.<br />- Conta!<br />- Não insiste, menino!<br />Ele ainda está encolhido no sofá, de olhos postos na mãe.<br />- Não fica preocupada, não aconteceu nada com o papai. Ele já chega.<br />Ela se irrita:<br />- E quem disse que eu estou preocupada? Se tiver acontecido alguma coisa, pior pra ele!<br />O menino se senta no sofá e balança as pernas, batendo-as de encontro ao estofado.<br />- Mamãe... você vai se separar do papai? – pergunta hesitante.<br />- De onde é que você tirou essa idéia, Lucas?<br />- Foi você que disse. Eu ouvi. Foi num outro dia que eu tive insônia. Quando o papai chegou, você disse pra ele que, se continuasse assim, o jeito era vocês se separarem.<br />A mãe se senta perto do menino e fala num tom tranquilizador:<br />- Aquilo não foi pra valer.<br />- Então quer dizer que vocês não vão se separar?<br />- Não.<br />- Se vocês se separassem, eu me matava – diz ele, dramático.<br />Ela abraça o filho e o aperta com força contra o peito.<br />- Nunca mais diga uma bobagem dessas. Onde já se viu?<br />Tem vontade de acender a luz para dissipar todas as trevas, mas desiste, pensando que a luz acesa vai despertar o filho de todo.<br />– Vocês não vão se separar, não é? – insiste ele.<br />– Não. Mas se um dia por acaso nós nos separarmos, nada vai mudar pra você. Você vai continuar indo ao colégio, à praia, à pracinha ...<br />O filho a interrompe:<br />- Quem vai me levar na praia, você ou papai?<br />- Quem é que você prefere?<br />- Prefiro o papai. Você tá sempre com medo. Não deixa eu entrar na água direito.<br />Faz uma pausa e olha interrogativamente para a mãe<br />– Eu vou continuar morando com você aqui em casa?<br />- Claro.<br />- E o papai, aonde é que ele vai morar?<br />- Ô Lucas, acaba com essa história. Eu não vou me separar do seu pai.<br />- Você jura?<br />- Jurar, eu não posso porque não depende só de mim.<br />- Ah, você não jurou, quer dizer que vocês podem se separar.<br />Por entre as sombras da sala, a mãe entrevê o rosto concentrado do menino. Aos pouco, ele se descontrai.<br />– Se vocês se separarem, vou fazer feito a Fernanda, que mora com a mãe e sai com o pai no sábado. Ela disse que é maneiro, o pai leva ela onde ela quer, até no parque de diversões. Ela já foi na montanha-russa.<br />- Tá vendo? Não é tão ruim assim.<br />- A Fernanda agora tá chateada porque a mãe vai casar de novo e ela vai ter que morar com o namorado da mãe. Olha, vou te avisando – continua, mudando de tom – se você arrumar um namorado, eu não vou mais querer morar com você. Vou pra casa da minha avó!<br />- Assim já é demais! Até namorado você resolveu me arranjar!<br />– Você promete que não arranja namorado?<br />– Prometo. Agora vai pra cama.<br />- Deixa eu ficar só um pouquinho mais? Deixa?<br />- Tá bem. Só mais um pouquinho.<br />Ele estende os braços, se pendura no pescoço da mãe e dá um beijo molhado no seu rosto.<br />- Não fica triste, mamãe. Daqui a pouco o papai vai chegar.<br />Deita-se no sofá, e põe a cabeça no colo da mãe. Os olhos começam a se fechar, mas lembra-se de alguma coisa e os abre de novo.<br />- Sabe uma coisa engraçada? Outro dia perguntei ao papai se ele ia se separar de você.<br />A mãe se espanta:<br />- Perguntou pra ele também?<br />- É. E ele respondeu parecido com você. Disse que não gostaria que isso acontecesse, mas não dependia só dele – Faz uma pausa, as pálpebras descendo pesadas de sono – Isso é bom, não é?<br />Já está dormindo quando a mãe responde que é muito bom.<br /><br /><em>Formada em Letras pela PUC do Rio, Miriam Mambrini é autora de O baile das feias (contos, Obra Aberta, 1994), Grandes peixes vorazes (contos, 7Letras, 1997), A outra metade (romance, 7letras, 2000), As pedras não morrem (novela, Bom Texto, 2004), O crime mais cruel (romance, Bom Texto, 2006), Maria Quitéria 32 (crônicas, Bom Texto, 2008), Vícios Ocultos (contos, Bom Texto, 2009, em livro e audiolivro). Participou de várias antologias de contos e ganhou, entre outros prêmios, o Stanislaw Ponte Preta (1991). Participa do grupo de criação literária Estilingues.<br /><br /></em>Sonia Coutinhohttp://www.blogger.com/profile/04190922525509515505noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3739029828434107185.post-26145983634074521222011-10-21T11:33:00.000-07:002011-10-21T11:44:24.222-07:00JANAÍNA AMADO E JACINTA PASSOSJACINTA PASSOS, UMA <em>NOVANTIGA</em> POETA<br /><br /><span style="font-size:78%;">JANAÍNA AMADO </span><br /><br /><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiLbT3kmriA1YAUd1sIxmyEawdSHTZ3hBDTQ9oAfiuhiRB7Lk7jlBo82gn3GAEP9CZVicJkjNbj00vyRBpwxfZMeRKdfdqLi2craH3pCbJEiXtwUaZdBBmF8SXdTFmwpXPiCzgwtufgAJiG/s1600/jana%25C3%25ADna.jpg"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 289px; DISPLAY: block; HEIGHT: 320px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5666017119614829810" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiLbT3kmriA1YAUd1sIxmyEawdSHTZ3hBDTQ9oAfiuhiRB7Lk7jlBo82gn3GAEP9CZVicJkjNbj00vyRBpwxfZMeRKdfdqLi2craH3pCbJEiXtwUaZdBBmF8SXdTFmwpXPiCzgwtufgAJiG/s320/jana%25C3%25ADna.jpg" /></a><br /><em>Janaína Amado tem transitado entre a história e a literatura, com publicações nas duas áreas. Aposentou-se como professora titular do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB). É autora ou co-autora de 20 livros na área de história, alguns destinados a escolas, outros ao público adulto. Publicou também livros de ficção, como o romance Dandara (São Paulo, Maltese, 1995) e três volumes infanto-juvenis. Organizou Jacinta Passos, Coração militante (Salvador, EDUFBA/Corrupio, 2010) contendo a obra e a biografia da poeta e jornalista baiana Jacinta Passos, sua mãe. Seu pai é o escritor e tradutor James Amado, irmão de Jorge Amado. Eis o depoimento de Janaína sobre Jacinta:</em><br /><br />"Ela vivenciou a Bahia do início do século XX, imersa na experiência longa e recente da escravidão: senhores e senhoras, os brancos baianos, alicerçados em terras, religião, racismo e alianças políticas, mandavam, enquanto o povo humilde, analfabeto, negro ou mulato obedecia sem remuneração, ao som de suas danças afro-brasileiras e suas revoltas.<br /><br />Ela vivenciou a Salvador dos anos 1930 e início dos 40, quando a pequena e provinciana cidade da Bahia despertava para os debates literários que rompiam com a tradição parnasiana, para o movimento das esquerdas e das agitações estudantis, as passeatas exigindo nas ruas o fim da Segunda Guerra e das ditaduras, na Europa e no Brasil.<br /><br />Ela vivenciou a pequena porém agitada São Paulo de meados dos anos 40, quando os intelectuais se uniram para fundar a Associação Brasileira de Escritores e contribuíram para a restauração da democracia no país, quando o Partido Comunista do Brasil foi pela primeira vez legalizado, elegendo Luiz Carlos Prestes e outros para comporem a Assembléia Nacional Constituinte, na democracia.<br />Ela vivenciou a fervilhante capital da República do inicio dos anos 50, o Rio de Janeiro onde tudo acontecia, da vida noturna trepidante ao vigor dos debates intelectuais e das decisões políticas fundamentais, o centro da vida do país.<br /><br />Ela vivenciou paixões intensas, por homens que a amaram e alguns a abandonaram. Vivenciou a maternidade, gerando uma filha da qual foi afastada. Vivenciou durante três décadas a experiência ilegal, clandestina e estigmatizadora de militante do Partido Comunista, tendo sido presa. E, a partir de 1951, vivenciou a violência extrema dos diversos internamentos em sanatórios, tratada a eletrochoques, injeções de insulina e isolamento severo, vindo a morrer quando internada.<br /><br />Todas essas vivências, ela expressou no jornalismo — foi uma das mais ativas jornalistas da Bahia na década de 1940 — e, sobretudo, na poesia. Rabiscando poemas desde muito jovem, publicou em vida quatro livros de poesia elogiados pelos maiores críticos e intelectuais da época (Aníbal Machado, Gabriela Mistral, Oswald de Andrade, José Paulo Paes, José Mindlin, Antonio Cândido...), e escreveu literatura, em poesia e prosa, durante toda a vida, inclusive quando interna, até a véspera de sua morte.<br /><br />Estamos falando de Jacinta Passos (1914-1973), poeta, escritora, intelectual e jornalista nascida de família rural abastada em Cruz das Almas, Recôncavo da Bahia, católica fervorosa que se transformou em comunista ardorosa, mulher de hábitos livres num Brasil machista, casada em 1944 com o jornalista e escritor James Amado (irmão de Jorge Amado) e, a partir de 1951, diagnosticada como esquizofrênica paranóide, separada e sozinha, vindo a falecer como louca em um sanatório de Aracaju.<br /><br />As trajetórias literária e humana de Jacinta Passos ficaram esquecidas nas décadas seguintes à sua morte, pois as pequenas tiragens de seus livros estavam esgotadas, pouco se sabendo sobre sua existência atribulada. Recentemente, a poeta voltou a ser alvo de interesse, com a publicação de uma primeira biografia (Dalila Machado, A história esquecida de Jacinta Passos. Salvador, 2000), de um livro de ensaios (Gilfrancisco, Jacinta Passos: a Busca da Poesia. Aracaju, 2007), de uma monografia de Especialização (Danielle Fuad, Passagem de Jacinta Passos pelo Jornal “O Imparcial” (1943). Salvador, 2008), e de Jacinta Passos, coração militante (Salvador, Edufba/Corrupio, 2010), volume organizado por sua filha Janaína Amado, que reúne toda a poesia e a prosa, inclusive a inédita, de Jacinta, uma nova biografia, sua fortuna crítica, diversas fotografias — que revelam uma belíssima mulher — , além de ensaios de escritores e críticos produzidos especialmente para a edição. Foi criado ainda o site http://jacintapassos.com.br.<br /><br /><span style="font-size:78%;">Jacinta Passos com Janaína em criança<br /></span><br /><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgPnwXZmXVQEu0F5YQX60llbBjU378Thg_yn3C5dCGvdwst7QkinberHmtMg6s1DUEwXVgTiTqsoBkXI6MFAA1TrZg7cPLewfxM9ACqeF0I9x4fZYcOYZBOeS853BMK8rtCLh_W3Cqzzeq-/s1600/jacinta.jpg"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 320px; DISPLAY: block; HEIGHT: 235px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5666017395526439282" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgPnwXZmXVQEu0F5YQX60llbBjU378Thg_yn3C5dCGvdwst7QkinberHmtMg6s1DUEwXVgTiTqsoBkXI6MFAA1TrZg7cPLewfxM9ACqeF0I9x4fZYcOYZBOeS853BMK8rtCLh_W3Cqzzeq-/s320/jacinta.jpg" /></a><br />A poesia de Jacinta Passos, que apenas começa a ser desvendada, é lírica e política, as duas vertentes muitas vezes se mesclando. Seu primeiro livro, Momentos de poesia, de 1942, revela a profunda experiência mística da autora: Senhor,/eu quis fazer de minha vida/meu mais belo poema em teu louvor. Ou:Ouço vozes estranhas/[...]São vozes de sofrimento, de amarguras,/vozes de todas as criaturas/que falam por minha voz./Todas as criaturas que sofreram/ esta ânsia indefinida/ – angústia milenária como a vida –/ de querer atingir o inatingível (O Mar).<br /><br />A experiência avassaladora do amor está presente desde o primeiro livro: Existimos fundidos num ser único/ que ignora a sucessão no tempo, [...] como um astro sem memória perdido no espaço sem princípio e sem fim (O Momento eterno). Nos segundo e terceiro livros, Canção da partida, de 1945, e Poemas políticos, de 1951, o amor desabrocha em erotismo: Agora teu corpo é fruto./Peixe e pássaro, cabelos de fogo e cobre./ Madeira e água deslizante, fuga/ ai rija/ cintura de potro bravo (Canção do amor livre).<br /><br />Dois outros temas são caros à poesia de Jacinta Passos: a política e a situação da mulher, o segundo contido no primeiro. Seu último livro, A Coluna, de 1958, é um longo poema épico sobre a Coluna Prestes. Mas raramente Jacinta foi panfletária. Seus versos transformaram política em boa poesia, como em “1935”, sobre a fracassada revolta comunista deste ano, que assim começa: Tenso como rede de nervos/pressentindo ah! Novembro/ de esperança e precipício./Fruto peco. É sobretudo a mulher pobre, duplamente oprimida, a protagonista de vários versos de Jacinta: Nós somos gente marcada/– ferro em brasa em boi zebu –/ninguém precisa dizer:/ Bernadete, quem és tu? (Canção da partida). E: [...] Mulher virgem, condição/para homem dar – nobre gesto –/ resto duma divisão/ se a divisão deixou resto./[...] A flor caída no rio/que a leva para onde quer,/sabia disso e caiu,/seu destino é ser mulher (Canção simples).<br /><br />Mas talvez seja a evocação da infância “o princípio organizador da obra de Jacinta Passos”, como concluiu o poeta Fernando Paixão. Em seus poemas líricos que evocam a cultura popular de sua Cruz das Almas natal, Jacinta “se apropriou do espírito narrativo do povo e o devolveu crescido e com roupagem nova”, explicou o escritor e crítico Ildásio Tavares. E Jacinta sai cantando: Boi da cara preta não não meu boizinho,/ não pegue neném, não, ele é meu filhinho (Cantiga de ninar). Ou: Camilo, você é pobre/e nunca foi senador,/mas por que é igualzinho/ao retrato de vovô? Ou ainda: Tanta laranja madura/ai tanta!/que aroma vem do quintal./A maré já deu passagem/cresce meu canavial/minha vara de condão/cavaleiro, teu punhal./ Jasmim da noite floriu./ Jasmim./Acabou-se o bem e o mal./Já tirei os meus sapatos,/Vesti meu manto real (Chamado de amor). "Sonia Coutinhohttp://www.blogger.com/profile/04190922525509515505noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-3739029828434107185.post-11582693495593612912011-10-21T11:18:00.000-07:002011-10-21T11:32:40.548-07:00UM CONTO DE KATIA GERLACH<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEioc9nB-gC3xovfWdp_D4fWmO6axVB8AuZEm4yKoSFz3n-F2nVjYHDTHQHp_ODWJWtz1Qk8vqpk9B2DjPEyuqwA2xeHPefWOOD38wo_LQXoLLuUVUjxvRxJTe4Z4xoOrAUcg_UTngXr7kCr/s1600/fotokatia.jpg"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 180px; DISPLAY: block; HEIGHT: 135px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5666013384906237346" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEioc9nB-gC3xovfWdp_D4fWmO6axVB8AuZEm4yKoSFz3n-F2nVjYHDTHQHp_ODWJWtz1Qk8vqpk9B2DjPEyuqwA2xeHPefWOOD38wo_LQXoLLuUVUjxvRxJTe4Z4xoOrAUcg_UTngXr7kCr/s320/fotokatia.jpg" /></a><br />PELETERIA<br /><br />Darlene desenterra o dia das ruas e as mãos dos bolsos que é para acudir os cabelos. A cabeleira crespa alisada para trás; os fios brilhosos, afixou-os com dedadas de gel e, entrementes, tombam sobre o semblante; o arco não é auréola, Santa Darlene-creio-em-deus-pai. Passos ligeiros e baforadas curtas, os de trás respiram o ar convulsivo da Darlene e basta cravar o olhar nela para recuarem. Há pouco saíra da tourada. Tequila on the rocks: noite toda, a unha postiça do indicador girando o gelo na circunferência do copo servido pelo bartender com quem dividia as comissões. Ah, Darlene, em cujos cartões postais para a família, você conta ser dançarina de sapateado na Broadway, se a fosforescência do mundo acabar, onde você vai estar? As amigas não lhe vão servir para nada, a Edileuza, a Creuza, a Marlene e todas as outras, astoria queens, simulam lealdade, enquanto se arrepiam de invídia verdejante, colocam no palco a tragédia grega de Gotham.<br /><br />A voz entubada da Edileuza passa despercebida pelos espectadores ébrios e ela prolonga os intervalos para esconder a tosse de cachorro, à medida que pede mais cigarros à Darlene porque cantar paga menos do que dançar, as gorjetas variam e a Edileuza não enxerga justiça nisso, afinal a Darlene não vai além de um strip parcial por ser católica praticante. A Creuza e a Marlene acompanham no coro de fundo e depois da apresentação, o quarteto se arma em muralha caso algum valentão resolva tostar guimbas nas pernas grossas de uma delas, sentadas a mesa. Desequilibram-se nas cadeiras quebradiças do barril noturno s.a., o rapaz do bar teima em piscar maliciosamente para aquelas damas alçadas pelos anos, via-se logo a malaise do Francisco, bezerro carente de mãe, uma delas bem que serviria para acolhê-lo nos seios enganosamente maternais.<br /><br />Darlene abotoa e desabotoa a camisa de tachinhas prateadas ao seguir pela calçada que se manifesta. O estômago mareado, ondas ondulantes duvidosas, o barco em jornada sem bússola, o que a roupa justa não contém é a carne morena que esbanja e de que Waldecy gostava até o domingo quando vomitou palavrão e deu um casaco de chinchilas para a Edileuza. Puro despeito de um homem de mãos tenras, dedos de veludo, uns mimos e umas manias que a Darlene aguentara por causa da linhagem dele. Raro um daqueles dando sopa nas margens cinzentas do East River, cordão de ouro com crucifixo, família de nível, educado em escola particular, cheiroso de perfume francês, superando as ilusões de asfalto da Darlene. No fundinho da anima, a Darlene desconfiava que o Waldecy a visse como criada de cama e mesa, sem que esta ciência inibisse o esforço dela para agradá-lo. Trocava roupas de cama e toalhas de banho dia sim, dia não, passava lençóis a ferro, cuidava das roupas íntimas do Waldecy para que não encardissem, quarar inviável no porão sem área de serviço, mas ela aprendera a moderar na amônia para obter a alvura ideal e não rasgar o tecido. A mãe a educara para evitar o encardimento das roupas do marido. O Waldecy não era marido, todavia, entretanto, não obstante, ainda assim.<br /><br />Sob os vinhedos enrijecidos pela poluição, as crianças do barrio atiravam jatos de água em todas as direções, contentavam-se com os arco-íris empalidecidos, o céu prometia manter-se azul até nove da noite, um ar úmido embolorava o peito. Darlene volta sempre do trabalho. Sim, está sempre voltando do trabalho e esconde o ódio fervente do tapa levado pelo Waldecy no fim de semana, homem que dava tapa na bunda como na cara, humilhando-a sem reconhecimento. Ela garantia que ele agora brincava com o pequeno anel de ouro, o brasão da família e alisava os dentes da boca pequena com a língua da maneira que gesticulava ao assisti-la azeitar a salada e o frango grelhado. Creuza, Edileuza e Marlene não se cansavam de bajular o Waldecy pela educação de cavalheiro, o humor, o jeito sóbrio, tão distinto dos frequentadores do barril. Quem naquelas bandas se dava ao trabalho de abrir a porta do carro para uma mulher? Ou se levantava para ajudar uma dama a sentar-se? A Darlene enxergava os olhos relampejantes das amigas quando o Waldecy comprava uma rosa do camelô florista, torcia o caule espinhoso e encaixava-a na orelha pingada da Darlene, mulher de rosto bonito malgrado a pelugem. Ela não contava a ninguém sobre a intimidade com o sujeito, fazia segredo das inúmeras vezes em que o Waldecy transformara o carro em jaula no estacionamento do supermercado, abandonando-a ao léu com uma fresta minúscula da janela aberta para não asfixiar antes de despelar.<br /><br />Desde que amigara o Waldecy, Darlene fecha as pálpebras roxas, quase negras, e não dorme. As chinchilas, pequenas almas balbuciantes viajadoras de uma ponta da américa a outra eram alminhas maléficas que mordiam-na corpo inteiro, para acordá-la aos berros e de cara com a porta de vidro fumê do minibar onde o Waldecy guardava o Tesouro. As peles penduradas, as fisionomias do último sofrimento recheando as feições debilitadas: Darlene enfastiava-se do abatedouro. Waldecy chutava-a de súbito nas pernas para que o deixasse dormir. Ela transpirava, indecisa quanto à necessidade do edredom, seguia à cozinha para um copo d’água, o líquido engolido aos goles qual o convívio com o Waldecy, quem, divorciado três vezes, dissera-lhe num daqueles momentos de tapa na cara que se ele encontrasse uma mulher que facilitasse a regularização dos papéis, encheria as malas e a Darlene que olvidasse o Waldecy. Podiam esbarrar na rua que ele não a reconheceria, de propósito, língua no canto do céu bucal e uma risada irônica nascendo de dentes tão miúdos quanto os dos animaizinhos, retratos de natureza morta por detrás da opacidade insuficiente do minibar.<br /><br />A mãe do Waldecy, a quem Darlene se apresentara por via telefônica, criava as chinchilas, investia na ração enviada e se responsabilizava pelo despacho climatizado das criaturas. A temperatura da quitinete no porão da casa de tijolos descascados e escadas rangentes deveria ser mantida no nível do ambiente natural das chinchilas, de modo que Darlene e Waldecy não dispensavam os agasalhos entre as paredes de gesso branco que o proprietário, o seu Giuseppe, embriagado de grappa no café da manhã e aliciador de garotinhas no barril, se negava a forrar de papel e exigia que a Darlene preparasse cafezinho para ele cada vez que cobrava o aluguel às vésperas do dia do vencimento.<br /><br />Manhã noturna, as luminárias acesas no porão, Darlene amarra o cinto do roupão de pelúcia, caminha para a cozinha sem não antes enxergar os bibelôs umidecidos, as pessoas e as coisas quase levam susto ao acordar menos o Waldecy dormindo que nem água de poço. Waldecy vislumbrava nos restos precários dos animais a sua fortuna, os sonhos, as nuvens azulinhas. Quer preparar um catálogo fotográfico, convida Darlene e as amigas para o ensaio na Times Square mas, à Edileuza, ele pede que vista um vestido longo, negro para a foto de luxo. Recomenda à Darlene e as outras uma boa maquiagem e jeans, e, Darlene, querida, faça-me o obséquio de um batom discreto e não aquele rosa fúcsia borrado que você tem mania de usar no trabalho, o meu catálogo é direcionado para gente fina, Alexander McQueen coisa e tal. A idéia é aterrissar na Times Square antes que o dia tome forma, evitar o tumulto dos pedestres, pegar os primeiros raios de sol alaranjado que o canal do tempo previu. O Waldecy de fronte ao espelho dá tapinhas na cara com a loção pós-barba old spice, passa o pente no cabelo ralo, não costuma banhar-se na manhã, exala uma mistura de talco e colônia, a pia salpicada de fios atômicos, pasta de dente destampada, toalha largada, Waldecy não perde o hábito como deixa perder os fios de cabelo no chão do lavatório.<br /><br />Quem diria, ela, Darlene, fotografada no triângulo da Times Square. O Waldecy insistia para que ela parecesse menos rabugenta, ô Darlene, olha para as tuas amigas, sorridentes, abre a boca num sorriso, vai? O Waldecy não dava sossego embora eles levassem a vida fifty-fifty, aluguel, comida, roupas, passeios, tudo dividido pela metade, ela ralava no barril e ainda complementava o dinheiro com serviços de limpeza apesar de odiar faxinar. Isto sem contar a sina do Pedro Augusto, o filho dela internado no hospital da capital, ninguém descobria a doença do menino, a família não cessava de lhe telefonar, Darlene, o menino não cresce, o menino não engorda, o menino não come, aliás, parece sim que está sendo comido por dentro e, ela, o que sabia do Pedro Augusto? Gestara a criança por nove meses, parto normal, bebê normal, amamentado por um ano e daí? Daí que ela precisava ganhar dólar, já completava oito anos, o Pedro Augusto nas fotos, nas telas de computador, as mãozinhas encostadas no vidro para tocá-la, ele a chamava de mãe e senhora, com respeito, aprendera a pedir roupas e tênis, o Pedro Augusto, o menino melhor vestido na cidade pobre à beira do rio das cinzas podre e barrento como na maioria das cidades brasileiras que não se fotografam. O Pedro Augusto tem que estar bem e na próxima semana preciso pinçar as sombrancelhas que entortam a minha testa.<br /><br />O domingo correu, sessão de fotos, café da manhã no pão nosso, o copo de café com leite cheio de aleluias, a missa das onze, estavam de folga e à toa. Vieram todos para a casa, o Waldecy liderando, prometeu preparar um risoto de carne seca e abóbora que sabia cozinhar melhor do que ninguém, nunca ia para o fogão, porém, quando resolvia vestir o avental era para arrasar com um prato elegante, nada de arroz e feijão, bife, galinha assada. A comida vinha de um jeito na travessa que a Darlene deslembrava os modos de segurar garfo e faca. Acabou que substituiu a carne seca por camarão porque você Darlene não tirou o sal da carne seca, portanto estragando parte dos planos para um almoço magnífico. As meninas o admiravam, Darlene este Waldecy é o teu bilhete lotérico, aposta cheia. Às tantas, o Waldecy zonzo de vinho abre a geladeira das chinchilas, tira um casaco e presenteia a Edileuza. Toma, Edileuza, é teu, em agradecimento pelas fotos de hoje. Nem a Darlene tem casaco de chinchila, ele ousa dizer, olhando-a de esguelha. A Edileuza estala os lábios, muito no cinismo de quem canta para arrancar gorjetas dos homens. Ela acaricia a pele com as mãos, veste o casaco fora de estação, você tem certeza, Waldecy?<br /><br />Amanhece, amanhece, não pára de amanhecer nesta cidade que aperta as noites como os sapatos espremem os pés e a Darlene desce a avenida estreita da broadway no queens, os dias de inverno se aproximam, a vida fifty-fifty com o Waldecy continua a mesma bosta, o Pedro Augusto não cura, pede a ela que volte e ela não quer ver o menino que nunca viu, não quer largar o marido que não tem, não quer partir de onde não pertence, Tequila on the rocks, a unha comprida do indicador faz o gelo contornar a circunferência do copo, tomava bebida de homem, one shot, many shots, tiro certeiro, vários tiros. Noutro domingo, estivera no confessionário, tocou na perna do padre com o dedo lambuzado de Tequila e podia jurar que girara a circunferência do mundo a seu favor.<br /><br /><em>Kátia Bandeira de Mello-Gerlach, natural do Rio de Janeiro, é escritora radicada em Nova York e colaboradora do jornal literário português www.pnetliteratura.pt. Seu primeiro livro de contos "Forrageiras de Jade" foi lançado pelo Projeto Dulcinéia Catadora em 2009.</em><br /><br /><br />Foto de Ricardo Esteves<br /><br /><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEivYNe8otldu0ZzBfEyGEtNgzd0NZ04b2YYLFKiE8xZG-7NQAmKqAqPXURb7nQ7Tj-e9wPmo5p4gdfzqi_IzOsAXJVH6sIEmSsVRL9haWi1ENHaJxHSjTrZcLDZR11dD5aku8lKm231F6UD/s1600/boca2+copy+%2528600+x+401%2529.jpg"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 320px; DISPLAY: block; HEIGHT: 214px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5666013549747489106" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEivYNe8otldu0ZzBfEyGEtNgzd0NZ04b2YYLFKiE8xZG-7NQAmKqAqPXURb7nQ7Tj-e9wPmo5p4gdfzqi_IzOsAXJVH6sIEmSsVRL9haWi1ENHaJxHSjTrZcLDZR11dD5aku8lKm231F6UD/s320/boca2+copy+%2528600+x+401%2529.jpg" /></a><br />"Ricardo Esteves est séduit par les détails, les entrelignes parlent en secret puisque c’est dans l’expiration que chacun s’expose… beaucoup plus que ce qui reste gravé dans la rétine, il reste ce qui chante dans l’âme. Dans la fraction de sa vision, il montre l’envers de l’univers si familier à tout être humain avec la délicatesse culturelle de chacun.Ricardo Esteves nasceu no Rio de janeiro e atualmente mora na França onde trabalha como fotografo de publicidade e de arte."Sonia Coutinhohttp://www.blogger.com/profile/04190922525509515505noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3739029828434107185.post-42753772688972633512011-10-21T11:06:00.000-07:002011-10-21T11:17:13.437-07:00MÁRCIA CAVENDISH WANDERLEYAS TERRAS PROIBIDAS DE LUIZA LOBO<br /><br /><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 157px; DISPLAY: block; HEIGHT: 236px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5666010022340224546" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj453RgV2F24R5iGwqSnFEGy37PEGrbxG_Fdkd8m_tRFE1_4Bp9tq_xx_b1i9G8q6oQ1nwN2hbUNwwnWviabmdsPPkzDCERmCF0jN3c1Rw4Bqo939tCM4gMsNdOrg96UrfjYG116G-SMpSf/s320/capalivroluiza.jpg" /><br />Um “Casa grande & senzala” do Vale do Paraíba do Sul, é o que se pode dizer deste romance portentoso de Luiza Lobo, escrito em tom rememorativo, às vezes proustiano, de quem se lembra de um passado não vivido nem testemunhado, mas a respeito do qual reuniu documentação confiável e verídica, tornando-se histórica e antropologicamente sustentável. O que não seria novidade, dada a quantidade de cientistas políticos e sociais, antropólogos, historiadores, juristas etc a utilizarem, no passado e no presente, a literatura como fonte secundária para suas investigações.<br /><br /><p>Este romance é bastante confiável inclusive porque sua autora (a qual apresentei com honras no meu livro Mulheres: prosa de ficção no Brasil 1964/2010, recentemente lançado) é um dos últimos ramos da família Teixeira Leite e assim teve acesso a todas as informações que constituem a argamassa da narrativa, utilizando fontes primárias, em conversas com os e mais antigos parentes e aderentes remanescentes da sua e de outras famílias que viveram a saga das fazendas do café do vale do Paraíba do Sul, na então província e depois Estado do Rio de Janeiro. Isso para não falar de documentos secretos por tantos anos guardados em baús e ainda em poder da família, que a autora pôde manusear. </p><br /><p>Um resgate que acompanha quase três séculos de história de família e da história do ouro negro, que deslocou o eixo da economia brasileira, inicialmente centrado no núcleo canavieiro do Nordeste, depois na região central das Minas de ouro e pedras preciosas e finalmente no Sudeste e Sul cafeeiros, completando o período agroexportador da economia brasileira. Mas enquanto durou este último ciclo no Sudeste, o do café, a produção e comercialização foram tão bem sucedidas que os barões agrários, responsáveis por esta produção, ficaram suficientemente ricos para alimentar os luxos e o fausto do Imperador e sua corte, e a própria cidade do Rio de Janeiro foi transformada e tornou-se mais bela e fascinante com o capital gerado no Vale do Paraíba do Sul. Foi por isto mesmo que tantos proprietários rurais se tornaram barões, pois os títulos eram doados pela monarquia à guisa de recompensas. </p><br /><p>No final desse processo a monarquia, já bastante abalada pelos protestos contra a pútrida escravidão e pelos ecos dos gritos republicanos, irá ruir diante dos questionamentos e ditames da República, definitivamente instalada a partir de 1889. Tudo isso está contado em forma romanesca por Luiza, que desloca também o foco narrativo do protagonista básico da história, a elite cafeeira rural, para a voz dos escravos e negros, representados principalmente por Manuel Congo – uma verdadeira força moral que determinará o destino de sua família pelo vaticínio mortal proferido na hora de seu enforcamento em praça pública, em Vassouras. </p><br /><p>Esse sortilégio teria determinado a decadência e as agruras sofridas não só por uma, mas por todas as famílias daquela região. É uma estória triste e longa de decadência e mortes que nos convence como verdadeira, porque a prosa de ficção é eficiente neste papel de “suspension of disbelief”, embora saibamos que não foi diferente o destino das famílias da elite canavieira dos engenhos, quando as empresas usineiras tomaram conta da produção do açúcar e multiplicaram essa produção muitas vezes. </p><br /><p>José Lins do Rêgo é um dos escritores que desenha esse quadro com sensibilidade e graça em Menino de engenho, Usina e outros livros que contam a estória daquelas famílias. No Sudeste, a abolição da escravatura e a imigração promovida desde o Império com vistas a uma industrialização que somente floresceria na República, serão a sentença de morte da economia cafeeira. Aqueles escravos, tanto no Nordeste quanto no Sudeste, tiveram muitas vezes tratamento desumano – e Luiza relata os casos das atrocidades e barbaridades que alguns proprietários de fazendas, como os Wernecks, por exemplo, faziam com seus escravos, que às vezes eram até enforcados, como no caso de Manuel Congo. </p><br /><p>Entretanto, a partir de uma certa data, na região Sudeste, esse comportamento bárbaro tornou-se mais suave e os escravos passaram a auferir mais direitos e benesses de seus proprietários. É àqueles homens e mulheres, os 147 escravos da fazenda Cachoeira Grande, pertencente ao barão de Vassouras, seu ancestral Francisco Jose Teixeira Leite, que Luiza dedica seu livro, corroborando a intenção acima mencionada de realizar o descentramento das vozes dos poderosos para abrir espaço a outras, sempre subjugadas e inaudíveis. </p><br /><p>O mesmo acontece em relação às mulheres. Conquanto Luiza advirta no inicio do terceiro capítulo da primeira parte: “Das mulheres não falo porque não são importantes”, é delas que mais falará, e não apenas através das chamadas “baronesas loucas”, e nem tão loucas, mas enlouquecidas pelo patriarcalismo castrador, mas também através da voz de uma personagem como Elisa, aparição fulgurante e iluminada como um relâmpago rápido em noite escura, em toda sua leveza, inteligência, paixão e revolta femininas vivas contra o status quo de mulheres emudecidas e apagadas que fizeram o cenário das fazendas do Vale do Paraíba e das casas grandes – ali, onde “nenhuma delas foi feliz”. </p><br /><p>Dessas e de outras vozes submersas e emudecidas no decorrer da história fala a autora, que não deixou de lado as peripécias da Maçonaria em suas lutas pela libertação dos escravos e pela República; das idas e vindas de sua própria família em direção à ruína inapelável, que, como as outras, tão aprisionadas estavam em suas próprias redes por sistemas de parentesco que garantiam a limpeza da raça branca que pouco lhes sobrou em termos materiais. Contudo, restou o que ficou do talento manifestado em alguns membros daquelas antigas gerações. </p><br /><p>Eliza é um destes membros que, conquanto tenha vivido um curto espaço de tempo no mundo, manifestou possuir a inteligência, a vivacidade e outras qualidades intelectuais e sensíveis que surpreendemos agora neste excelente romance com fôlego para contar a história que envolveu a saga dos Teixeira Leite e outras famílias. Eles fizeram, apesar da nódoa escravista, a grandeza e o brilho da Monarquia e de uma época de ouro da província e hoje Estado do Rio de Janeiro. Parabéns Luiza.<br /><span style="font-size:85%;"></span></p><br /><p><span style="font-size:85%;">Márcia Wanderley</span> <a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEglwYV6uCbftPa7sKN7neE87ECdymaneU-1LoHTcBXSVOixYX_NnU0TTDzYvYYBlfunCOgD1Y0VEnQ-MLDdTpm24HHHC45pBdYXRJrfsrUPhs71T5-0GjP89CngbtCa-26VkXIJlvJLvTeL/s1600/marciawanderley.jpg"></p><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 180px; DISPLAY: block; HEIGHT: 123px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5666009541383444626" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEglwYV6uCbftPa7sKN7neE87ECdymaneU-1LoHTcBXSVOixYX_NnU0TTDzYvYYBlfunCOgD1Y0VEnQ-MLDdTpm24HHHC45pBdYXRJrfsrUPhs71T5-0GjP89CngbtCa-26VkXIJlvJLvTeL/s320/marciawanderley.jpg" /></a><br /><em>Marcia Cavendish Wanderley é pernambucana, professora de sociologia da literatura da UFF, e autora dos livros A voz embargada (São Paulo, Edusp, 1996), Do jeito delas: vozes femininas da língua inglesa (Rio de Janeiro, 7Letras / Faperj, 2008) e Mulheres: prosa de ficção no Brasil no Brasil – 1964/2010 (Rio de Janeiro, Ibis libris / Faperj, 2011). Publicou um livro de poemas: O terceiro jardim (Rio de Janeiro, Editora da Palavra, 2006). </em>Sonia Coutinhohttp://www.blogger.com/profile/04190922525509515505noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3739029828434107185.post-38030472932247907802011-05-20T11:46:00.000-07:002011-05-20T11:58:40.788-07:00A FESTA DO LADO 7<strong>Entrevista de Jorge Viveiros de Castro a Sonia Coutinho</strong><br /><br /><p><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg3sF3EsiONOeDT_cjvcZVi8DDHdyIhdnUOdudsyxLIjAhP2xV7k9GvTvybggnrO5Yq8mCG_kTyhNr8WCg14vpZkNnxFduOQWkwG_YQOBJL-6N-8Eyfu07HoxFHPx6i79f_Ad4GhqA9cRrM/s1600/1jorge.jpg"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 320px; DISPLAY: block; HEIGHT: 316px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5608872293964436098" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg3sF3EsiONOeDT_cjvcZVi8DDHdyIhdnUOdudsyxLIjAhP2xV7k9GvTvybggnrO5Yq8mCG_kTyhNr8WCg14vpZkNnxFduOQWkwG_YQOBJL-6N-8Eyfu07HoxFHPx6i79f_Ad4GhqA9cRrM/s320/1jorge.jpg" /></a> A editora 7 Letras, casa de pequeno porte que ganhou nome entre as melhores do país, prepara grandes transformações em sua atuação, a fim de acompanhar as mudanças no mercado livreiro. Afinal, estamos diante da chegada forte da tecnologia digital na área do livro, prometendo trazer maciçamente um dispositivo eletrônico como veículo alternativo para a leitura. Marcando a virada, no próximo dia 31 haverá o lançamento de uma nova revista, a Lado7, com duplo formato impresso e digital, na Livraria Travessa do Shopping Leblon. Jorge Viveiros de Castro, o editor – meu editor - começou a editar livros quase menino.<br /><br /><strong>SC</strong> - Jorge, você já está com a editora 7 Letras há bastante tempo, não? Há quanto tempo, mesmo? Que idade tinha, quando se tornou editor?<br /><strong>JVC</strong> - Comecei a trabalhar como livreiro em 1988, aos 21 anos. Fundei a Editora Diadorim em 1993, e logo em 1994 passei para a 7Letras – portanto posso dizer que sou editor desde os 26 anos, e hoje a editora está quase chegando à maioridade, com 17 anos de estrada.<br /><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi4gG2jHcQ8SY5PdDkJvP1ryY8aUsSABxRcwErY5YeN3sPJcF1E2nV5wND_QNqE4eMUBEAqw343mrP-bLgJZy1vdsTbNO30xG258o_cDvgHH0LArSh6cSOaLVc1Qzd6ubNenHdxD_Eawh5O/s1600/jorgeB.jpg"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 320px; DISPLAY: block; HEIGHT: 291px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5608872648860572066" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi4gG2jHcQ8SY5PdDkJvP1ryY8aUsSABxRcwErY5YeN3sPJcF1E2nV5wND_QNqE4eMUBEAqw343mrP-bLgJZy1vdsTbNO30xG258o_cDvgHH0LArSh6cSOaLVc1Qzd6ubNenHdxD_Eawh5O/s320/jorgeB.jpg" /></a> <strong>SC</strong> - Fale um pouco desse percurso, lembre alguns episódios que marcaram você.<br /><strong>JVC</strong> - Posso dividir a trajetória da 7Letras em 3 fases. No início a editora funcionava dentro de uma pequena livraria, e comecei a trabalhar com livros em pequena tiragem, especialmente de poesia, que lançávamos na própria livraria. Nessa época fazia tudo praticamente sozinho, com a ajuda de uma estagiária.<br />Alguns anos depois a editora se separou da livraria e passou a publicar um número maior de títulos acadêmicos, principalmente na área das ciências sociais. Desde então o catálogo da editora foi crescendo em número de títulos e em variedade de gêneros, também com muitas coedições. Durante essa etapa a editora se profissionalizou como empresa, e passei a atuar mais no setor administrativo – ainda que sem perder o foco na questão editorial, bem como tentando não deixar de lado a paixão pela leitura.<br />A terceira fase teve início quando nos mudamos para a sede atual, em Botafogo, e montamos um estúdio de gravação para ampliar as experiências de criação editorial já tendo em vista a chegada das novas ferramentas e dispositivos de leitura em formato digital, que permitirão o trabalho com áudio e vídeo como complemento da leitura. De certa forma, esta fase marca também uma volta às origens, pois estamos novamente trabalhando com poesia em pequenas tiragens, agora agregando aos livros gravações em áudio dos poetas para veiculação online em formato digital.<br />Posso lembrar de vários episódios marcantes, como o dia em que o depósito da editora (que ficava no subsolo da livraria) inundou numa daquelas enchentes de verão e tivemos que fazer uma verdadeira “operação de guerra” para salvar os livros – contando inclusive com a inestimável ajuda do poeta Carlito Azevedo, editor da revista Inimigo Rumor e um dos principais autores do catálogo da 7Letras até hoje.<br /><br /><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjD8UzcXf6CMtlje2XAFTDUml2-k82UcNvgdJyv2FNWZc-NN2LnQvBtuEQJbRFB7v72B1Up4VOxXdTS6wLG9ER06jfxySyYoAdIwPlU4240vDNQ88Cojyngo7MCxseLEs5GnZMzfrbez5XL/s1600/jorge+-+foto+met.jpg"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 309px; DISPLAY: block; HEIGHT: 320px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5608873020723474722" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjD8UzcXf6CMtlje2XAFTDUml2-k82UcNvgdJyv2FNWZc-NN2LnQvBtuEQJbRFB7v72B1Up4VOxXdTS6wLG9ER06jfxySyYoAdIwPlU4240vDNQ88Cojyngo7MCxseLEs5GnZMzfrbez5XL/s320/jorge+-+foto+met.jpg" /></a> <strong>SC</strong> - A 7 Letras lançou vários dos melhores autores da nova geração brasileira. Como você se sente, com relação a isso?<br /><strong>JVC</strong> - Tenho orgulho da trajetória da 7Letras, e de ver reconhecido o trabalho de muitos autores em quem apostamos desde o primeiro instante, ainda quando eram inéditos.<br /><br /><strong>SC</strong> - Tem alguma coisa a dizer sobre a literatura no Brasil, agora? Acha que está saudável, ou é doente terminal, como dizem alguns?<br /><strong>JVC</strong> - Acho que está muito saudável. Há muitos jovens escrevendo, muito mais do que na minha geração; o acesso à informação e até mesmo à leitura vem sendo ampliado com as novas tecnologias desde o surgimento do computador e da internet, e vejo com bons olhos o surgimento de escritores jovens – tanto poetas quanto contistas e romancistas – que falam (e escrevem, ou traduzem) a língua de seu tempo, com talento e criatividade. O mais difícil é a boa literatura chegar a um número expressivo de leitores, em meio a um mar de obras estrangeiras e dos gêneros de consumo rápido tipo autoajuda e similares. Mas ela existe, como sempre, e também está sendo produzida justo agora por uma nova geração que praticamente já nasceu na era da informática. Sem falar nos autores já estabelecidos e ainda atuantes. <a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgZo2jZSUNUd1dPDkyX7ev601DkaKWY-TqJS0iV2ScpHhrKsO8wUEmhrwHPanL0EuVwPz9kUb47Vxymasg0XRxZDimbqQ3anGnPrQ2Ke3qSze2a-BcYL5BC6upTQLY1w5XKPEwsBD_A22N-/s1600/jorgetocand.jpg"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 158px; DISPLAY: block; HEIGHT: 200px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5608873393011038242" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgZo2jZSUNUd1dPDkyX7ev601DkaKWY-TqJS0iV2ScpHhrKsO8wUEmhrwHPanL0EuVwPz9kUb47Vxymasg0XRxZDimbqQ3anGnPrQ2Ke3qSze2a-BcYL5BC6upTQLY1w5XKPEwsBD_A22N-/s320/jorgetocand.jpg" /></a> <strong>SC</strong> - Que tal essa atividade de editor? É exaustiva? É gratificante? Qual é o saldo de tudo isso, neste momento?<br /><strong>JVC</strong> - Ufa, confesso que tenho de parar pra pensar. É exautiva sim. É gratificante também. De certa forma parece que não saí do lugar: estou com uns três arquivos abertos aqui no fundo dessa mesma tela nesse exato momento, cada um com um livro inédito em processo de edição, como parece que passei cada dia desses quase 20 anos de atividade editorial. Posso dizer que é difícil trabalhar com livros, mas fico feliz de ter conseguido construir minha própria editora como uma casa aberta aos autores brasileiros, e vê-la hoje tão cheia de gente talentosa.<br /><br /><strong>SC</strong> - Além de editor, você é escritor. Foi um precursor do chamado miniconto entre nós. Acha que conseguirá levar as duas coisas? Temos outros exemplos de editores que são também escritores.<br /><strong>JVC</strong> – Atualmente, o tempo da escrita parece cada vez mais raro, especialmente nessa fase de implementação dos livros em formato digital, que exige novos saberes, investigações e investimentos. Procuro não deixar de lado a leitura dos autores mais diversos – além da literatura, gosto de obras científicas, especialmente nos campos da matemática, biologia e história – para que as ideias continuem fluindo. Um dia a coisa explode e algum dos projetos literários toma forma. Ou não. Espero que sim, tenho muito material bruto espalhado em arquivos e cadernos, algumas ideias recorrentes e alguns projetos em andamento. Pelo menos não tenho dificuldade para encontrar uma editora!<br /><br /><strong>SC</strong> - A 7 Letras está lançando uma revista importante, a Lado 7. Antes, você tinha a Ficções. Diga alguma coisa sobre o projeto da nova revista.<br /><strong>JVC</strong> - A revista Lado7 marca a entrada da editora no mundo dos formatos digitais. Além de contos, poemas e ensaios, a revista pretende ampliar o diálogo e a interação entre os diversos gêneros, convidando artistas plásticos e quadrinistas e também utilizando os recursos de sons e imagens que estão se aprimorando com as novas mídias. O mais importante é criar e expandir um campo de experimentação, aberto a descobertas – tanto de novos autores e obras quanto de novos processos editoriais.<br /><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhFzHQ1B2uOvdDEzSlE9deWwE4Sjk_Tsk6cu_ozT9sGB86HjjMvH2PS96PGNR_wttkn1NQL5PjLp245WdU9lIpfjOYZ6nCQr0n0LpXZU3MldJiaPJ8Guq5xiDKtmhloSrzB6XouIUJ-lEXR/s1600/2jorge.jpg"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 305px; DISPLAY: block; HEIGHT: 320px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5608874026439219042" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhFzHQ1B2uOvdDEzSlE9deWwE4Sjk_Tsk6cu_ozT9sGB86HjjMvH2PS96PGNR_wttkn1NQL5PjLp245WdU9lIpfjOYZ6nCQr0n0LpXZU3MldJiaPJ8Guq5xiDKtmhloSrzB6XouIUJ-lEXR/s320/2jorge.jpg" /></a> <strong>SC</strong> - Como é que a 7 Letras se posiciona diante da chegada do livro digital? O que você pretende fazer, com sua editora, com relação a isso?<br /><strong>JVC</strong> - Estamos ainda engatinhando, como a própria indústria do livro. A intenção da editora é seguir com as ideias plantadas no projeto “Lado7” (e resumidas no conceito da revista), e utilizar de maneira criativa todo o repertório de recursos que ajudem a multiplicar as experiências da leitura para o maior número possível de leitores. Vejo o livro digital como um suporte a mais, um complemento para a experiência (insubstituível) da leitura em papel, e que precisa ser explorado como um terreno ainda desconhecido, com muita coisa ainda a ser descoberta e aprimorada. </p>Sonia Coutinhohttp://www.blogger.com/profile/04190922525509515505noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-3739029828434107185.post-83446689895832333212011-05-20T11:34:00.000-07:002011-05-20T11:46:01.171-07:00CONTOS DE LUCI COLLIN<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj7siWsle9tt5Dk5YABAxot_0iLbEQaMniFC8e6zarPJ4bdbt8KCctYAfDxK4Fb97hS_Up3eDrCm7h-14aJz6tnXtJHv7HbMJDsAVYfpRBGjzhiI05yXm6r89gLOfsw6UNnGQrlQdAREOkV/s1600/lucicoll.jpg"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 208px; DISPLAY: block; HEIGHT: 233px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5608869238338866802" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj7siWsle9tt5Dk5YABAxot_0iLbEQaMniFC8e6zarPJ4bdbt8KCctYAfDxK4Fb97hS_Up3eDrCm7h-14aJz6tnXtJHv7HbMJDsAVYfpRBGjzhiI05yXm6r89gLOfsw6UNnGQrlQdAREOkV/s320/lucicoll.jpg" /></a><strong> IMAGENS DESABRIGADAS<br /></strong><br />às quatro. encontrar-me-ei com ela às quatro, conforme me disse. conforme eu disse a mim mesmo. conforme mentiu. às oito estarei ainda lá esperando? e qual relógio poderá afirmar: são quatro? meu relógio é de ouro e tem até aquela corrente mas esqueço de dar corda, me esqueço da sequência das horas. quantos minutos são necessários para que cada coisa se faça? na verdade um dos ponteiros caiu há muito, muito mesmo. ficou solto ali dentro daquele visor encardido. sim, é um relógio antigo e guarda o tempo passado. todas as horas são um punhado de grãos indistinguíveis. mas sei que quando o coronel sai e bate a porta daquele jeito são três em ponto. encontrar-me-ei com ela às quatro.<br /><br /><br />conforme disse, o lugar deve ser este. conforme combinamos. mas advertiu que mentia. mas não acreditei que mentia. mas não acreditei que fosse capaz de mentir. por isso vim. por isso estou aqui. e são talvez já oito horas. não neste meu relógio indolente. nos outros relógios do mundo são oito. serão nove, quem sabe? neste relógio que observo, tendo há muito esquecido qual dos ponteiros se perdeu, o tempo é sempre um caminho impossível. conforme menti a mim mesmo ela estaria aqui, conforme eu quis acreditar que jamais mentiria. são oito. punhado de intraduzíveis. não, ela não veio. e já que sempre me esqueço a sequência das horas, não importa se está atrasada – não significa que não vem. num relógio como o meu, de ouro e com aquela corrente, quatro pode ser imediatamente depois de oito. e isso quer dizer que encontrar-me-ei com ela daqui a pouco.<br /><br /><br />na verdade ela jamais disse que estaria aqui na hora combinada. eu é que inventei um horário. ela nem tem relógio! nem relógio ela tem! como poderia combinar um encontro comigo ou com qualquer outro alguém!? dei a ela um pequenino relógio com uma delicada pulseira. ela recusou. anos atrás. jamais quis aceitar presentes. e eu sempre a insistir, reconheço! lembro-me que tive que devolver à loja aquela gaiola com o casal de canários. anos atrás. punhado de impermanências. não quis o relógio e não quis os canários e nem o chapéu lilás que ofereci e nem as luvas e nem o pequeno lenço de seda e nem o livro de sonetos e nem o terço de madrepérolas e nem aquele abajur estampado com motivos orientais e nem o jarro de porcelana pintado à mão e nem a caixinha adamascada e nem o exótico vidro de perfume e nem a estatueta de jade e nem os chás importados e nem o colar de coral. e não tendo aceito o relógio jamais poderia estar aqui na hora combinada. se chegasse, eu poderia suspeitar que um dia aceitou um relógio, delicado ou não, de algum estranho. mas não de mim.<br /><br /><br />às cinco não aguentei e descasquei uma das laranjas que iria oferecer. às seis aquele gato esquisito sentou-se aqui ao meu lado. às sete três moças passaram apressadas para apanhar o bonde e eu soltei as flores que segurava. às oito uma folha de jornal perdida foi sendo arrastada pelo vento e eu acompanhei seus movimentos sem sentido. às nove minha cabeça começou a doer e os meus pés começaram a latejar. às dez uma sirene soou e não consegui distinguir de onde vinha aquele som. às onze garrafas foram quebradas no beco. à meia-noite uma criança pequena começou um choro monótono e depois o pai da criança começou a berrar. à uma hora eu olhei para o céu. às duas não aguentei e descasquei uma das flores que iria oferecer. às três aquela folha de jornal sentou-se aqui ao meu lado. às oito cinco moças saídas de um baile passaram apressadas em direção ao vento. às nove eu soltei as laranjas que segurava e acompanhei seus movimentos sem sentido. às dez um gato começou seu choro monótono e depois minha cabeça começou a latejar. às onze não consegui distinguir aquele som que veio do beco e olhei para os meus pés. ao meio-dia o pai da criança passou apressado para apanhar as garrafas. à uma o céu monótono será quebrado mas o som será confundido com aquele da sirene. às duas meus pés pararão de berrar. às duas e trinta a criança terá virado um homem esquisito que passa em direção à folha de jornal. às três em ponto o coronel sai, meus pés, então, conseguirão partir. às quatro, conforme me disse, mentirá.<br />outra vez.<br />conforme me disse.<br />conforme eu disse a mim mesmo. meu relógio é de ouro e tem até aquela corrente. esqueço de dar corda. esqueço a sequência das horas. um dos ponteiros caiu. sai e bate a porta daquele jeito. o lugar deve ser esse. nos outros relógios do mundo. encontrar-me-ei.<br />um relógio afirmou:<br />às quatro. <a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjnyT55ysOJ9ZkN4yRXXozCavU35XDhT2gFNIj0j9PT_iRojHx8i6e4y7FS24sPlA691VFy_2iaKgi9lo2NFkQDTkhblgJrYmgCEiXQuWphhKzkBr5bi0p7fxYhck9Mebzgtc6GNnwi5AgQ/s1600/nuvensceuescu.jpg"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 320px; DISPLAY: block; HEIGHT: 138px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5608869599754890962" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjnyT55ysOJ9ZkN4yRXXozCavU35XDhT2gFNIj0j9PT_iRojHx8i6e4y7FS24sPlA691VFy_2iaKgi9lo2NFkQDTkhblgJrYmgCEiXQuWphhKzkBr5bi0p7fxYhck9Mebzgtc6GNnwi5AgQ/s320/nuvensceuescu.jpg" /></a><br /><strong>UM PONTO SOBRE O OUTRO<br /></strong><br />Não, nenhuma palavra que dissesse ajudaria: Reva é mesmo um mistério, logo vi, quando Florine me disse: cuidado, ou melhor, quando disse: jamais compreendi Reva Frankton, eu pensei puxa, estou mesmo me sentindo diferente mesmo estou mesmo me sentindo desta vez mesmo é assim que estou mesmo me sentindo: um amontoado de dúvidas: Reva é com certeza um mistério e só existiram duas pessoas com este perfil na minha vida: Kade e Lebrec só esses dois elementos essas duas outras oportunidades me causaram tal sensação de estranhamento aquele desconforto com as cenas: mistério, mas não pelo mesmo motivo: Kade é um apanhado de silêncios, de incomunicáveis e Lebrec, bem a história de Lebrec se resume no seguinte: ausência, ausência foi a palavra dita por Herlinda para definir aquele momento em que olhamos para uma pessoa que compôs uma sequência de dias das nossas vidas (e não só sequência: também fatias quero dizer) e percebemos finalmente: nada existiu ou melhor: nada existe e então você pode me acusar de estar sob influência de Lindy (Herlinda) mas isto não é verdade eu posso lhe provar: Koci me conhece e sempre sustentou que eu tenho entendimento de montanhas, de cremes, de brancos, de não, de lentes, de sempre, de um qualquer descuidado, de qualquer pausa, de qualquer pequeno vento insistindo sobre o tecido enfim Koci com certeza diria: tem sim ou, se Koci não usasse palavras assim tão objetivas, tão diretas, tenho certeza que se faria entender mesmo que as sentenças caracteristicamente fossem indistintas e embaralhadas uma vez que Koci é o próprio embaralhamento, convenhamos, mas não é mistério, mistério está aqui: Reva, Reva Frankton é: mistério absoluto: Florine disse e isto não é novidade para mim: eu já vivi algo parecido com Kade e ainda isso: eu já vivi algo parecido com Lebrec (quando revelou seu verdadeiro nome: Liebross) todos esses fatos devem ser meticulosamente considerados eu quero, em outras palavras, esclarecer: toda vez que alguém entra na sua vida pode acontecer isto mas temos que apontar que o contrário: o contrário também acontece: o mistério pode estar no momento em que alguém sai, quero dizer: sai da sua vida, sai levando um pedaço, foi o que disse Hal: sai levando um pedaço que não se conhecia: Leb fez isso, Kade fez, e Reva está fazendo porque Reva é só isso: um mistério e no fim parece ser apenas e portanto isto: um pão que manifesta um envelhecimento, que está condenado a ser esquecido já que o dia está quente, está terrivelmente quente e neste mercado de bairro os pequenos pontos verdes podem ser vistos, os pequeníssimos pontos de bolor já se instalaram ali no pão e este pequeno exemplo ilustrativo é exatamente como: Reva e não adiantará Ryther me telefonar dizendo: esqueça, que você bem sabe que Ryther Stroy está se tornando especialista em dizer: esqueça isto, pelo menos foi o que me disse quando Hal desapareceu, quando Tamra desapareceu, quando Yem perdeu-se no mapa, quando Herlinda deu tanta corda no relógio que aquele objeto recusou-se e finalmente quando toquei no assunto: Reva é um sofisticado mistério uma vez que a virtude dos pêssegos é serem imediatos e as únicas palavras que neste momento poderiam me ajudar a compreender este tipo de pilha de cartas de baralho viradas sobre a mesa que é o meu peito agora são as seguintes:<br /><br /><strong>KOZMIC BLUES<br /></strong><br />Ouvir vozes quando é um solo de guitarra é solidão. Esperar que a porta se abra. Suspirar é solidão. Não falar em corpo. Repetir o mesmo gesto. Repetir. Não saber dizer se repetiu o mesmo gesto é solidão. A paisagem igual a umidade por dentro o fogo o frio. As cores que se abandonam. As mãos que envelhecem, os toques melhores que aguardarão para sempre. A folha tombar no outono é solidão.<br />Microfonia.<br />Alguém tossindo na platéia. Ruídos num pianíssimo. Uma poltrona que range. Desafinar na noite de estréia. Sob as luzes. Desafinar em todas as noites subseqüentes. Atrasar um tempo. Comer um compasso. Estar circundado de não pode ser é solidão. Chorar no escuro.<br />Plagiar.<br />Quebrar um copo e não precisar varrer os cacos. Uma corda que arrebenta no meio da melodia perfeita. Cair de joelhos sem ter nada a dizer. Ouvir a série harmônica. Não ouvir a série harmônica. Janela de quarto de hotel. Dicionário onde se espera encontrar como se diz “eu gostaria” naquela língua remota. Varal vazio. Ritmo da colher no prato de sopa. Ouvir a própria voz compondo finais de frases medíocres. Tudo isto.<br />A mecânica da representação.<br />Seguir atentamente as coordenadas até a próxima estação e descer no lugar errado. Descer carregando peso é solidão. Escrever a própria história com mistérios. Ver ondas indo embora e esquecer que sempre cumprem voltar. Resumir as coisas da vida em uma página e meia. Pensar nas horas em que o coração existiu sendo alegria. É com certeza.<br />Na água que evapora, o lentamente é solidão.<br />O silêncio que soterra os objetos. Mantos imensos de vidro. Magma. Força da lava veloz que só se pode aceitar. O transparente que existe por si também é. Estar longe do porto de onde se parte de onde se chega de um onde. Enxergar tanta água. Catar por entre os escombros da noite o vago ainda de um sorriso. Desconsiderar que se nasce do fruto é solidão.<br />Cisco no olho.<br />Ter um medo palpável do tempo que perpetua estragos por dentro. Ter medo da resposta e da pergunta. Planta sem água. Água sem sede. Relógio sem corda. Ferida exposta. Mosca contra o vidro. Vidro de veneno. Asa quebrada é solidão. Fogo na floresta. Chave sem fechadura. Estrada que virou um labirinto é solidão.<br />Suor é a maior solidão.<br />A fome ensurdecedora não dimensionável é. Detalhes vinte cento e oitenta vezes a mesma cena. O diamante que aguarda na caixinha escura escura e o macio daquele escondido também é. O nome da coisa sem porquê é solidão. Querer aplacar as pretensões de infinito. Os restos da festa as garrafas vazias o canto da sala as sobras as flores e os copos em silêncio. As paredes impregnadas de apelos monódicos. O respirar solene um ar cansado. A pedra sobre o estar é solidão.<br />O maestro baixou a batuta. Pensar em como será o longe nos olhos miúdos dos pássaros. O baixista disse “três”.<br />Sou um lugar onde eu nunca fui.Sonia Coutinhohttp://www.blogger.com/profile/04190922525509515505noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3739029828434107185.post-87038984393992200192011-05-20T10:32:00.003-07:002011-05-20T11:33:58.046-07:00CADERNO DE POESIA<strong>DINU FLAMAND</strong><br /><span style="font-size:85%;">TRADUÇÃO SONIA COUTINHO </span><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 248px; DISPLAY: block; HEIGHT: 253px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5608862679347080786" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhj4mqAKv_WmXTo7SHl85dIVqGghHGXWb1LPX7eA3sZQIeCch9owE9srrDBnvrZzmwaOqG6D4h9qeNxEvV3K00PtcF7kGL2Jtbayu9xzH6NWfhM6X080pmDLwmC9sBREZotEalRQAz2AoOf/s320/dinu2.jpg" />ANIMA MAL NATA<br /><br />o vento levanta de repente um redemoinho enfumaçado<br />um gato caminha a passos lentos sobre o muro<br />pensando que talvez os pardais não saibam mais voar<br /><br />leio sobre os infelizes<br />que herdam a anima mal nata<br />um sinal de nascença - mas na alma<br /><br />e enquanto a confusão persiste – o fundo<br />da minha interioridade explodindo para fora –<br />prossigo com a mesma tristeza carnívora<br /><br />enfrentando todos os obstáculos sem saber porquê<br />quando ficaria satisfeito com a sombra clara da tua axila<br />e o migratório triângulo em teu ventre...<br /><br />PRESO<br /><br />Ela chega com um cheiro de pele quente<br />da cama de outro<br />tira do cabelo um sol cheio de grama<br />e estende a mão<br />entre seus dedos a água toma a forma de um copo<br />enquanto ela envia para as profundezas a emoção de um beijo esquecido.<br /><br />Uma felicidade amuralhada a protege do sono<br />como uma fortaleza<br />ela está impregnada de uma densa fosforescência<br />intangível<br />enquanto pulsa em minha direção<br />de uma distância insuportavelmente<br />próxima<br />onde me afogo em anos luz de encargos.<br /><br />Eu abriria já o meu peito para recebê-la<br />bem dentro do meu silêncio<br />ruidoso<br />nos verdes cumes de Abril<br />mas nenhuma das minhas palavras a atinge<br />e fico à espera<br />preso no latido do eco vazio<br />que me repete.<br /><br /><p><em>O poeta e tradutor premiado Dinu Flamand faz jornalismo em Bucarest</em></p><br /><br /><p><strong>NARLAN MATOS TEIXEIRA</strong> <a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjcdw2LXaT1_Tdy5yDCsD3cKMC3EKqSAWPsI8VfCAQFremNKIb0pBQB_sMUnIhaRjNFDWnZppxQQfoGsBuqcUbNHQ317EUtX7hLKiqJxmE64GbpeA8uK68L6B8CL5g6KcTOtl72xq4-9KQ4/s1600/narlan2.jpg"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 201px; DISPLAY: block; HEIGHT: 320px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5608858552294655730" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjcdw2LXaT1_Tdy5yDCsD3cKMC3EKqSAWPsI8VfCAQFremNKIb0pBQB_sMUnIhaRjNFDWnZppxQQfoGsBuqcUbNHQ317EUtX7hLKiqJxmE64GbpeA8uK68L6B8CL5g6KcTOtl72xq4-9KQ4/s320/narlan2.jpg" /></a>ELEGIA AO NOVO MUNDO<br /><br />Tu me perguntas meu amigo<br />Onde eu estive durante meu longo silêncio<br /><br /><span style="color:#ffffff;">.........</span>Estive na açucena das canas e na amargura dos canaviais<br /><span style="color:#ffffff;">......................</span>onde as folhas tremiam de medo dos homens<br /><br /><span style="color:#ffffff;">.........</span>Os canaviais me sussuraram em gritos horrendos<br /><span style="color:#ffffff;">.......................</span>o sangue amargo que lhe adocicou a boca<br /><span style="color:#ffffff;">.........</span>As mãos ásperas que lhe enxugaram a face<br /><span style="color:#ffffff;">.........</span>O canavial que morria de fome antes de completer 27 anos de idade<br /><span style="color:#ffffff;">.........</span>Das vozes sem estrela que embalavam ao longe línguas estranhas<br /><span style="color:#ffffff;">.........</span>Ó canavial verde, de que cor é meu sangue vermelho ?<br /><span style="color:#ffffff;">.........</span>Meu sangue tem medo da morte do açoite da noite<br /><span style="color:#ffffff;">.........</span>Meu sangue tem medo de mim<br /><br />Tu me perguntas meu amigo<br />Onde eu estive durante meu longo silêncio<br /><br /><span style="color:#ffffff;">.........</span>Eu estive nos navios negreiros mercantes<br /><span style="color:#ffffff;">.......................</span>que mercaram meu destino até a América até agora<br /><span style="color:#ffffff;">.........</span>beberam minhas lendas como se bebe um barril de rum podre<br /><span style="color:#ffffff;">........ </span>mercaram cada estrela do céu e do mar infinito<br /><span style="color:#ffffff;">.........</span>cada pássaro cada pluma de meu cocar<br /><span style="color:#ffffff;">.........</span>e desenharam mapas com meu sangue<br /><span style="color:#ffffff;">.........</span>e ergueram totens sobre minha tribo<br /><span style="color:#ffffff;">.........</span>e atearam fogo nos campos sagrados do meu povo<br /><span style="color:#ffffff;">.........</span>e suas lanças me repartiram as veias em continentes distantes diferentes<br /><br />Tu me perguntas meu amigo<br />Onde eu estive durante meu longo silêncio<br /><br /><span style="color:#ffffff;">..........</span>Estive pelas escumas dos mares nunca d’antes<br /><span style="color:#ffffff;">..........</span>Por onde vieram a pólvora a baioneta o espelho a tuberculose a siflis<br /><span style="color:#ffffff;">..........</span>Por onde vieram a espada e o elmo </p><br /><br /><p><span style="color:#ffffff;">....................................</span>As nuvens jamais se esquecerão disso! </p><br /><p>No atlântico negro<br />Nos tombadilhos de velhos navios piratas<br />Nos calabouços da crueldade humana<br />Nas prisões da Serra Leoa – que ainda doem em alguma dobra do meu corpo<br />Em Angola<br />Na Guiné-Bissau<br />No Senegal<br />No Benin<br />Estive no reino da Guatemala<br />E na provincia de Yucatán<br />E na provincia de Cartagena de las Indias<br />E nos grandes reinos e grande provincia do Peru<br />E no novo reino de Granada<br />E nas ilhas de Cuba e Trinidad<br />E nos reino dos Aztecas<br />Onde espadas de brutalidade fenderam meu corpo nu<br />Onde os cães de caça dos barões das índias se alimentavam dos braços e das pernas de crianças indefesas<br /><br />Tu me perguntas onde eu estive meu amigo<br />E somente agora posso quebrar meu silêncio:<br />Eu estive comigo. </p><br /><br /><p><em>O baiano Narlan Matos Teixeira é professor nos Estados Unidos, em Urbana-Champaign</em></p><br /><br /><p><strong>HENRIQUE WAGNER</strong> <img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 210px; DISPLAY: block; HEIGHT: 320px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5608858772694268802" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgSdq9iBHRhftOW-XwHFF8yMFYssiddSO0DMNNIMhWX7tbtH3WSVXGSj3HG4PGWeV0stWf6QhfcnSziSeX4KB9GRtjb1yMsQ_K4REydlooSHHkyu15eYgKh_NkoHOI-4MV41_CSooMGz25L/s320/henriquew.jpg" />AUTO-RETRATO<br /><br />Entre uma cidade<br />e outra, os bois<br />comem capim.<br />Os homens de baixa estatura<br />jogam tênis de mesa<br />e suas esposas fazem<br />uma sempre cheirosa<br />torta de maçã.<br />Não é que seja importante<br />o tipo de recheio ou a massa<br />usada na torta.<br />Há, no entanto, no tênis de mesa,<br />aqueles que ganham e aqueles<br />que perdem. Os homens<br />de alta estatura vivem<br />pendurados feito suas gravatas,<br />o rosto brilhando de suor.<br />Entre uma cidade<br />e outra, o cheiro é de<br />silêncio mastigado<br />e estrume de boi. E de vaca.<br /><br />PARA AMARRAR O CADARÇO<br /><em>a Sarah Kane<br /></em><br />Basta escolher mãos<br />pequenas e ágeis<br />e ler o Tesouro da Juventude<br />ao pé da letra.<br />É preferível usar<br />tênis vermelhos<br />a brancos, sempre.<br />Há que tirar manga<br />do pé e participar<br />das gincanas do colégio,<br />ainda que as mocinhas<br />finjam desprezo ou insatisfação.<br />Jamais esquecer que a mãe<br />faz a nossa vitamina<br />de banana, quando ainda<br />estamos bêbados de sono,<br />e no entanto, evitar<br />agradecimentos óbvios.<br />Encher o caderno<br />de dez matérias<br />com desenhos de monstros<br />nervosos e nojentos.<br />Fazer tudo o que possa<br />ser feito como se<br />não estivesse<br />usando óculos.<br />Deixar as calças rotas<br />de tanto cair no chão,<br />na hora da pelada,<br />e de vez em quando<br />ser chamado ao S.O.E.<br />Amar, distintamente, a namorada,<br />quando não for mais<br />possível amá-la<br />de verdade.<br />Porque o segredo mesmo<br />está na qualidade<br />do cadarço. </p><br /><br /><p><em>Henrique Wagner faz jornalismo cultural em Salvador</em></p>Sonia Coutinhohttp://www.blogger.com/profile/04190922525509515505noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-3739029828434107185.post-40478636813260518912011-05-20T10:32:00.002-07:002011-05-20T10:52:16.885-07:00CARLITO AZEVEDO<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjQK3NbOKBYeqco5ZMmuc7-k99UXB7d3EEoe_LTis6mudcMQX5Wu49oL6M8VHjTh_MUSVEdUBNAUzPkSetXlsrYwzDAw8W0B_7a4bVb_6Zn9CdniEc5EbwcqMPH-z_cEy5g4K6icUu8YBfY/s1600/carlito.jpg"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 160px; DISPLAY: block; HEIGHT: 213px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5608857493520353986" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjQK3NbOKBYeqco5ZMmuc7-k99UXB7d3EEoe_LTis6mudcMQX5Wu49oL6M8VHjTh_MUSVEdUBNAUzPkSetXlsrYwzDAw8W0B_7a4bVb_6Zn9CdniEc5EbwcqMPH-z_cEy5g4K6icUu8YBfY/s320/carlito.jpg" /></a><br /><strong>Apresentação do livro “Mil olhos de uma rosa”<br /></strong><br />“Mil olhos de uma rosa” constitui-se, já por sua depuração verbal, já por sua recusa a qualquer tentativa de dar um sentido ao sem-sentido de nossos dias, num dos mais indispensáveis livros de contos de nossa moderna literatura. E esses dois elementos, depuração e recusa ao ilusionismo, estão no cerne de cada escolha assumida e desenvolvida por Sonia Coutinho.<br />A começar pelo perfil das personagens, pessoas solitárias, sem entender bem como chegaram aí (há um “Inimigo Oculto” conspirando?), sem vislumbrar como possam sair disso. Mas se a solidão é uma, muitas são suas formas (mil olhos tem essa rosa doente e contemporânea, para lembrar o poema de William Blake): ela pode nascer da exacerbação do amor, l’amour fou, capaz de levar à loucura ou ao crime; mas também surge de seu extremo oposto, a diluição do amor em amizade erótica, irresponsável, desenergizada, l’amitié amoureuse de que se fala em “Camarão no jantar”.<br />No conto “Joie de vivre” insinua-se que a arte, eu mundo de cores e harmonias, em especial quando se trata, como é o caso, da arte de Henri Matisse, pode ser uma fuga. Mas, em outro conto, a presença aterradora de um Joseph Beuys, encarando um coiote que é a própria América, mostra que a arte apenas aparentemente é fuga: arte é risco. E a solidão tem a espessura da pintura metafísica de um De Chirico, outra presença sutil e incontornável do livro.<br />Apesar da exuberância da natureza no primeiro conto, que dá título ao volume, também a onda ecológica não constitui solução. Se no conto e abertura a “narrativa vegetal” parece sobrepujar a “narrativa policial” que se esboça, já no último conto, em sutil espelhamento com aquele, nenhuma “verdade” se acende, romanticamente, da presença da natureza.<br />Uma última e mais radical saída seria a morte, nossa única questão filosófica, segundo Camus. Não à toa são lembradas aqui a morte de Stefan Zweig, George Eliot e, mais sutilmente, através da citação de uma casa funerária chamada “Estrela da Manhã”, a “indesejada das gentes” de Manuel Bandeira, ou à morte a las cinco en punto de la tarde, do terrível refrão de Lorca.<br />Mas essa solução, talvez por ser a mais fácil, também não interessa.<br />Talvez não haja solução, ou melhor, um dos méritos da autora é saber que não cabe à arte oferecer soluções. O que há é a beleza, a coragem para a travessia.<br />Estranho paradoxo da arte: com sua força corrosiva, este novo livro de contos de Sonia Coutinho nos estimula para a vida.Sonia Coutinhohttp://www.blogger.com/profile/04190922525509515505noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3739029828434107185.post-14629659346721183932011-05-20T10:32:00.001-07:002011-05-20T10:50:03.361-07:00FUAD ATALA<strong><span style="font-size:85%;"></span></strong><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjIbN_Vuq7PGsauKhtiY4F1EVWKaBGy5NvMHNdcMp_r3tWQVNwozufWl9liFFGA_al0QBz9-unjK7occO1W_b4hXb45-ereYGC-BUrjhenM8fILTfK5km5lxfNxqA78If97U7sWDU3T0XaW/s1600/limabarreto2.jpg"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 177px; DISPLAY: block; HEIGHT: 232px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5608855609378085762" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjIbN_Vuq7PGsauKhtiY4F1EVWKaBGy5NvMHNdcMp_r3tWQVNwozufWl9liFFGA_al0QBz9-unjK7occO1W_b4hXb45-ereYGC-BUrjhenM8fILTfK5km5lxfNxqA78If97U7sWDU3T0XaW/s320/limabarreto2.jpg" /></a> <strong><span style="font-size:85%;">Lima Barreto, persona non grata na imprensa</span></strong><br /><br />A vida literária no Brasil sempre manteve estreitas ligações com o jornalismo. Um exemplo marcante foi o Correio da Manhã, jornal de oposição, fundado em 1901 pelo gaúcho Edmundo Bittencourt. Perseguido pela ditadura, o jornal deixou de circular em 1974. Aberto a todas as tendências, por suas páginas passaram os grandes nomes das nossas letras. De sua redação sairam inúmeros imortais para a Academia de Letras. Foi pioneiro em muitas iniciativas, criou suplementos e lançou concursos literários.<br />Seu surgimento, num momento de transformações tecnológicas no mundo, foi a grande novidade da imprensa na virada do século XX. Ao contrário dos demais órgãos, quase todos praticando a chamada “imprensa de balcão”, alugada ao governo, apresentou-se como jornal independente. Sem vínculos com grupos financeiros, governo ou partidos – não obstante sendo um jornal político – que, em nome da liberdade e da justiça, “para o bem do povo e do país”, viera para combater o poder dominante e todas as formas em que sua força corruptora se manifestasse.<br />Edmundo era de temperamento arrebatado, que perseguia obsessivamente a liberdade e o que considerava de justiça e de direito, para o bem da nação e do povo, do qual se dizia porta-voz e defensor. Tinha uma ética e seu nome era “ortografia da casa”. Essa ortografia ia muito além da simples representação de normas gramaticais, de fidelidade a regras e princípios. Ela incluía a conduta moral perante seus ideais de purificação do regime corrompido e dos corruptos em geral.<br />Ficou famoso o seu index, a lista negra cujos nomes não poderiam sob qualquer hipótese ser mencionados no jornal. Em nome dessa postura, Edmundo Bittencourt cultivou muitos desafetos. Pelo grau de virulência de suas críticas, que muitas vezes derivava para a injúria e a ofensa, causaram escândalo na época suas brigas com Carlos de Laet, ex-colaborador de primeira hora do jornal, José do Patrocínio, (o “tigre da abolição”, no dizer de Joaquim Nabuco), Alcindo Guanabara e o senador gaúcho Pinheiro Machado. um de seus maiores desafetos. Tendo se batido com ele num duelo a pistola na ainda remota praia de Ipanema, depois de meses seguidos de pesadas acusações e denúncias, Edmundo, inexperiente em balística, levou a pior, saindo ferido na perna por um tiro possivelmente sem intenção letal do exímio atirador que era Pinheiro Machado.<br />Um dos casos mais clamorosos foi o que ocorreu com Lima Barreto. Descoberto para a grande literatura brasileira somente depois de morto, o autor de “Clara dos Anjos” teve uma vida miserável, toda feita de frustrações, privações, crises de alcoolismo e internações em hospício. Carregava ainda a amargura de nunca ter tido oportunidade de provar seu talento.<br />Lima Barreto trabalhou no Correio da Manhã em 1905. Atribui-se a ele a série de artigos sobre descobertas arqueológicas ocorridas durante a abertura da Avenida Central, atual Rio Branco, e a demolição do Morro do Castelo. O escritor conheceu a redação do Correio da Manhã por dentro e provou de perto das manifestações do caráter dominador de seu dono.<br />Em 1909, depois de enfrentar toda sorte de barreiras, Lima Barreto publicou “Recordações do escrivão Isaías Caminha”, um romance à clef, com todos os ingredientes de uma vingança contra o meio que o rejeitava.<br />O “Isaías” é um livro áspero, amargo, escrito no estilo dos antigos romances de chave. Em suas páginas, Lima Barreto destila forte agressividade contra instituições como o Exército, do qual foi funcionário, a imprensa em geral e a sociedade, que ele tanto desprezava. Ali estão estampados também os preconceitos que alimentava, além de extravasar seu ressentimento – sentia-se discriminado por causa da cor - contra as injustiças que sofria do meio em que trabalhava.<br />O principal personagem do livro é o próprio Correio da Manhã, logo o jornal mais poderoso da época, do qual o escritor faz uma sátira mordaz. O romancista o descreve como “um museu de mediocridades”, a cuja frente estava um “diretor violento, mestre de descomposturas”, que “destruía reputações em nome da moral”. Ali estava o Edmundo Bittencourt que ele sentira bem próximo. Para Lima Barreto, esse diretor não passava de um “êmulo de Tartufo, corrupto e devasso”.<br />Os personagens foram identificados por vários pesquisadores que desvendaram a chave de “Recordações do escrivão Isaías Caminhas”. Para Gondim da Fonseca, Ricardo Loberant era Edmundo Bittencourt. Os demais personagens são quase todos do jornal.<br />Como era previsível, o livro foi mal recebido. A imprensa praticamente o ignorou. Quanto ao Correio da Manhã, o mais satirizado, manteve-se em olímpico mutismo, permanecendo a obra e seu autor no temível index por muitos anos. Uma postura típica do “espírito da casa”.<br />Em seu “Diário íntimo”, o autor acusaria o golpe. Comentando a pequeníssima repercussão na imprensa, Lima Barreto cita O Paiz e A Tribuna como os únicos que se ocuparam da obra. Quanto ao Correio, registrou: “...nenhuma linha... era esperado”.<br /><br /><br /><em>Este texto faz parte do livro "Correio da Manhã - Réquiem para um leão indomado", em preparo por Fuad Atala, que iniciou sua carreira no jornal. Fuad foi também secretário de redação e editor de "O GLOBO", em duas oportunidades, e teve breves passagens por "Última Hora" e "Jornal do Commercio". No livro, ele traça um perfil do polêmico proprietário do “Correio da Manhã,” Edmundo Bittencourt. Fuad Atala é autor do romance “Os ratos de São Sebastião" e co-autor do livro ecológico "Floresta da Tijuca". Também escreveu monografias sobre o maestro e compositor Alceo Bocchino e as pianistas Magdalena Tagliaferro e Guiomar Novais. </em>Sonia Coutinhohttp://www.blogger.com/profile/04190922525509515505noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-3739029828434107185.post-61951990817841782372011-05-20T10:32:00.000-07:002011-05-20T10:41:45.725-07:00A REBELIÃO DAS TINTAS<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj-ba-kOrsX-npfgLTBuzaesKG4MVryzHHsMdL5y5LUV2a6jqGPqr4lrGBCTWLS21btrYhJSZDWFq4DzHKeHdCKNQD-woNOCjws-D_Y61baxfq2BG-i-xY-AcPpPDl7XEB9L06vyeUcPBQ9/s1600/chicocolorido.jpg"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 320px; height: 240px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj-ba-kOrsX-npfgLTBuzaesKG4MVryzHHsMdL5y5LUV2a6jqGPqr4lrGBCTWLS21btrYhJSZDWFq4DzHKeHdCKNQD-woNOCjws-D_Y61baxfq2BG-i-xY-AcPpPDl7XEB9L06vyeUcPBQ9/s320/chicocolorido.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5608853737528441586" /></a><br />Assustado com a explosão de cores, Chico Cunha sai correndo da sua sala de aulas, na Escola de Artes Visuais, no Parque Lage.<br /><br /><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiBNYVnoQ986TZpOiLFp5J5p3XAxS3sR_D6Vd6z-PvVcBuuyKiTeJ52B7137O9nrdDTS4zZdSpI0lmyXV5Cf5M18q3suN09gCt0DE9VgQ9GY8kDHIsDpWBH9OFFrmmfb5Dg_SJECa2c5U7d/s1600/chicoplage.jpg"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 320px; height: 240px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiBNYVnoQ986TZpOiLFp5J5p3XAxS3sR_D6Vd6z-PvVcBuuyKiTeJ52B7137O9nrdDTS4zZdSpI0lmyXV5Cf5M18q3suN09gCt0DE9VgQ9GY8kDHIsDpWBH9OFFrmmfb5Dg_SJECa2c5U7d/s320/chicoplage.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5608854264311556274" /></a><br />Pouco depois, as tintas parecem que se assentaram em toda parte, mas estão calmas. E, perto da piscina, Chico arrisca afinal um meio sorriso.Sonia Coutinhohttp://www.blogger.com/profile/04190922525509515505noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3739029828434107185.post-28973525327307736232011-03-07T10:44:00.000-08:002011-03-07T10:50:36.086-08:00ORQUÍDEAS PARA CLARICE<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEghYpGYijCEOVMGDURByJ_SZ0RPG6A6IeRS50m44EvJ8Sllv2L91rGwcn8rxhga_Hxy2WkcI-ZiGFaUb8y5zFb_LdMzIx_drnASu5tFCvBrNfRDxAyD1w20zz5eRnXL_VwFSOKxaAd_3W2y/s1600/orquideaslindas.jpg"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 320px; DISPLAY: block; HEIGHT: 240px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5581411278246068242" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEghYpGYijCEOVMGDURByJ_SZ0RPG6A6IeRS50m44EvJ8Sllv2L91rGwcn8rxhga_Hxy2WkcI-ZiGFaUb8y5zFb_LdMzIx_drnASu5tFCvBrNfRDxAyD1w20zz5eRnXL_VwFSOKxaAd_3W2y/s320/orquideaslindas.jpg" /></a><br /><div><strong>Conto de Sonia Coutinho</strong><br /><br /><em>Conto com minhas palavras a história de Vera, tal como ela me contou, no dia em que foi internada.<br /></em>Acorda muito cedo, como costuma fazer agora. Sim, agora que estou quase velha, pensa Vera, com uma naturalidade que jamais imaginaria alcançar, apenas poucos anos atrás, com relação a esse assunto. Mas, de repente, numa longa situação de divorciada sem filhos, está chegando aos 57 anos.<br />(E, o pior, sem se livrar dos resíduos de uma Dolorida Paixão por um homem dez anos mais novo e casado, o belo Henrique.)<br />Ainda está escuro, Vera acende a luz do abajur. Dá uma rápida olhada no despertador, cuja campainha jamais toca (ela sempre acorda antes da hora), e vê que são quatro da madrugada.<br />Na mesinha de cabeceira, junto do relógio, está o romance “A maçã no escuro” e, com a ponta presa embaixo dele, um pedaço de papel com anotações feitas por ela, dias atrás.<br />Vera pega o papel, lê:<br /><br />“Encontrei Van Gogh, esta manhã, no Jardim Botânico.<br />Foi perto do Rio dos Macacos, que corre paralelo à Pacheco Leão. Dali dá para ver os carros passando na rua, mas não há nenhum ruído de trânsito, apenas o doce murmúrio da água correndo.<br />Fiquei algum tempo de olhos fechados, ouvindo.<br />Quando abri os olhos, levei um susto: havia um homem parado à minha frente. À primeira vista, não o identifiquei.<br />Vi apenas que era um tipo estranho e estrangeiro: pele muito clara, nariz adunco, barba ruiva, usando um chapéu com as abas bem voltadas para cima.<br />Quando fixei a atenção em seu olho direito, ligeiramente arregalado, o olho que ele usou como eixo de vários dos seus auto-retratos, tive a certeza: era Van Gogh.<br />Usava um casaco de um azul escuro mas vivo, resplandecente; e, notando que eu o observava, Van Gogh disse:<br />- O azul cobalto é uma cor divina, não há nada tão belo para colocar em torno dos objetos.<br />E prosseguiu, como se divagasse:<br />- Já o carmim é o vermelho do vinho, e é quente e estimulante como o próprio vinho.”<br /><br />Vera esconde rapidamente o papel entre as páginas do livro.<br />E pergunta a si mesma se deve conversar a respeito com o Dr. Fabiano. Vai ao consultório dele na próxima quarta-feira. Talvez deva tomar coragem, afinal, e contar tudo. Sim, sobre as aparições.<br />A leitura da anotação sobre Van Gogh a deixou com uma sensação esquisita, como se saísse de um sonho pesado – sim, esse sonho intenso que chamam de realidade, pensa Vera.<br />Dá um pulo da cama e, usando apenas uma velha camiseta comprida, vai até o quarto que chama de “meu gabinete” e se senta diante do computador. Acessa a internet, mas não há e-mails novos, o que aumenta sua sensação de solidão.<br /><br />Segue para a cozinha, prepara um café com leite, pega umas torradas do tipo que já vem pronto e embalado e uma caixa de queijo cremoso. Enquanto toma o café, pensa outra vez em Henrique. Não é um pensamento saudável, mas não consegue evitá-lo.<br />Na véspera, um pintor de paredes lhe falara dele.<br />Uns dois anos antes, Seu Simão tinha pintando o teto do seu banheiro, que a umidade deixara cheio de bolhas e descascado. Foi indicado por Henrique, para quem costumava trabalhar.<br />Vera agora chamara Seu Simão para conversar sobre a pintura da sua sala, manchada por um vazamento.<br />Fora um vazamento esquisito. Ela estava no quarto, deitada, quando sentiu aquele repentino cheiro de coisa molhada. Correu ao banheiro, viu que havia um líquido escuro no piso. Na sala, uma parede já estava coberta por grandes borrões avermelhados.<br />Agora, quando acorda antes do amanhecer e vai até a sala, tem certeza de que são manchas de sangue. Sim, alguém foi assassinado no apartamento de cima e seu sangue escorreu rapidamente do teto até o chão da sua sala.<br />- Quero toda branco neve - ela disse a Seu Simão.<br />Estava praticamente tudo combinado, quando ele perguntou:<br />- E o Doutor?<br />Com um choque, Vera percebeu que se referia a Henrique.<br />Como ousava? Mas concluiu que devia ser por causa do indevido tom afetivo com que tratava aquele pintor, e só porque ele fora indicado por Henrique.<br />Enquanto pintava seu banheiro, Seu Simão encontrara Henrique mais de uma vez em seu apartamento - e devia ter tirado suas conclusões. Embora ultrajada, Vera respondeu à pergunta dele.<br />- Não falo com Henrique há muito tempo.<br />Diante disso, o pintor, animado, continuou:<br />- Trabalhei para ele no mês passado. Henrique deixou a mulher, está morando com uma moça bonita, muito nova. – E acrescentou: - Ela tem o mesmo nome que a senhora, Vera.<br /><br />Desde que pararam de fazer amor, sempre doía um pouco pensar em Henrique, mas não uma dor tão forte como ela sentiu com a revelação do Seu Simão.<br />A paixão por Henrique fora substituída por uma amizade-capaz-de-provocar-lágrimas. As palavras do pintor foram como uma punhalada, de punhal-que-não-pode-ser-arrancado.<br />Vera voltou atrás quanto à pintura da sala, mentiu que talvez os proprietários do apartamento de cima, que pagariam tudo, já tivessem falado com outro pintor.<br />Verificaria isso e telefonaria para Seu Simão no dia seguinte, disse - já abrindo rapidamente a porta para que ele fosse embora.<br /><br />Quando acaba de tomar o café, aproxima-se da mesa da sala, onde está todo o seu material de artesanato.<br />Tubos de tinta, pincéis enfiados numa garrafa plástica cortada pela metade, godês, pequenos recipientes, um trapo. Desde que se aposentou como professora de francês, é o que anda fazendo. E seu apartamento deixou de ter um aspecto civilizado, transformou-se num desarrumado ateliê.<br />Senta-se perto da mesa, na cadeira de plástico branco onde trabalha, o chão coberto por jornais estendidos.<br />Pega uma caixa de madeira crua e começa a lixá-la.<br />Depois, despeja um pouco de tinta branca PVA numa tigela e, com um pincel e um rolinho, vai pintando a caixa e alisando a tinta.<br />Separa tubos de tinta - azul ftalocianina, azul turquesa, rosa meio lilás, amarelo limão, laca gerânio, sombra natural.<br />Na tampa, colará o xérox da foto de Clarice Lispector.<br />Na caixa anterior, tinha usado a reprodução de um auto-retrato de Frida Kahlo.<br /><br />A esta altura, o dia já clareou, Vera apaga as luzes.<br />Põe a caixa meio trabalhada na mesa, em cima de um plástico. Termino quando voltar do Jardim Botânico, pensa.<br />Quer chegar cedo para sua caminhada diária, para aproveitar enquanto aquilo não está cheio de gente.<br />Toma um banho rápido, enfia umas calças de moleton, uma camiseta, uns tênis, desce pela escada mesmo até a garagem, entra em seu velho carrinho. Com o trânsito escasso das seis da manhã, chega ao Jardim em dez minutos.<br />Tem sempre o mesmo espanto, quando entra aqui. É lindo.<br />O frescor da manhã, o canto dos pássaros.<br />Vai caminhando.<br />No Jardim Japonês, espia as gordas carpas, manchadas de vermelho, branco e preto.<br />Mas sua favorita é a dourada, que procura com o olhar.<br />Segue adiante, pisando nas folhas avermelhadas, porque é outono, que cobrem a terra batida das veredas.<br />Parada agora na margem do Lago, observa a água caindo perpetuamente da jarra que a estátua de Tétis tem nas mãos.<br />Agora, está bem embaixo de um grupo de macacos, que pulam de um galho para outro. São bichos saudáveis, pêlos limpos e luzidios, suas caras quase humanas.<br /></div><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEikmbH95mHDowJCYE3gu-3zAYzCNIdXBAGbSOWzcHL7PRBZEBA2z-xnvFxN-uDNUxj5wDqMoi-zw_L5UC11dIa6hLRGmWzmZthqcO_FRNqGC4p4vza5Z6VMOqBg4KHgTQWfGVYHLwIoO0Ck/s1600/clarice.jpg"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 114px; DISPLAY: block; HEIGHT: 114px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5581411511005049490" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEikmbH95mHDowJCYE3gu-3zAYzCNIdXBAGbSOWzcHL7PRBZEBA2z-xnvFxN-uDNUxj5wDqMoi-zw_L5UC11dIa6hLRGmWzmZthqcO_FRNqGC4p4vza5Z6VMOqBg4KHgTQWfGVYHLwIoO0Ck/s320/clarice.jpg" /></a> Quando chega ao orquidário, a porta está inesperadamente aberta, embora o guarda que fica ali de vigia ainda não tenha chegado. Aproxima-se da porta e, antes mesmo de entrar, vê uma mulher lá dentro, em meio às orquídeas.<br />Na vazia solidão da manhã, a mulher magra, elegante, o rosto bem maquilado, com as maçãs salientes. Seu vestido de seda estampada com pequenas flores, Vera observa. Decote quadrado, cintura justa, saia na altura dos joelhos, parecidos com os que sua mãe usava, lá pelos anos 60.<br />Ficam as duas ali, se encarando.<br /><br />Claro, é ela, pensa Vera, é ela com a aparência que tinha, quando era jovem e casada com um diplomata.<br />- Clarice... – diz Vera, num sussurro.<br />Aproxima-se da outra com uma sensação de encontro inevitável, que mais cedo ou mais tarde teria de acontecer.<br />E Clarice diz, com sua voz rouca, que parece ter um leve sotaque estrangeiro (mas Vera sabe que a alteração é causada por um defeito em sua língua):<br />- Não se sabe de onde se vem, nem se sabe para onde se vai, mas que experimentamos, experimentamos! E é isto o que temos.<br />- Eu queria tanto entender – diz Vera.<br />- É tolice não entender – responde Clarice. - Só não entende quem não quer. Porque entender é um modo de olhar. Porque entender, aliás, é uma atitude. Como se, estendendo a mão no escuro e pegando uma maçã, a gente a reconhecesse, nos dedos tão desajeitados pelo amor uma maçã. Não peço mais o nome das coisas. Basta reconhecê-las, no escuro. E me rejubilar, desajeitada.<br />- Você sente esse júbilo, essa alegria? – pergunta Vera.<br />- Às vezes me basta tanto ser uma pessoa que acorda de manhã. Bastam-me a terra enevoada e as árvores frescas. A corrente da graça é forte, de manhã, e ter um corpo que vive me basta. Apesar de tudo, morremos estranhamente felizes: submissos à perfeição que nos usa.<br />Vera pronuncia palavras ao acaso.<br />- Amor, morte, mistério.<br />E Clarice diz:<br />- Quem aceita o mistério do amor aceita o da morte; quem aceita que um corpo que se ignora cumpra o seu destino, então aceita que o nosso destino nos ultrapassa, isto é, morremos.<br />Clarice se cala e Vera percebe que ela se movimenta, vagarosamente, em direção à saída do orquidário.<br />- Clarice... – fala Vera, baixinho, com uma vontade imensa de lhe oferecer algumas orquídeas, escolhendo amplamente entre as brancas, amarelas, lilases, pintalgadas, de todos os formatos.<br />Mas fica paralisada, muda. E, quando sai do orquidário, vê que Clarice desapareceu.<br />Caminha para o estacionamento do Jardim, entra em seu carro e segue para seu apartamento, onde o cotidiano se reinstala.<br /><br />Vera volta a pensar em Henrique.<br />Uma longa história. Que se passou, mais do que em qualquer outra parte, em sua imaginação mesmo.<br />Agora, tem um forte impulso e nem pensa em resistir - vai até o telefone e liga para o celular dele, o que não fazia há muito tempo.<br />Pergunta:<br />- É verdade que você se separou da sua mulher e se casou de novo?<br />- Mas que idéia, de onde você tirou isso? – diz Henrique.<br />- Seu Simão, o pintor, me contou.<br />- Ele não sabe do que está falando.<br />- É com aquela moça com quem vi você, outro dia, em Ipanema, que está casado agora?<br />- Ora, quer saber de uma coisa? Quem me dera que eu estivesse mesmo casado com ela!<br />Vera desliga, arrasada. E claro que jamais saberá se é verdade ou mentira, Henrique nunca lhe deu sequer seu endereço, tem apenas o número do seu celular.<br /><br />Vera vai para a cadeira de plástico branco, junto da mesa com o material de artesanato.<br />Dá uns últimos retoques na pintura da caixa e depois cola na tampa o xérox de uma foto de Clarice Lispector.<br />Mais tarde, antes de dormir, abre as últimas páginas de “A maçã no escuro” e lê: “E, quem sabe, a sua seria a história de uma impossibilidade tocada. Do modo como podia ser tocada: quando dedos sentem no silêncio do pulso a veia.”<br />Não, claro que não dirá nada sobre isso ao Dr. Fabiano, quando for ao consultório dele, na quarta-feira.<br /><br /><em>Este conto está aqui a pedido, de pessoas que leram um trecho dele no Facebook. É inédito em livro.<br /></em>Sonia Coutinhohttp://www.blogger.com/profile/04190922525509515505noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-3739029828434107185.post-43955222729620203412011-03-07T10:41:00.000-08:002011-03-07T10:43:02.633-08:00CARLITO AZEVEDO<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhaNLjExRCGnz254bPVfvhy3txHK8v7QOtAleUz5bzu6jJAYoGAPFFHzmu0dxyxbkiwz-ek0MkqQafJHIs2HCb3p8OUJ7cUZ6lFvSSekKEv6eAZT2nD6nXBdkbY4u1Uth3MVz-Cdg-K-q8n/s1600/anjocarlito.jpg"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 320px; DISPLAY: block; HEIGHT: 240px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5581410351530615010" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhaNLjExRCGnz254bPVfvhy3txHK8v7QOtAleUz5bzu6jJAYoGAPFFHzmu0dxyxbkiwz-ek0MkqQafJHIs2HCb3p8OUJ7cUZ6lFvSSekKEv6eAZT2nD6nXBdkbY4u1Uth3MVz-Cdg-K-q8n/s320/anjocarlito.jpg" /></a><br /><div><strong>O ANJO FOGE</strong><br /><br />Foi quando você descobriu que tinha um tumor no cérebro. Quando sonhava todas as noites com um enorme retângulo de água. Quando teve que tentar com o outro mapa. Quando o alarido eletrônico de um bando de maritacas entrou por sua janela. Quando constatou-se a covardia da expedição. Quando ninguém mais dava atenção à morte dos naturalistas. Um ano antes, você chegava às Ilhas Lofoten. E lhe mostraram o quarto exíguo que dali em diante seria a sua casa. Uma cama e um pequeno armário com um copo de vidro virado para baixo e uma garrafa de água. Foi quando deitou na cama com o seu walkman e passou os primeiros dias ouvindo as fitas cassete que encontrou numa caixa de sapatos sob a cama, cheias de gravações de vozes de pessoas cujas feições tentava imaginar: “En el vacio la velocidad no osa compararse, pude acariciar el infinito” ou “el dicho ‘angel boxeador’ se instaló en Crimea; al cabo de un año, en Sujumi, después en El Kubán, en Besarabia. En el país tocaran alarma.” Em outra fita, uma mulher diz em polonês que lhe arrancaram tudo por dentro. Mas já faz muito tempo. Agora, cansado, você encosta o rosto na escotilha.<br /><br /><em>Carlito Azevedo nasceu no Rio em 1961. Recebeu o Jabuti por seu primeiro livro, “Collapsus linguae”. Sua antologia “Sublunar” recebeu o Prêmio Alphonsus Guimarães da Biblioteca Nacional. “O anjo foge” está em seu mais livro mais recente, o quarto, “Monodrama”, da 7 Letras, finalista do Telecom.</em> </div>Sonia Coutinhohttp://www.blogger.com/profile/04190922525509515505noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3739029828434107185.post-16467021634977672182011-03-07T10:33:00.000-08:002011-03-07T10:40:57.019-08:00DOIS CONTOS DE ANDRÉ GIUSTI<span style="font-size:78%;">André Giusti</span><br /><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjILm2UdHCMgy9KRpEU3OjsT7tHJzgeW-xGU07HMz5OEpXifnifhHhx65C43uuYSHM5px5iM9EMilH-RJ_XaD1Y8QaLk1uB1iT5S0dubGfe6TtWnpljGxZNvq5Ou7cmPyscXibz5i2MUncY/s1600/big-7-1-2010-foto_andre2.jpg"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 320px; DISPLAY: block; HEIGHT: 240px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5581408632917278450" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjILm2UdHCMgy9KRpEU3OjsT7tHJzgeW-xGU07HMz5OEpXifnifhHhx65C43uuYSHM5px5iM9EMilH-RJ_XaD1Y8QaLk1uB1iT5S0dubGfe6TtWnpljGxZNvq5Ou7cmPyscXibz5i2MUncY/s320/big-7-1-2010-foto_andre2.jpg" /></a><br /><div><strong>Domingo, 20 anos depois.<br /></strong><br />Rique</div><div>Afundado na poltrona encardida que me coube na partilha do divórcio, consigo ver as horas: faltam oito minutos para acabar o dia do meu aniversário de quarenta anos.<br /><br />Cansados os dedos no controle da TV, acabei parando num desses seriados que fazem tanto sucesso hoje em dia. É esse tal em que um bando de gente tenta sobreviver numa ilha, ou babaquice que o valha. Jamais gastei meus olhos vendo um capítulo sequer. Conheço de ouvir falar, do que pesco das conversas dos jovens lá do trabalho. Embromam o serviço, de quinze em quinze minutos vão ao cantinho do café falar desses seriados, da vida dos personagens. E contam também uns aos outros sobre festas, lugares, shows, planos e sonhos. Dão gargalhadas, vibram; há os que se emocionam, e todos mostram que acreditam mesmo no que estão falando, no que poderão fazer, no que querem que aconteça. Eles têm o tempo da convicção, Rique. Veja como são belos esses jovens pulando com aqueles penduricalhos eletrônicos no pescoço nos anúncios de celular, passando no metrô com uns grampos no nariz e nos supercílios. Eles baixam posts, Rique, trocam piadas, confidências, declarações de amor pelo twitter, criam comunidades, gostam de samba-jazz-pop-rock-baião-tecno, vão para a Austrália aprimorar o inglês e morar na casa de uma família que nunca viram. A vida lhes pertence, como um dia, lá por 1986 ou 7, nos pertenceu.<br /><br />Mas hoje, Rique, a única coisa que temos é quarenta anos, não nos sobrou muito mais do que essa incógnita meia-idade, casamentos desfeitos e um ou outro episódio de alcoolismo. O passado é alguém que ri ou chora no quarto dos fundos, Rique, e eu não tenho saco nenhum para quem adora seriados de TV.<br /><br />Ano após ano foi diminuindo o número de pessoas que me ligavam no dia do meu aniversário. No último, foram uma ou duas, se bem lembro, até que este ano a coisa zerou: faltam sete minutos para a meia-noite e ninguém ligou no dia do meu aniversário de quarenta anos. E certamente será mais fácil que algum dos idiotas desse seriado consiga fugir da bosta dessa ilha do que esse telefone tocar daqui para a meia-noite.<br /><br />Até que acordei bem, fiz barba, tomei banho, pus roupa nova, uma camiseta e uma bermuda. A camiseta foi minha filha quem deu, veio aqui na quinta-feira com o pretexto de que não poderia vir hoje, que viajaria prum mato escondido do mundo com sei lá quem ou para quê. Ficou dez minutos protocolares, obrigatórios, atendeu duas vezes o celular, não perguntou nada da minha vida, não me falou nada sobre a dela. A bermuda foi minha irmã, mandou que uma afilhada comprasse e viesse aqui entregar. Velha e diabética, não sai de casa porque tem síndrome de pânico; surda, não telefona porque não ouve quem fala do outro lado da linha.<br /><br />Ainda animado, preparei um almoço razoável aqui em casa. Fui à padaria, comprei um frango. Da rua trouxe também nhoque. Bebi até vinho. Depois de duas taças, senti que me tocavam a alma umas certas expectativa e esperança, no quê e em quê, não sei dizer. Há sentimentos que com o passar dos anos tornam-se intrusos na alma como forasteiros em uma cidade inóspita. E como eram mesmo absurdas, já foram embora, Rique, a expectativa e a esperança. Seguiram a euforia da leve embriaguez do vinho, tomaram o rumo da tarde rosada de outono, não esperaram a noite acender as lâmpadas econômicas de minha casa, me deixaram feito mães desesperadas que abandonam no lixo filhos recém-nascidos.<br /><br />O som da TV continua se perdendo no nada da minha cabeça, como água corrente que cai em uma gruta sem fundo. O filme vai e volta do comercial no mesmo espaço de tempo em que a digital do relógio salta duas vezes avançando o domingo para o fim. Feito um helicóptero que dá rasantes em um campo devastado pela guerra, me volta à lembrança a idéia que fiz deste meu aniversário de quarenta anos na época em que eu, você, tínhamos apenas vinte.<br /><br />Se contássemos, pareceria inverossímel aos meninos que vêem esses seriados que um dia tivemos vinte anos. Besta que eu era, pensei que num dia como hoje eu ganharia festa surpresa, amigos tantos acendendo as luzes, dando vivas aos berros no momento em que eu, inocente, abrisse a porta de casa, uma grande e moderna casa de estilo e bom gosto num bairro de classe-média elegante. Batendo espantado a porta atrás de mim, eu jogaria nas costas de uma cadeira de palha meu paletó de fino corte, deixaria também de lado minha pasta executiva de couro bom e receberia logo teu abraço, heróico amigo de fidelidade concretada pela alegria e pela tristeza. Abriria, então, os braços para receber outros afagos, mas no fundo achando previsível que me aprontassem uma daquelas, porque afinal eu seria um jornalista consagrado, expoente de minha geração, repleto de boas e influentes relações, e como tal me ladeavam pessoas do mesmo quilate, tão influentes quanto eu e você, colecionadores de discípulos e admiradores.<br /><br />Recompondo-me feliz do baque, alguém de nosso séquito pediria então que nos ombreássemos para a foto eterna do dia do meu aniversário de quarenta anos. Queriam ver lado-a-lado os dois jornalistas que derrubaram um presidente, trouxeram à tona os horrores da ditadura militar, revelaram esquemas cruéis do narcotráfico na América Latina, tal como se fôssemos, transportados para a realidade, personagens encarnados de Frederick Forsyth. Lembra, Rique? Dossiê Odessa, que compramos juntos e dividimos a leitura, um dia eu, um dia você, para resumir e entregar como trabalho de faculdade.<br /><br />Ao passo que devorava as páginas, ficava claro em minha mente trouxa que sairíamos de uma história de Forsyth para a vida real: destemidos repórteres atravessando uma noite de natal obtendo informações sigilosas da fonte mais importante, a peça crucial do elo entre o corrupto ditador chileno e o governo brasileiro no plano para desenvolver a bomba atômica. Da redação varando a madrugada escrevendo linhas bombásticas, iríamos para casa com as primeiras luzes do dia, sabendo que o país já não era mais o mesmo tendo chegado às bancas o jornal com nossa reportagem. No sossego do ninho, Maria Lúcia aflita, tua mulher aflita, esperam com um resto da ceia aqueles homens exaustos e felizes, insones cumpridores do dever, no aguardo sempre de ir atrás de uma investigação na França, revelar uma missão secreta no Cairo, embarcar numa incursão ao Marrocos.<br /><br />Não desestabilizei governos, não abalei qualquer estrutura. Sequer fui ao Paraguai alguma vez em minha vida. Alcancei, no máximo, ser por algum tempo manejo barato dos barões da imprensa a troco do aluguel e do colégio da filha. Também não casei com Maria Lúcia, o que, na minha certeza embotada de ilusão, aconteceria. Ela e seu garbo de Lady of Lake, porte aristocrático de quem viveu na Irlanda no século treze ou na Inglaterra em 1964, bem a tempo de ver um show dos Beatles. Maria Lúcia brincou comigo de princesa, de fadinha dois ou três anos, me desprezou quando eu tinha uns vinte e um e acendeu pela primeira vez uma luz de advertência de que meus sonhos de otário poderiam não ter sido concretizados quando eu tivesse quarenta anos.<br /><br />É breve o tempo em que repasso essas algumas coisas que a vida não me deu. Ao menos possuo uma certa tristeza resignada, que chega a me trazer uma quase paz.<br /><br />Pouco mais de outro minuto já foi embora, aproximando mais do passado o dia do meu aniversário de quarenta anos. Da poltrona onde atravessei inerte a noite, acompanho com os olhos baços o facho decrépito de luz da TV incidindo justamente sobre o livro de Forsyth. Ele acabou ficando comigo, depois que a frustração desbotou todo o imaginário da nossa juventude, e como castigo por eu ter sonhado demais, me transformou em tolo funcionário da empresa de água e esgoto, sem admiradores e séquito de discípulos, sem ninguém que apareça de surpresa nesse quarto-e-sala, o único canto que deu para comprar no subúrbio de onde jamais consegui sair.<br /><br />Meia-noite, Rique. Acabou o dia, os babacas não acharam a saída da ilha nem você ligou.<br /><br />Ano que vem faço quarenta e um anos.<br /><br /></div><strong></strong><div><strong>O Corredor</strong><br /><br /></div><span style="font-size:78%;">Gravura de Sante Scaldaferri</span><br /><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 320px; DISPLAY: block; HEIGHT: 238px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5581408936844370482" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhuDHAOanFu7qSUZglRiCeFqSqWp9urtWOipjQmtPeX1F0UltcysAPV_F3gDNoFkm0wkNotyUoHqPzbFc9xrU7WyIXntH1zERyoozAaz5neS2o5vt8201mbGmyQgzO5B4LzbaYpUVoLa-v6/s320/2551.jpg" /><br />O cardiologista então respondeu que mesmo as pessoas que fizeram eletrocardiograma recentemente e não apresentaram qualquer problema não estão livres de ter um enfarte de uma hora para outra. Sei, sei, fez o apresentador da rádio. O médico prosseguiu explicando que homens de trinta e cinco a quarenta e cinco anos devem redobrar os cuidados. Certo, certo. Nesses, o chamado enfarte do miocárdio pode ser fulminante, em questão de segundos, sem tempo para socorro. Claro, claro, pontuava o homem do microfone.<br /><br />Puxou o cadarço do tênis com força para firmar bem o calçado no pé direito, mas antes de dar o laço parou um momento, esperando que falassem mais sobre homens de sua idade. Aos trinta e seis anos começou a fazer exames regularmente, hemograma, eletro. Só que há mais de um ano sequer ia ao médico, desde que perdera o direito a plano de saúde.<br /><br />Sei, sei, e o médico lembrou que o pior horário para se morrer do coração era aquele mesmo, nove, dez da manhã, as artérias estavam mais contritas. E na hora em que o doutor ia explicar o resto, ele esticou o cadarço do outro pé do tênis, dessa vez com mais força que o necessário. Arrebentou. Após o barulho seco de matéria partindo, metade do cordão ficou pendente de sua mão para o nada. Irritado, perdeu a resposta do médico e acabou desligando o rádio.<br /><br />Outro dia, na mesma estação, também disseram que um tênis de corrida aguenta no máximo quinhentos quilômetros. Ele corria de cinco a dez todos os dias e o tênis era o mesmo há mais de um ano. Por isso aquele cadarço se desfazendo e o solado totalmente gasto, principalmente nas bordas externas por causa de sua pisada acentuada nas laterais. Os especialistas diziam que um tênis velho e gasto traz problemas às articulações, provoca dores nos joelhos. Mas como não sentisse nada, seguia correndo com seu tênis desbeiçado, o emblema da Nike se desprendendo.<br /><br />Tirou o cadarço partido para aproveitá-lo de acordo com o tamanho que ficou. Ficaram faltando uns dez centímetros. Conseguiu acertar um nó grotesco. Era ver se ele não desatava com o ritmo das passadas.<br /><br />Esticou a perna no parapeito da cozinha, alongou a parte de trás da coxa. Repetiu o movimento com a outra perna e depois foi para o degrau baixinho da porta que levava ao pequeno quintal. Ali, apoiava apenas a ponta do pé, deixando que o peso do corpo desabasse sobre os calcanhares, alongando as panturrilhas. Fez mais duas ou três posições, mas perdeu apenas quinze segundos em cada uma. Geralmente gastava o dobro, gostava de sentir os músculos bem esticados antes de correr, mas é que em cima da mesa repousava a lista e o dinheiro da mulher para o supermercado, a letra dela complementando o bilhete: pegar as crianças, o banho, o almoço delas, e já eram quase dez da manhã.<br /><br />Bateu a porta de casa, meia-água da casa grande dos sogros, depósito de tralhas que a família foi juntando ao longo dos anos. As tralhas tomaram o rumo da caridade quando ele, a mulher e as crianças foram viver ali há mais de um ano. Ele precisou aceitar o favor que o livrou da angústia do aluguel e o jogou nos braços de outra, a do próprio favor de morar sem poder pagar, de enfrentar nos almoços de domingo a condenação disfarçada nos olhos dos cunhados. Engolia essa última porque ao menos ela não vinha com ameaça de despejo.<br /><br />Passou beirando a casa principal e logo chegou à rua. Tentou ser rápido para evitar o encontro com qualquer um que fosse, mas a sogra olhava o tempo na varanda. Disse que depois iria lá, levar umas roupinhas para as crianças, que papel de vô e vó é esse mesmo, ajudar quando se precisa. O problema da frase é que ela tinha outro significado, outras palavras vestidas daquelas: ajudar porque o pai não anda, não resolve, não deslancha. A sogra calou, ficou vendo-o bater o portão, ganhar a esquina depois de virar mancha confusa o mesmo short largo de sempre com a camiseta desbotada do time. Uma vez, assim que o portão bateu, ela disse, ele ouviu mesmo que carros passassem na hora: se saísse assim todo o dia correndo atrás de emprego…<br /><br />Há mais de um ano mantinha o mesmo horário de acordar, para que ao menos isso não falassem, que acordava tarde, o imprestável. Deixava a mulher um pouco mais na cama e ia fazer o café, aprontar as crianças. Quando todos saíam e ele se via sozinho, era aí que desembestava pelas ruas do bairro. A sogra não desconfiava que ele corria era do desespero. Calçava o tênis e batia a porta, senão o enlouqueceria o telefone que em mais de um ano jamais tocou com alguém dizendo que tinha trabalho para ele. Se as folhas de todos os currículos que espalhou se rebelassem, deixassem as gavetas onde dormiam ou as latas de lixo em que foram jogadas e virassem pássaros, o sol seria encoberto e uma imensa sombra tomaria toda a cidade. Chegou a ser chamado para uma entrevista. Por engano. Foi o que descobriu quando a mocinha do RH olhou seu rosto já vincado, seus muitos cabelos grisalhos e disse apenas: desculpe, procuramos alguém com menos de trinta anos.<br /><br />Era por essas e outras que fincava com decisão os pés pelas ruas do bairro, cortando o vento e muitas vezes a chuva. Com o coração aos saltos nas subidas mais íngremes, ouvia a respiração mais forte até mesmo do que o motor dos carros. Nos últimos tempos, muito perguntou a si mesmo se deveria desistir. Um veneno, um salto, uma arma, mesmo um dos caminhões passando rente. Mas naquela dor que começou de repente do lado esquerdo, acompanhada do formigamento no braço e do enjoo, nunca havia pensado. Era óbvio que se acelerasse a marcha, a dor aumentaria. Dez da manhã, o último eletro há mais de um ano, 35, 45 anos, o tempo do socorro.<br /><br />No final da subida, a pontada foi maior, das vistas turvas sumiu a rua, as pernas não o sustentaram mais. Foi direto com a testa em uma mureta pontuda, e pôde sentir o sangue encobrir os olhos, a saliva espumando escorrer do canto da boca. No peito, a dor aguda feito lança irradiava pelo braço. Nela, nunca havia pensado.<br /><br /><br /><em>André Giusti é carioca, nascido em maio de 1968. Seu livro de contos mais recente, o quarto, é “A liberdade é amarela e conversível”, da 7 Letras. André é jornalista e mora em Brasília.</em>Sonia Coutinhohttp://www.blogger.com/profile/04190922525509515505noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-3739029828434107185.post-32262504215046922122011-03-07T10:18:00.000-08:002011-03-07T10:54:29.684-08:00CONFESSO QUE PINTEI<img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 320px; DISPLAY: block; HEIGHT: 214px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5581405148439129922" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgNJ1HanTyky3H7zCyMs3wbYBk1zRhNjbV_cEr-7YYmHcNAyo_w1SgXgc7M9fn6qKPjzE9vMAbM6NQk01tvNZYw0uTV6xOqGMmWO2GRn76pid-FF49yDkamGL-8YHn86d_ackzGAOccnqa0/s320/Nu+com+flor.jpg" /><br /><div>“Confesso que vivi” é um livro de memórias de Pablo Neruda – que não li. Mas, de repente, me veio esta variante: “Confesso que pintei.”<br />Pintei mesmo, com telas e tintas. Adorava pintar, E, neste momento, sinto vontade de “confessar” isto. Habitualmente, não falo mais a respeito.<br />Fui levada a pintar, por um lado, pelo incitamento de uma amiga, que na época frequentava a Escola de Artes Visuais do Parque Lage e, por outro lado, pelo ativo encorajamento do meu ex-psicanalista, que achava que seria uma boa terapia para mim. Eu estava num momento muito difícil.<br />Então, levada por uma espécie de desespero, em meados dos anos 90 fui para a EAV e comecei a jogar tinta acrílica e água em telas preparadas por mim mesma, sempre pacientemente assistida pelo artista e professor Luiz Ernesto e, num outro momento, pelo pintor e professor Chico Cunha.<br />Chico me ensinou a fazer figuras, da maneira como aparece em meu conto “Aula de pintura” que, na verdade, deveria ser dedicado a ele.<br />Acabei parando de pintar, por motivos vários, inclusive um excesso de coisas para fazer. Mas a nostalgia é imensa. Gostaria de recomeçar, se pudesse.<br />Não que pense em expor, ou algo assim. Nunca pensei. A maioria das minhas telas foi oferecida a amigos. Não sei se apreciaram nem o que fizeram com elas, mas os presentes foram dados com muita alegria. </div><br /><div><span style="font-size:78%;">A tela que dei a Silviano<br /></div></span><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 320px; DISPLAY: block; HEIGHT: 187px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5581406556046129810" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh19ddV887__QuPtzV2-fkspBi4pa8i3DCVuxm83GQCI60d9raQe2mkFnZurSn3K56MSWiEFQQ3Gxorj7BCSxgGkvhgnVsmkD1w4KmXPGqQbFiKDN8Mbs9r3nT4GPEv98AW3BWOdDhCkvR5/s320/telasilviano.jpg" /><br />Um desses amigos, o escritor e professor Silviano Santiago, parece que gostou da minha tela. Até hoje, segundo me consta, ela está pendurada na parede do apartamento dele e já foi até fotografada, como pano de fundo, numa entrevista que Silviano deu.<br />Todo esse imenso prazer de pintar me inspirou um conto, “Aula de pintura”, que está em meu livro “Ovelha Negra e Amiga Loura.”<br />O conto tem muito da minha experiência - mas, pelo amor de Deus, não é exatamente autobiográfico.<br />Sempre misturo minhas experiências, reinventadas, e com a pura invenção, pura ficção mesmo. Isto às vezes, me traz muitos problemas e até agressões...<br />Espero que nunca mais aconteça.<br />Seja como for, aí está minha confissão e aí vai o conto, junto com algumas imagens que criei.<br /><br /><strong>AULA DE PINTURA</strong><br /><br />Conto de Sonia Coutinho<br /><br />Nesta manhã de céu claro e sol caloroso, mas não demasiado quente, de um estranho inverno no Rio de Janeiro, Dorothy vai para a escola mostrar ao professor sua tela mais recente, à qual dedicou horas incontáveis, mas que ainda está inacabada.<br />Chegou ao ponto, avalia agora, de acordar no meio da noite e seguir pintando até as 11 horas da manhã do dia seguinte – embora sabendo que nunca será uma boa pintora.<br />Sim, não é coisa que tenha feito desde menina, não exercitou o olhar como atividade primeira, não treinou a mão. Pegou a pintura no meio do caminho, mas ama tanto pintar!<br />É sua melhor maneira de enfrentar o desespero, a solidão, o esmagamento... O ESMAGAMENTO.<br />(Depois, talvez explique melhor a si mesma o que quer dizer com esmagamento. Por enquanto, prefere deixar assim.)<br />Então, pega a tela que ela mesma tinha preparado e ainda não está no chassis, mas sim enrolada num tubo comprido, pega um rolo de papel “alta alvura” e a bolsa com tintas, esponjas, espátulas, desce até a garagem, entra em seu velho carro e segue até a Escola, nesta maravilhosa manhã do Rio de Janeiro.<br /><br />A mulher gordinha e de meia idade, Dorothy, já acostumada a ser chamada de “senhora,” chega ao palacete no meio do parque, que foi da cantora italiana de ópera, casada com um milionário, e onde agora funciona a escola de arte com cursos livres para todas as idades. E encontra um grupo de jovens músicos tocando junto da piscina, no pátio interno, para uma platéia de gente descontraída, alguns sentados em esteiras colocadas no chão pelo pessoal do café.<br />Segurando sua tela enrolada e sua bolsa de pano com o material de pintura, Dorothy segue pela galeria com coluns, em torno do pátio, até chegar à sala onde toma sua aula de pintura.<br />Como ainda faltam uns 20 minutos para a hora da aula, vai ao café, pega um chá de erva-doce e alguns pãezinhos de queijo e se senta a uma mesa próxima do grupo musical.<br />Que bom, mas que ótimo mesmo. Adora comer ali, olhando para aquela piscina e para a vegetação do parque,lá fora, que espia neste momento através da grande porta escancarada de entrada do palacete, mais adiante, bem defronte da sua mesa.<br />Agora vê o professor se aproximando, pela galeria. É um sujeito bonito, com menos de 50 anos (para ela, um jovem). Ele pinta telas estranhas e poéticas, com meninos algo tristonhos, de olhos redondos e negros, encolhidos ebaixo e grandes lustres de cristal. Em torno deles, uma massa abstrata de tinta grossa.<br />Depois do chá e dos pãezinhos de queijo, Dorothy entra na sala de aula, que dá para uma varanda sobre a qual se debruçam galhos de grandes mangueiras.<br />Dorothy comenta com o professor como tudo está bonito lá fora, o dia claro, a piscina verde escuro, a floresta da tijuca descendo pelas encostas do corcovado e os violinos.<br />Vão chegando os outros aunos da turma, o professor passa um exercício.Com um traço de lápis, divide uma folha de papel pela metade e diz ao grupo para fazer algo figurativo de um lado e uma abstração do outro.<br />Dorothy sempre teve medo de fazer pinturas figurativas, jamais desenhou em sua vida, ela gosta é de cor. Tinha avisado ao proessor que não sabe fazer figuras. E agora, de repente, precisa fazer uma, ou abandonar a aula.<br />Sente que, se for embora, talvez não volte nunca, talvez não tenha mais coragem de recomeçar. Mas ela, fazer figuras? Ah, só olhando para fotografias! Não sabe fazer figuras de cabeça nem copiar nada da chamada “realidade”!<br />Sai aflita da sala de aula, pensando num jeito de se safar da situação, e então encontra um quadro de avisos onde está pregado um convite com uma foto de Torquato Neto.<br />Sim, é isso! Dá uma olhada em torno, não há ninguém por perto, com um gesto brusco arranca o convite do quadro de avisos.<br />Volta com ele para a sala, mergulha um pincel tinto na tinta acrílica preta e, com ele, vai esboçando os traços de Trquato.<br />Sai um Torquato outro, mas ainda assim ele mesmo, verifica, com um deslumbramento infantil por estar fazendo uma figura.<br />Em torno da cabeça de Torquato, traça de improviso algumas folhas toscas, para equilibrar a composição.<br />Depois, num frenesi interior, pega um por um os tubos de tinta acrílica: amarelo pele, amarelo de cádmio escuro, violeta, azul cerúleo e sombra queimada.<br />O rosto todo de Torquato agora está ali, com seu cabelo grande e roxo caindo de cada lado, e com um sinal que ela inventou, no meio da testa, feito um terceiro olho. Os olhos enviesadados, o bigode e a barba, claro que é Torquato.<br /><br /><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhOF7TswWx2EkiC9w-WET_aDWcN32ZOQ89JJPGXca3-lifnhK29tAf8IYSc-AZD3dbD_5FDEhj5hOoBgokai5FnzA2KGen6JUXzTERpnXeMYLjNLE-6LLPUlgnVI3HjW0EQmVXXuuNiyDEi/s1600/torquato.jpg"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 271px; DISPLAY: block; HEIGHT: 320px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5581407294884421122" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhOF7TswWx2EkiC9w-WET_aDWcN32ZOQ89JJPGXca3-lifnhK29tAf8IYSc-AZD3dbD_5FDEhj5hOoBgokai5FnzA2KGen6JUXzTERpnXeMYLjNLE-6LLPUlgnVI3HjW0EQmVXXuuNiyDEi/s320/torquato.jpg" /></a><br /><div>O outro lado da folha de papel, eu deve ser preenchido com uma abstração, ela faz com facilidade, está acostumada com abstrato. Outro aluno se aproxima da sua mesa, olha o exercício que acabou de fazer. Pergunta:<br />- Mas já acabou, assim tão depressa?<br />- Se não sair depressa, não sai nunca – responde Dorothy.<br />Puxa vida, conseguiu fazer uma figura! Está imensamente feliz.<br />O professor vem e não diz nada, parece que aceita o que ela fez.<br />Uma colega de grupo que habitualmente se senta atrás dela, aponta para seu trabalho e pergunta ao professor?<br />- Mas isso é figurativo?<br />Ele explicara, na aula anterior, que não se pensa, atualmente, que usar imagens seja fazer uma figura figurativa, que a pintura só é figurativa quando a imaem se coloca dentro de um espaço e apresenta proporções.<br />- Sim, é figurativo – responde o professor. – A figura é grande, está no meio do espaço, não se trata de um padrão de figuras.<br />E, em seguida, os dois na varanda contígua à sala, o professor aconselha Dorothy com seriedade. Diz que ela precisa estar aberta para uma ampliação do seu repertório, que deve usar mais elementos em seu trabalho.<br />Mas consegui fazer uma figura, ela protesta, fracamente.<br />Depois, deixa que o proessor fale, ele diz coisas interessantes, ela ouve. E agradece, quando ele para.<br />Está felicíssima. Um momento de felicidade.<br /><br />Embora, pouco depois, esse momento seja inteiramente apagado, quando guarda as tintas e pincéis em sua sacola, quando entra sozinha em seu velho carro e segu sozinha para seu apartamento, quando encontra a secretária eletrônica sem nenhuma mensagem, quando abre a internet e não há e-mail algum para ela.<br />Senta-se na cadeira de balanço e reflete sobre seus problemas. Sim, o dinheiro que tem para sobreviver está começando a acabar.<br />Colocou tudo o quelhe resta numa poupança, vai tirando um pouquinho todos os meses, sempre com a esperança de voltar a conseguir trabalho avulso para fazer.<br />Mas nada aparece e, segundo seus cálculos, ficará sem dinheiro nenhum dentro de poucos meses. E já não tem ninguém a quem pedir nada.<br />Então, como será?<br />Não sabe.<br />Sabe apenas que, mais uma vez, passará seu sábado inteiramente sozinha e que sua vida, de certa forma, está liquidada. </div>Sonia Coutinhohttp://www.blogger.com/profile/04190922525509515505noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3739029828434107185.post-65610745287614454472011-03-07T10:11:00.000-08:002011-03-07T10:17:16.469-08:00TALES OF TWO CITIES<span style="font-size:78%;">Cristina Ferreira-Pinto Bailey</span><br /><div><strong></strong></div><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 282px; DISPLAY: block; HEIGHT: 320px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5581403383407540818" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjbOiqpXLGWU5usnBguxV9PmOqqGjl7QU378wepeNiT8wme3slwTEgsyMVO49cXieHw5l9IXvSBzpAfjduyu_e8QaHiGjthOY1t4bMpCcjuVcV_sCUtQ2wHCICIt9ceJncb_16c1IzmySkv/s320/cristina.jpg" /><br /><div><strong></strong></div><div><strong>The Space of the Feminine in Sonia Coutinho’s Fiction </strong></div><div><strong><br />Cristina Ferreira-Pinto Bailey </strong><br /><br />Critics in Brazil and abroad have hailed Sonia Coutinho as one of the most interesting and original female authors in contemporary Brazil. An award-winning novelist and short-story writer, Coutinho has been praised for the formal aspects of her fiction, as well as for her feminist critical analysis of gender relations in Brazilian society. Her short stories are often included in literary anthologies, such as Darlene Sadlier’s One Hundred Years After Tomorrow (1992) and Italo Moriconi’s Os cem melhores contos brasileiros do século [The One Hundred Best Brazilian Short Stories of the Century] (1999). Critics such as Luiza Lobo, in “Women Writers in Brazil Today” (1987), and Lucia Helena, in “Perfis da mulher na ficção brasileira dos anos 80” (1990), have praised Coutinho as one of the best contemporary women writers to create a distinctively female voice in Brazilian letters, while Susan Quinlan, in one of the rare English-language studies on Coutinho’s fiction, discusses the author’s androgynous narrative style in the novel O jogo de Ifá [Ifá’s Divination] (1980), and the representation of Brazil’s multiracial heritage as the key to understanding her female characters (Quinlan 140). Quinlan places Coutinho alongside writers such as Nadine Godimer and Doris Lessing, both of whom wrote on the racial reality of South Africa, and Alice Walker, Toni Morrison and Leslie Silko, writers who have addressed in their works the Afro-American and Native American cultural heritages.<br />The criticism on Coutinho has mostly discussed her female characters and their struggle to achieve independence and self-fulfillment, including professional, psychological and sexual realization. As Lúcia Helena Viana states, the author “. . . advances the feminine question by writing about the woman who faces the difficulties of living her own freedom, oscillating between being object and subject, multiple, mediated by many different masks, building a new relationship with the male” (173). Most of these studies focus on Coutinho’s short stories; in addition to Quinlan’s examination of O jogo de Ifá, a few other critics have discussed her novels Atire em Sofia [Shoot Sofia](1989) and O caso Alice [The Alice Case] (1991) as detective novels (Brink-Friederici on Sofia), and as examples of Brazil’s postmodern narrative (Villaça). A recent book by Rosana Ribeiro Patricio, As filhas de Pandora: imagens de mulher na ficção de Sonia Coutinho [Pandora’s Daughters: Images of Women in Sonia Coutinho’s Fiction] (2006) studies O jogo de Ifá, Atire em Sofia and O caso Alice, again centering on the female condition as seen through Coutinho’s protagonists. Lobo, explores the relationship of these characters to their urban environment, positing them as city wanderers in the tradition of Baudelaire’s flâneur (Lobo, “Sonia Coutinho Revisits the City”). Lobo discusses this relationship as depicted in several stories by the author, and refers also to Coutinho’s first three novels mentioned above, in order to present a general view of the interaction between the female subject and the urban space.<br />In this essay I will take a different approach from Lobo’s, and will examine the presence and importance of the urban space in Coutinho’s fiction. My purpose here is, first, to situate Coutinho’s work in the context of Brazilian urban narrative; and, second, to explore several literary tropes associated with post-modernity and the urban space, such as displacement, travel and exile. My main object of analysis will be O jogo de Ifá, a paradigmatic text in which Coutinho advances several themes and narrative strategies she had introduced in earlier books and later develops in subsequent works. I will explore here the contrastive representation of two Brazilian urban spaces, Salvador, the capital city of Bahia, and Rio de Janeiro, and will discuss specifically the images the author creates in the depiction of Salvador. In this way, I will explicate not only an important aspect of Coutinho’s work—the importance of these two cityscapes in the characters’ lives—but also the social and cultural dynamics that take place in Salvador and that are expressive of contemporary urban life in Brazil at large.<br /><br />Sonia Coutinho in the Context of Brazilian Urban Narrative<br />Coutinho emerged in the Brazilian literary scene in the 1960’s, and began to attract critical and public acclaim in the late 1970’s and 80’s, with O jogo de Ifá and the volumes of short stories Os venenos de Lucrécia [Lucrecia’s Poisons] (1978) and O último verão de Copacabana [The Last Summer in Copacabana] (1985). These first volumes came out during a period of social, cultural, and political convulsion in Brazil and in the world. The rapid acceleration of the country’s industrialization and urbanization, which had begun in the 1950s, was embodied in the inauguration of Brazil’s new capital, Brasília, in 1960. Built in the heart of the nation, the new capital was the very symbol of all the promises of progress and development the “País do Futuro” [Country of the Future] seemed to hold for its people. Four years later, however, in 1964, the nation witnessed the military coup d’état that began a twenty-five yearlong dictatorship, and Brasília became less the “Capital da Esperança” [Capital of Hope], which it initially had been called, and more the symbol of political power and political repression.<br />But Brasília was not the only sign of urbanization during that period, for the country experienced many changes throughout its regions, states and cities. As internal migration continued to increase, to include not only the rural poor, but also the middle classes, these social, political and cultural changes were strongly felt in the nation’s Southeast region, specifically in its two cosmopolitan centers: Rio de Janeiro and São Paulo. Reflecting all these changes, a new and important wave of Brazilian urban fiction emerges in the late 1960’s, 70’s and 80’s, giving continuity to Brazil’s long-standing tradition of urban literature. Coutinho’s name is often mentioned among this new group of urban fiction authors—among them Rubem Fonseca (1925), Tania Faillace (1939), Roberto Drummond (1940), and Sérgio Sant’anna (1941)—whose writings, characterized by innovative narrative techniques and oftentimes a brutally frank narrative voice, reflect the social convulsions and new cultural influences the country was experiencing at the time. Since then, Brazilian contemporary narrative has been characterized as mostly urban in its outlook and thematic concerns.<br />Brazilian critic Regina Dalcastagnè, for example, points out that “o espaço da narrativa brasileira atual é essencialmente urbano ou, melhor, é a grande cidade, deixando para trás tanto o mundo rural quanto os vilarejos interioranos” [the space of Brazilian narrative today is essentially urban or, better yet, it’s the large city, leaving behind the rural world as well as the small provincial towns] (34). In fact, as Brazil’s rapid industrialization and urbanization, compounded by the process of globalization, has pushed the country to a profound and very visible socio-economic chasm, the large metropolis has become the frequent scenario and theme of contemporary Brazilian narrative. Examples abound, as for example, Patrícia Mello’s pulp fiction, Fernando Bonassi’s short stories, and Ana Maria Machado’s novels, all set in the urban spaces of Rio de Janeiro and São Paulo. The old dichotomy city versus rural space—so significant in Brazilian fiction particularly during the Romantic period, but also in the first part of the twentieth century, with Lima Barreto, Raquel de Queirós, Graciliano Ramos, and others—would thus seem to be losing ground in the national literature.<br />That dichotomy, however, does not disappear completely from Brazilian literature. For some critics, the opposition between the rural space and the urban space is still part of the narrative representation of the city and, in fact, a meaningful depiction of the city emerges only against the concept of rural space (cf. Lima 12). The rural space has also acquired mythic proportions in dystopian urban novels such as Caio Fernando Abreu’s Onde andará Dulce Veiga? (1990; Whatever Happened to Dulce Veiga? 2000). Moreover, Brazilian urban literature has been occupying itself more and more with the inhabitants and problems of mid-size cities, as for example, Araraquara in Ignácio de Loyola Brandão; Manaus in Milton Hatoum; and Salvador da Bahia in Sonia Coutinho. If the dichotomy rural versus urban space is no longer as prominent in Brazilian letters, a different opposition between center and periphery remains a constant, but with the periphery often representing the more or less provincial space of Brazil’s mid-size and smaller cities.<br />This more recent dichotomy again reflects various interesting and interconnected phenomena in Brazilian society: the urbanization and growth of towns in the interior of Brazil, outside of the dominant Rio—São Paulo corridor; the migration of middle-class citizens from these areas to the two metropolis, which has contributed to a mutual cultural influence; and, especially since the 1970’s, the emergence and recognition in the national scene of artists (especially musicians) from these various regions, in a movement that has expanded the repertoire of Brazil’s cultural voices. Adding to the voices of composers and singers such as Caetano Veloso and Gilberto Gil from Bahia, Kleiton and Kledir from Rio Grande do Sul, Alceu Valença and Elba Ramalho from the Northeast, and many others, Brazilian writers have challenged the idea of a national culture and identity as homogeneous and centralized, by acknowledging the existence of various urban centers with distinct profiles located in the so-called “periphery.”<br />The dichotomy center versus periphery raises many issues, and can be understood as expressive of a colonizing relationship between social spaces. Sonia Coutinho challenges the cultural hierarchy that stands behind this dichotomy, through the representation of the cities of Rio de Janeiro and Salvador da Bahia as two different models of urban life in Brazil. In her fiction, Salvador is not the cultural periphery looking up to the cosmopolitan city, but is rather the original space, the navel of the nation, a mythic space hiding the secret to the characters’ and to the nation’s identity. This representation of Salvador, fully developed in O jogo de Ifá, unsettles the cultural hierarchy that normally foregrounds Rio de Janeiro and the Southeast as the face of the country.<br />Furthermore, Coutinho’s representation of Salvador places her fiction in opposition to that of Jorge Amado—Brazil’s most widely read and translated author—and his portrayal of Bahia and its inhabitants. One reason Salvador is seldom mentioned in her texts, appearing instead only as “a Cidade” or “The City,” is that the author wants to achieve a portrait of the city disassociated from the stereotypical, exotic Bahia that emerges in Amado’s novels, and that has been exploited by the country’s tourism industry. In a 1989 interview in which she discusses her then recently-published novel Atire em Sofia, she declares: “Você fala da Bahia e já pensa em mulata sensual, já pensa em comida típica. . . Eu queria esvaziar isso e colocar em cena uma cidade do Terceiro Mundo, onde tivesse a influência negra, a mistura étnica. E eu queria que as pessoas olhassem para aquilo um pouco de fora, de maneira distanciada” [You mention Bahia and one immediately thinks of the sensual mulatta, and of typical food. . . I wanted to deflate that and to put forward a Third World city, where there is Black influence and ethnic mixture. And I wanted people to look at that a little more from the outside, in a detached way] (“A hora e a vez do romance” [The Time and Moment of the Novel] 58).<br />Coutinho prods her readers to look critically at the racial and gender stereotypes that inhabit Amado’s Bahia. His work popularized the image of the sensual mulatta, which television and cinema have spread across the globe as the “typical” Brazilian woman. Coutinho rejects such a stereotype and its ideological implications: “From the beginning, I reacted to the myth that Bahia is a paradise, where all of the women are Gabriela, Clove and Cinnamon. Good-hearted and ready to do whatever a man wants” (in Szoka 224). Amado’s vision of Salvador and of its inhabitants conveys the myth of Brazil’s “cordiality” by neutralizing differences and conflicts (cf. Abdala Jr. 54). Coutinho’s vision, on the contrary, depicts the city through critical lenses, as the stage where individuals of different social classes, ethnic backgrounds, gender and ideologies come together, and where conflict takes place.<br />Coutinho’s fiction also adds a particular perspective to Brazilian urban literature by privileging a female perspective of the city, instead of the more common male viewpoint. Contemporary Brazilian narrative has drawn an urban map that is eminently—if not entirely, as Regina Dalcastagnè sees it (Dalcastagnè 36, 46)—masculine. In fact, the cityscape has been notoriously registered through the eyes of male characters wandering the streets and public areas, while the urban experience of female characters takes place mostly within the limits of the home or other enclosed—and socially appropriate—spaces. The exceptions that come to mind, such as Márcia Denser’s Diana Marini, are often social transgressors, women living “fora da normalidade,” outside the norm (Dalcastagnè 36).<br />Coutinho’s female characters also find themselves outside the boundaries of “normalcy.” Contrary to the more common perspective of the flanêur, Coutinho’s women characters offer their particular vision of the city as they wander its streets. The urban space thus mapped out reflects the lives of women set against the backdrop of a labyrinthine cityscape. These are women who venture out alone in the streets and other public spaces such as bars, spaces traditionally forbidden to them. Coutinho depicts her characters’ experiences in a concrete and direct form that goes beyond the representation of their inner reality, to include the ways they relate to their physical environment. The urban space thus plays a role in the characters’ psychological and emotional changes. City life, particularly in the larger space of Rio de Janeiro, raises mixed and sometimes contradictory feelings in Coutinho’s women. Feelings of liberty, happiness and excitement intermingle with feelings of fear and uncertainty, like those the anonymous protagonist of “Doce e cinzenta Copacabana” [Grey and Sweet Copacabana] experiences:<br />. . . sai . . . , segue andando e sente, contra toda expectativa, uma certa alegriazinha, agora—os pombos voam de uma marquise para outra na Avenida Copacabana deliciosamente vazia, como um teatro depois de movimentada representação, mas claro que ainda sente medo, sua situação é um pouco como a de alguém inventado algo, um estilo de vida?<br />[She goes out, keeps walking, and feels—against all expectations—a certain small happiness; now the pigeons fly from one marquee to another on a deliciously empty Copacabana Avenue, like a theater after the end of a lively performance; but of course she’s still scared, her situation is a little like someone’s who has invented something—a lifestyle?] (44)<br />The sense of freedom and of communion with the urban space (here represented in the reference to the pigeons’ flight) may be quickly replaced by the dingy reality of daily life (“Doce e cinzenta” 40, 46) but, nevertheless, these characters are making up their own paths as they struggle along. Therefore, the conflicting ways of experiencing city life reflect not only the clash between an individual and the urban environment, but also, and most importantly, the conflicts of a generation of women faced with new life choices.<br /><br />The City, The Cities in Sonia Coutinho’s Fiction<br />Coutinho’s female characters very often go through a displacement in space that parallels the author’s biography. The author herself has declared: “A personagem feminina, admito, é constantemente meu alter-ego. Através dela não vivo exatamente minha vida, mas possibilidades de vida” [I admit, the female character is constantly my alter ego. Through her I live, not exactly my life, but possibilities of life] (“A experiência com o conto” [Experiences with the Short Story] 1). Her fiction is not autobiographical per se, but it brings together many aspects of the author’s life experiences. Born in the town of Itabuna, in the cacao region of the state of Bahia, Coutinho moved to Salvador, the capital city, while still a child, and in 1968 left Salvador to pursue a writing career in the city of Rio de Janeiro. Throughout her fiction, these two spaces are constantly set in opposition, and the social and cultural contours of one help define the other’s. Salvador is generally depicted as more provincial and conservative: “O clima fechado, entediante, modorrento e preconceituoso da cidade. Ao mesmo tempo, a beleza deslumbrante de seu cenário” [The city’s stuffy, tedious, lethargic and prejudiced atmosphere; at the same time, the stunning beauty of its scenery] (“A experiência com o conto” 1). Salvador also has a strong African heritage, about which Coutinho writes in Os venenos de Lucrécia and in later volumes.<br />Rio de Janeiro, in turn, is the cosmopolitan city, in constant movement, apparently more tolerant, and more progressive. Coutinho examines the carioca cityscape through a “microscope” by using Copacabana as a metaphor for the postmodern metropolis. Copacabana offers its population freedom, choice of lifestyle and the mask of anonymity, behind which the individual lives his or her life as chosen. As with the masks in Greek theater, however, the mask of anonymity has a duality, of happiness and melancholy: one may live the liberty it offers, but must also live the loneliness and isolation it can create. Thus, writes Coutinho, in Copacabana “as pessoas na rua têm faces misteriosas e tristes, ao anoitecer” [as night falls, people on the streets have mysterious and sad faces] (“Pai e filho” [Father and Son] 75). These urban inhabitants—in Rio as in Salvador, even if for different reasons—experience what André Bueno has characterized as the discontents created by capitalism in the contemporary metropolis (Bueno 89). As a result, men and women face situations of estrangement and alienation, and Coutinho’s protagonists seem particularly prone to them, given their position as outsiders and their acute self-awareness.<br />Being an outsider, an exile in their own land, and being acutely aware of their own selves and of their displacement in relation to their urban environment, summarizes the drama of Coutinho’s characters, particularly her women. Moving between Salvador and Rio de Janeiro, her characters, usually middle-class women, seem to suffer twice the problems commonly associated with urban life, because they find themselves split between the patriarchal tradition within which they grew up, and the new social order of the cosmopolitan city, with its promises of freedom, independence, and self-realization. Examining the social and psychological obstacles faced by these women, Coutinho is rather critical of relationships between the sexes, and deconstructs cultural myths of femininity, specifically myths that relate to women’s social roles, female sexuality, class, and race. Her paradigmatic female character is a single woman, either divorced or never married, who is facing the passage of time, and becomes aware of her social situation, and of the obstacles she needs to overcome in order to achieve self-realization.<br />Violence, a problem rampant in Brazilian cities, also affects Coutinho’s women characters, not in a random way, as urban violence many times seems to do, but rather as a result of the characters’ transgressive position in their social milieu. The theme of violence is important in Coutinho’s fiction, especially in her novels Atire em Sofia and O caso Alice, both of which can be read as crime narratives, and in Os seios de Pandora. Uma aventura de Dora Diamante [Pandora’s Breasts. A Dora Diamante Adventure] (1999), a detective novel. In these narratives the female protagonists are (or appear to be) victims of others’ violence. In turn, in the short stories, violence appears in the guise of self-aggression, such as suicide, a desperate attempt to escape the inimical urban reality, as seen in “Josete se matou” [Josete Killed Herself], from O último verão de Copacabana.<br />Fond of metafiction, the author may represent the protagonist’s process of self-awareness through the use of an omniscient author-narrator who detachedly observes another woman. This creates a game of masks or personae, a strategy Coutinho fully explores in O último verão de Copacabana, but that is already present in her earlier stories. In these narratives, all the characters are in fact different masks of the same paradigmatic female subject: “. . . uma mulher de classe média e de meia-idade . . . que andasse interminavelmente pelas calçadas de Copacabana, carregando sua sacola de compras repleta de sonhos” [A middle-class, middle-aged woman who wanders endlessly on the sidewalks of Copacabana, carrying her shopping bag filled with dreams] (“Amor, amores”[Love, Lovers] 86). In Copacabana her characters feel the unforgiving dehumanization of life in the large city, while in Salvador they are equally dehumanized by social traditions and expectations.<br />The streets of Copacabana frame the characters’ search, a search that begins with feelings of dissatisfaction experienced in the space of origin, Salvador, or more remotely, in a small town in the interior of Bahia. There begins their displacement and their exile, as these characters could no longer ignore feeling out of place. Displacement, uprooting, exile, as well as travel and movement through time and space, are recurrent tropes in Coutinho. These form the narrative paradigm that structures all of Coutinho’s fiction since her first publications. For example, in Nascimento de uma mulher [Birth of a Woman](1971), a volume that incorporates a few stories previously published, the theme of travel and displacement is already present:<br />Desliguei o telefone com uma dor fina no peito, como uma punhalada. Me servi de uma dose dupla de uísque e, com o copo na mão, caminho de um lado para outro deste meu apartamentinho deserto e sujo, na tarde de domingo. Lembrando outro domingo, quase trinta anos atrás, que mudou minha vida, lá na Cidade de onde eu e Dalva viemos.<br />[I hung up the phone feeling a sharp pain in my chest, like a stab. I poured myself a double shot of whiskey and, holding the glass in my hand, walk back and forth in this small, dirty and deserted apartment, on Sunday afternoon. Recalling another Sunday, almost thirty years ago, that changed my life, there in the City from where Dalva and I came.] (“Conselho em família” [Family Council] 29)<br />Coutinho’s fiction narrates a process of self-awareness that typically brings her female protagonists from inside enclosed spaces to the open spaces of the streets, from enclosure to expansion and movement, and, in cases of the protagonists’ failed self-realization, back to the closed space of “home.” This pattern is craftily and succinctly presented in her short stories, while her novels offer more complex pictures of women’s lives in the chaotic space of present-day Babels. The urban reality Coutinho writes about—Rio de Janeiro as well as Salvador—is marked by the subject’s estrangement and displacement, and necessitates specific forms of narrative representation. As the author places Salvador and Rio in constant opposition, representational images and metaphors are used for one and the other city. In addition to the leitmotifs of travel, displacement, wandering, and exile, other recurrent images and metaphors are labyrinths, mazes, puzzles, and enigmas, and these are used to describe both cityscapes. I will discuss some of these below, and will then examine specific images used in the portrayal of Salvador in O jogo de Ifá, Atire em Sofia. While examining the representation of the city of Salvador vis-à-vis Rio de Janeiro, I will highlight how the urban space impacts and reflects the constitution of the characters’ self-identity.<br /><br />Of Babel, Labyrinths and Mazes: A Postmodern Aesthetics<br />In As filhas de Pandora, Rosana Ribeiro Patricio examines the narrative strategies the author employs in the construction of her novels, and highlights the use of intertextuality, mis-en-abîme, and a meta-linguistic and fragmented discourse as characteristic of what the critic calls Coutinho’s “escrita em labirinto,” a labyrinthine writing style (Patricio 173). Nizia Villaça has examined these and other narrative strategies in Coutinho’s Atire em Sofia and O caso Alice as expressions of a neo-baroque aesthetics. Both novels are characterized by ambiguity, metafiction, the presence of fantastic or surreal elements, and a labyrinth-like narrative structure. Villaça cites Omar Calabrese’s theoretical work, in which the contemporary labyrinth, or maze, stands in opposition to the “classical labyrinth” (Villaça 142). The latter—as confusing or challenging as it may be—does provide “a way out” that the subject must seek. In other words, the textual labyrinth offers the possibility of elucidation and resolution to the reader who seeks to decipher its many leads. The contemporary labyrinth, however, according to Calabrese, points to irresolution, to what cannot be solved (cf. Villaça142). Therefore it can be understood as a metaphor for postmodern life and, in Coutinho’s fiction, specifically for urban life and the social relations that take place in the city.<br />The difference between the labyrinth and the maze parallels another distinction that Regina Dalcastagnè and Renato Cordeiro Gomes, in their readings of Brazilian urban narrative, have pointed out: the distinction between the polis and Babel. The polis represents an ideal of order, a space that enables encounters and communication among its inhabitants. Babel, on the other hand, is emblematic of the postmodern city, where chaos, conflict, and miscommunication are predominant. Gomes also uses the image of the labyrinth to describe the postmodern city, but stresses that the purpose of this labyrinth is to confound, imprison and subdue its inhabitants (Gomes 25).<br />The textual labyrinth that Villaça discusses in Coutinho’s second and third novels is already present in O jogo de Ifá, which, more so than in subsequent novels, is structured as a game or a puzzle. In fact, this is how the author-narrator describes the novel he admits to be writing: as a kind of a game, a Chinese box, or a model kit that must be assembled (Ifá 13). Quinlan observes how the expression “objeto de armar,” a model kit, is reminiscent of Julio Cortázar’s 1968 novel 62: modelo para armar (62: A Model Kit, 1972) (Quinlan 151). O jogo de Ifá establishes a dialogue with this and with Cortázar’s more famous Rayuela (1963; Hopscotch, 1966). Like Rayuela, Ifá reveals the disorder of an apparently orderly reality through its game-like structure, as it offers the reader the challenge to put together a story line, a jigsaw puzzle whose pieces are the fragmented life stories of the many different characters that appear in the novel. In the subsequent novels, the different narrative voices become the very pieces of the puzzle, or the threads the reader—a postmodern Ariadne—must follow in order to exit the labyrinth. In Atire em Sofia and O caso Alice, these voices emerge anachronistically from various time periods and geographical spaces, and succeed each other at dazzling speed, again underscoring the image of the city as a present-day Babel. Through the use of the labyrinth, the maze, puzzles, and enigmas, Coutinho erects a cityscape like the Sphinx herself, the monster the protagonists must decipher, or else they will be devoured. The reader too must engage in this process of deciphering the city/narrative, and solve its riddle, at the same time attempting to render legible the illegibility of the urban space.<br /><br />O jogo de Ifá: The Search for the Original Space<br />O jogo de Ifá, is a short but complex novel structured as a game (which is expressed in the novel’s title) or a puzzle. This is a polyphonic and meta-literary text, full of inter-textual references: historical, literary, and mythological: Brazil’s colonial period, the origins of Bahia, Virginia Woolf, the Minotaur, and many others. A constant reference is Jorge Luis Borges. Along with Cortázar, Borges’s presence in the text helps situate it both in the context of Latin American culture, which is reiterated later in the narrative, and in the context of post-modernity. Borges becomes both an inter-textual reference and a literary influence. Early on in Ifá, the author-narrator states: “Pretendo que meu livro seja uma espécie de jogo. Ou um labirinto” [I want my book to be a kind of a game; or a labyrinth] (22), recalling what Borges himself has said about books and labyrinths being one and the same thing. His influence is seen also in the allusions to the “Aleph,” and in the theme of the double.<br />In many of his stories, Borges played with the leitmotif “un hombre es todos los hombres” [a man is all men]. Coutinho brings up Borges’s leitmotif, introducing however its female counterpart, where one woman’s destiny reenacts the destinies of other women, and a man and a woman live mirror-like experiences. Renato and Renata, the two protagonists of O jogo de Ifá, are a male and a female projection of the same being. Throughout the novel, we see them repeating each other’s experiences and mirroring each other’s emotional states. For example, the novel opens with Renato’s return trip to his hometown, an event that will be reproduced later, almost verbatim, but with Renata as its protagonist (Ifá 60):<br />Tinha de ser assim, Renato, de ônibus, refazendo o percurso de dez anos atrás, quando partiu da Cidade para a qual volta agora, penosamente, pela tarde adentro, através da planície deserta . . . .<br />Pois há exatamente dez anos, quando foi embora para o Rio, você viajou num ônibus igual a este, com um frasco de tranqüilizantes no bolso da camisa, engolindo uma pílula de duas em duas horas, para evitar que a angústia o sufocasse, ou o fizesse gritar interminavelmente, como só se grita no meio de uma noite escura, no coração do deserto.<br />[It had to be this way, Renato, by bus, retracing the path of ten years ago, when you left the City to which you now return painfully, throughout the afternoon, across the deserted plains. . . . For exactly ten years ago, when you left for Rio, you traveled on a bus just like this one, with a small bottle of tranquilizers in<br />your shirt pocket, swallowing a pill every two hours, in order to keep your anguish from suffocating you or making you scream ceaselessly, like one can only scream in the middle of a dark night, in the heart of the desert.] (Ifá 9-10)<br />If Renata repeats Renato’s journey back home, and later the author-narrator repeats both characters’ travels (86), the initial return is already a reenactment of an earlier trip, but in reverse direction. Renata and Renato are returning to “the City,” which they had left ten years before for Rio de Janeiro. Thus Coutinho sets out from the beginning the themes of travel, displacement, and exile that are recurrent in her fiction. In fact, as the novel progresses, the reader finds other female characters who have also left their smaller city for larger urban spaces, but also end up returning to the space of origin. Therefore, the opening paragraphs of Ifá also introduce an important structuring element of this novel: the idea of return, repetition and circularity.<br />“The City,” a Cidade, whose name is never mentioned in the narrative, more than the stage for the characters’ dramas and conflicts, becomes the very protagonist of the novel. It is depicted as a mythic space (45 and others), the missing link (84), the “dream of a visionary,” like Coleridge’s Xanadu (37) or Manuel Bandeira’s Pasárgada. It is the space to which the protagonists return in search of a revelation, the key for their destinies, and the understanding of their own selves. Renata, Renato, and the author-narrator are seeking a treasure, as Chapter 4, entitled “Mapa do Tesouro” [Treasure Map] suggests, and the City is the treasure chest they strive to open in order to reveal its secrets/treasures.<br />The juxtaposition of destinies, the repetition with variations of the same life pattern (displacement in the City, dislocation in space, exile, displacement in the new space, return, search for answers) underscores the Borgesean leitmotif, and reminds us that life is cyclical and repetitive. As the character Madá states, “. . . nesta Cidade a vida das pessoas não tem enredo nenhum. Tudo se repete de forma absolutamente previsível” [in this City people’s lives have absolutely no plot. Everything repeats itself in the most predictable way] (15). To which Jamil, a homosexual—and as such an outsider—replies that, indeed, there is something about the City that is unchanging, “immutable”: “Caiam os regimes, substituam-se os governos, industralize-se afinal a Cidade—as novas autoridades terão um comportamento parecido com as anteriores e uma doçura incurável permanecerá sob a fumaça das chaminés das fábricas. Mas há outras coisas para se dizer sobre a Cidade—há o seu lado místico e misterioso” [Regimes may fall, governments may be replaced, the City may finally become industrialized—the new authorities will behave similarly to the previous ones, and an incurable sweetness will remain under the smoke from the factories’ chimneys. But there are other things to say about the City—there is its mystical and mysterious side] (17).<br />Through Jamil’s comments, Coutinho points to a characteristic associated with Brazil’s supposed “cordiality,” and that has perhaps contributed to the permanence of the status quo: “doçura,” which means sweetness, but also implies docility. Madá elaborates on what this status quo has meant for women: a certain life pattern that determines who a woman will marry, her (limited) social role, and the social environment to which she will be confined. The husband will inherit his father-in-law’s line of business; he must be white, in order to produce light-skinned children, in a city where most of the population are of African ancestry (15-16). Women like Renata, Madá and Tânia, upper-middle class women repressed by the expectations of their social group, or Celeste, also a woman from the upper-classes, who dates Milton, a successful Black university professor, pay a high price for defying the status quo: displacement, exile, and social stigma.<br />In O jogo de Ifá, the critique of gender relations is deeply intertwined with a critique of racial relations in Salvador and, by extension, the whole country. The various references to the ethnic groups that contributed to the formation of Bahia (Indians, Africans, Portuguese and other Europeans who fought to colonize that region), and to historical events related to the uprising of African slaves, define the ideological frame of patriarchy that has excluded Blacks as much as women, homosexuals, and other minorities. The short narrative, structured on repetition and circularity, creates a narrow textual space that highlights the identification among these minority groups. Even Renato, a white male from an economically decadent middle-class family, serves to represent the exclusion of women from the social space of patriarchal power by living experiences very similar to those Renata goes through. In addition, Coutinho inverts the traditional positions of male and female in the “penis envy” complex. In Ifá, Renato is jealous of the love and attention his father grants his sister and even considers castrating himself in order to partake in the space of patriarchy:<br />Só não contei nunca aquela manhã no banheiro, quando—eu tinha nove anos— peguei a navalha do meu pai e passei muito tempo a examinar meu próprio sexo enrijecido, imaginando que ia cortá-lo e assim eliminar de vez a diferença entre eu e Léa, decerto o que me tornava inferior e fazia o velho estimá-la tanto.<br />[I just never told anyone about that morning in the bathroom when—I was nine years old—I grabbed my father’s razor and spent a long time examining my own, hardened sex, imagining I would cut it and in this way eliminate once and for all the difference between Lea and me, certainly what caused me to be inferior and the old man to love her so much.] (26)<br />By inverting the well-known Freudian “penis envy” complex, the author frees the female characters from cultural stereotypes associated with women, and through a process of estrangement forces the reader into a critical perspective of societal expectations. The same happens through Celeste and Milton’s relationship. Through a Black male character that belongs to the middle-class and is an intellectual and a college professor, a desirable profession, the author controls all the variables, so that there is no question as to the nature of the stigma surrounding Celeste and Milton: racial discrimination.<br />The City emerges thus as a space of conflict, as a fragmented society wherein its parts live in tension and opposition. Ifá, says Coutinho, depicts Bahia’s “caldeirão cultural” [cultural cauldron] (“A escrita do Candomblé” 1), and this explains the fragmented structure of the narrative: “Talvez exatamente pela mistura cultural nem sempre suave, às vezes conflitante, esse livro é o mais fragmentado dos meus textos, são peças que não se fundem” [Maybe because of Salvador’s cultural mixture—not always smooth, sometimes conflictive—this book is the most fragmented of my texts; made of pieces that cannot be fused (“A escrita do Candomblé” 4; my emphasis). Thus “doçura” as a characteristic associated with Salvador and its inhabitants and “cordiality” as a trait of “Brazilianness” are ideological concepts that must be critically revised. This is what the author does by inserting references to historical events that evoke destruction, death, and rebellion. Among the many historical references, two must be highlighted: the Malê revolt, and the fire that in 1958 destroyed the famous Castro Alves Theater in Salvador’s downtown area.<br />When first built, the Theater was a source of controversy, seen as an elitist project that used up public money (14), and is thus a symbol of the City’s class conflicts. Its destruction by the fire, however, seemed to have brought the population together, saddened by the loss of this important cultural monument (26), a public landmark that came to identify the City (and in fact allows the reader to identify the City as Salvador). The Theater is also an allegory for the social struggles of women and Blacks. It was built on Campo Grande, the same square where, in the last part of the nineteenth century, the local government built a monument celebrating the battles for Bahia’s independence that took place between 1821 and 1823. This allows for its symbolic association with the social struggles of women, Blacks, and other minorities. Moreover, the images of its destruction bring to mind the immolation of women who challenge the status quo:<br />Quando as chamas irromperam no grande teatro recém-construído, o clarão foi avistado até o mar. As labaredas saíam por entre as paredes como se estivessem acesas há séculos, mas contidas, e fizeram afundar o grande teto inclinado da edificação, formando uma grande fogueira—o sexo em fogo da Cidade, exposto diante de todos os olhares.<br />[When the large, recently built theater burst into flames, the blaze could be seen all the way to the sea. The flames came out from between the walls as if they had been lit, but contained, for centuries, and they caused the building’s large slanted roof to collapse, forming a big bonfire—the City’s sex on fire, exposed to everyone’s eyes.] (80)<br />The images of a bonfire and the exposed sex, and the fact that “Cidade” is a feminine word, thus making the City a female entity, evoke a picture of the bonfires that during the Inquisition punished transgressive women. The City, divided because of class, gender, and racial conflicts, is punished along with its inhabitants.<br />Extending the complex system of symbolic associations, the area where the Theater was built had been the stage for the slave uprisings of 1835 that became known as the Revolts of the Malês, Islamic Africans taken to Brazil as slaves. It is amidst the convulsion of these events that Renata arrives in the City (66-67), while Renato sees, upon arriving, a procession of Afro-Brazilian gods (35). Fog, shadows and darkness surround the City as the two characters arrive, underscoring the image of the city as a mythic space in which lies the mystery, the “Pedra Filosofal” [Philosopher’s Stone], the revelation Renato and Renata are seeking about themselves. If Renato and Renata embody two sides of the same human life, they represent on the one hand fragmentation and, on the other, multiplicity. Says Renato: “Vivi várias vidas. Ou talvez seja mais correto dizer—vivo várias vidas. Pois o espaço em que se desenrolaram não foi eliminado” [I have lived many lives. Or maybe it would be more correct to say—I live many lives. For the space in which they unfolded has not been eliminated] (19), a statement the author-narrator later repeats (86). There is then a parallelism that unfolds ad infinitum, making Renato’s or Renata’s personal history stand for the history of others—Tânia, Celeste, Madá—and the history of the very space to which they return.<br />Nevertheless, if the space has not been eliminated, it has proved to be inaccessible except through memory. The book that narrates the city is, as Renato Cordeiro Gomes says, a “book of memories” and a book written from memory (Gomes 37). Memory is labyrinthine; it is a puzzle. The city to which Renato and Renata return does not offer definitive answers, but rather opens itself up like Borges’s Aleph (cf. Ifá 64, 93). The narrative (Coutinho’s, the author-narrator’s) intends then to reorganize a “carrousel of images” (93), everything ever seen and experienced. That the City remains a puzzle to be solved is evidenced in an elliptical passage in one of the last chapters of the novel. In it disjointed phrases and sentences from previous chapters are enumerated; for example:<br />. . . os filhos da noite não abandonaram os refúgios perdulários do tempo<br />como a brisa é lenta o mesmo cardápio de dez anos atrás, sopa de verduras<br />o relógio de pêndulo o silêncio do entardecer da Cidade, belo em excesso<br />saio para dar uma volta sensação de deslumbramento . . . .<br />[The children of the night haven’t abandoned their refuges those wasteful of time how unhurried is the breeze the same menu from ten years ago,<br />minestrone soup the pendulum clock the silence of the sunset in the City, excessively beautiful I go out for a stroll a dazzling sensation] (88).<br />The passage again suggests an Aleph, as it does also a dream-like state. In both cases, the City offers itself as a kaleidoscope of images, memories, feelings and experiences that traverse time, making Renato’s, Renata’s, and the author-narrator’s displacement, spatial as well as temporal.<br />Coutinho’s depiction of Salvador renders it in all its complexity. The City is mystical (17) and mythical, but it is also a dystopian space divided by a deep social and racial chasm. Its cityscape alternates houses with crystal candelabra and winding, dusty streets where miserable but smiling people walk (30). The small and colorful colonial houses and the “turquoise-blue” sky are being destroyed by rapid industrialization, replaced by an ever-growing number of new skyscrapers, which is slowly turning the City in a desert, announcing a new era without trees and without shade (36). In this way, the City shows the signs of urban changes that threaten to erase its original mystery, to rob it of its identity, while accentuating all of its social problems—racial conflicts, economic disparity, and social exclusion. In this sense, it is a microcosmos representative of the problems Brazilian cities face today.<br />O jogo de Ifá, as I have stated, narrates a search for the original space. This is the space to which the characters return in hopes of finding in their past, in their origins, an explanation and a definition of their identities. But Ifá is also a return to the origin of the Brazilian nation, for it is there in Bahia that the nation began. The author traces these origins through fragments of Brazilian history, and by doing so situates Salvador as the navel, the center from which Brazil grew and expanded, and in this way subverts the dichotomy between center and periphery. Coutinho displaces the center from the metropolitan spaces of Rio de Janeiro and São Paulo and, additionally, expands the national borders by inscribing the characters’ and the country’s histories in a continental context. “Mulher, sim, e latino-americana” [Yes, I am a woman, and Latin American], thinks Renata (18); and Renato: “soy latino-americano yo” [Me, I’m Latin American](43).<br />O jogo de Ifá stages what Josefina Ludmer has described as “la progresiva borradura de la idea (y no solamente de la idea: del imaginario, de la referencia, de la política) de la nación [la cual] se acompaña . . . de la desintegración de la ‘modernidad’ y sus conquistas” [the progressive blurring of the idea—and not only the idea, but also the imaginary, the reference, the politics—of nation, which takes place at the same time as the disintegration of modernity and its conquests] (Ludmer 9). The cityscape Coutinho depicts retains some of its mythical quality, but appears at the same time as a dystopian postmodern space characterized as fragmented, multiple, a present-day Babel of conflicting voices. Among these, emerges the voice of a female subject who has stepped out of the enclosed domestic space to wander the streets and the realm of infinite possibilities:<br />. . . vejo Renata como a heroína que eu gostaria de criar para meu livro, uma<br />espécie de protótipo épico da Mulher Liberta do Terceiro Mundo, saindo do<br />dolorido útero da América Latina, . . . do soturno mundo rural/feudal/patriarchal para a avançada vida urbana dos grandes centros onde, rompendo todos os tabus, vence, se impõe. . . .<br />Eu traçaria então o itinerário pessoal de Renata. . . . Mostraria Renata entre índios ferozes, Renata caçando na selva amazônica, . . . , Renata deusa<br />urbana . . . , pilotando aviões caça-bombardeiros, . . . recitando Dylan<br />Thomas . . . em Copacabana, possuindo sucessivamente mil homens, qual<br />Mae West ou Barbarella indígena. Verdade e mito, uma nova heroína brasileira.<br />[I see Renata as the heroine I would like to create for my book, a kind of epic prototype of a Third World Liberated Woman, coming out of Latin America’s wounded womb, . . . from the gloomy rural/feudal/patriarchal world to the progressive urban life in the large urban centers where, breaking free of all taboos, she makes it, asserts herself . . .<br />I would then trace Renata’s personal itinerary . . . I would show Renata among fierce Indians, Renata hunting in the Amazon forest, . . . Renata, urban goddess . . . , piloting fighter-bombers, . . . reciting Dylan Thomas . . . in Copacabana, successively making love to a thousand men, like an indigenous Mae West or Barbarella. Myth and truth: a new Brazilian heroine.] (Ifá 79)<br />It is this heroine, the new Brazilian woman, that Coutinho will depict in her subsequent novels, walking the streets of Copacabana, looking for love, pleasure, and self-realization, but always returning to the original space of Salvador.<br /><br />Conclusion: The Murderous City<br />The same tropes and themes explored in O jogo de Ifá are present in Atire em Sofia, O caso Alice and Dora Diamante. Like Renato and Renata, the protagonists of these novels experience travel, displacement, exile, and the return to their original space, which in the three novels is again Salvador. The city’s status as protagonist changes, however, as the narrative becomes less fragmented and the characters more fully developed. At the same time, the focus shifts from Salvador in Atire em Sofia to Rio de Janeiro in O caso Alice, and to a fictional town, Solinas, in Dora Diamante. Solinas shows many aspects that allow the reader to identify it with Salvador, including the sea, the beachfront avenue and its houses.<br />The representation of the urban space is more fully developed in the first of these novels. Salvador’s many facets are depicted: a labyrinth and a mystical space where time is circular (85), and where history remains alive; a city of “animal-like sensuality” (83); a space of class and economic conflict, characterized by chaos, decadent homes (19) and litter-filled streets (24); a “White” and prejudiced city (24) that refuses to accept the social ascension of the Black population, and where racial discrimination leads to physical violence against Blacks. There are also many references to Afro-Brazilian gods, especially Iansã, goddess of the tempests, with whom Sofia is identified. The patriarchal society that reacts with violence against Blacks’ social ascension and the city’s Africanization (Atire em Sofia 35) reacts too against women who, like Sofia, have transgressed the imposed social norms. The opposition between Salvador and Rio de Janeiro is also present in these narratives, and underscores the changes in lifestyle the characters undergo. The influence of the urban space on the female subject is made explicit in Atire em Sofia, and the protagonist is shown as having experienced an identity split, thinking of herself as “a Sofia do Rio” and “a Sofia da cidade” [Sofia from Rio and Sofia from the city] (168). Rio de Janeiro is most clearly represented in O caso Alice, as a chaotic and violent city (O caso Alice 136) marked by murders, disappearances, robberies, and drug traffic, as well as slums, trash on the streets and open sewers. Nevertheless, just as Salvador in Ifá and in Atire em Sofia, Rio de Janeiro is also shown in the beauty of its Lagoa Rodrigo de Freitas, its sea and mountains. Moreover, at the very end of the novel Rio de Janeiro is described as a female entity, referred to as “Ela,” She, with capital S (O caso Alice 171).<br />Both Salvador and Rio de Janeiro, then, are represented in their beauty as much as through the problems that assail Brazil’s urban spaces today. Both cityscapes stage the disintegration or the breakdown of modernity’s apparent conquests mentioned above. These conquests were achieved through the exclusion and marginalization of certain social segments, the same segments—women, racial minorities, homosexuals—whose struggles appear in Coutinho’s fiction. Sofia, Alice, Dora and Tessa, from Dora Diamante, are representative of a new generation of women, as is Renata, the new Brazilian heroine described in Ifá. They are women who have left their city of origin for the metropolis where, alone, they live out their sexuality and independence. The original city, however, holds for them punishment: murder, for Sofia and Tessa, and sexual abuse for Alice. The three novels are crime narratives. O caso Alice is also a mystery novel, where one of the main characters attempts to solve the mystery of Alice’s disappearance and her involvement in a murder. Dora Diamante, in turn, is a more traditional detective novel, with the protagonist playing the role of a journalist-detective who investigates Tessa’s death. The author’s choice of the crime narrative and the detective novel reflects the increased chaos and the increased number of dissonant voices speaking in the contemporary Babel. It reflects also a new degree of urban violence, never before seen in Brazil. If the city remains labyrinthine and mysterious, then, to unveil its mysteries has become less of a puzzle, and more a game of life and death.<br /><br />Works Cited<br /><br />Abreu, Caio Fernando. Onde andará Dulce Veiga?Um romance B. São Paulo:<br />Companhia das Letras, 1990.<br />Abdala Jr., Benjamin. “Fronteiras múltiplas, identidades plurais.” Geografias literárias e<br />culturais: espaços/temporalidades. Eds. Gilda Neves Bittencourt, Léa dos S.<br />Masina, and Rita T. Schmidt. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004. 49-58.<br />Brink-Friederici, Christl M. K. “Sonia Coutinho: Atire em Sofia, um romance policial?”<br />Travessia 22 (1991): 51-62.<br />Bueno, André. “Sinais da cidade: forma literária e vida cotidiana.” O imaginário da<br />cidade. Eds. Rogério Lima and Ronaldo Costa Fernandes. Brasília: Editora<br />Universidade de Brasília; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2000. 89-110.<br />Calabrese, Omar. L’età neobarocca. 1987. Neo-Baroque: A Sign of the Times. Trans.<br />Charles Lambert. Princeton, NJ: Princeton UP, 1992.<br />Cortázar, Julio. Rayuela. 1963. Buenos Aires: Sudamericana, 1965.<br />---. 62: modelo para armar. Buenos Aires: Sudamericana, 1968.<br />Coutinho, Sonia. “Amor, amores.” Venenos 85-95.<br />---. Atire em Sofia. Rio de Janeiro: Rocco,1989.<br />---. O caso Alice. Rio de Janeiro: Rocco, 1991.<br />---. “Conselho em família.” Nascimento 29-41.<br />---. “Doce e cinzenta Copacabana.” Venenos 40-46.<br />---. “A escrita do candomblé.” Unpublished typescript, 1997.<br />---. “A experiência com o conto, em quatro volumes.” Unpublished<br />typescript, 1997.<br />---. O jogo de Ifá. Rev. 2nd ed. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2002.<br />---. “Josete se matou.” Último verão 17-22.<br />---. “Na penumbra.” Venenos 31-39.<br />---. Nascimento de uma mulher. 1971. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1996.<br />---. “Pai e filho.” Venenos 74-79.<br />---. Os seios de Pandora. Uma aventura de Dora Diamante. Rio de Janeiro:<br />Rocco, 1998.<br />---. “Sonia Coutinho, a hora e a vez do romance.” Interview with Paola<br />Bonelli. LEIA (October 1989): 58-59.<br />---. O último verão de Copacabana. 1985. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2004.<br />---. Os venenos de Lucrécia. 2a. ed. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005.<br />Dalcastagnè, Regina. “Sombras da cidade: o espaço na narrativa brasileira<br />contemporânea.” Estudos de literatura brasileira contemporânea 21 (Jan-June 2003): 33-53.<br />Gomes, Renato Cordeiro. Todas as cidades, a cidade. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.<br />Helena, Lucia. “Perfis da mulher na ficção brasileira dos anos 80.” A mulher na<br />literatura. Ed. Ana Lúcia Almeida Gazolla. Belo Horizonte: Imprensa da<br />Universidade Federal de Minas Gerais, 1990. 86-96.<br />Lima, Rogério. “Mapas textuais do imaginário fragmentado da cidade.” Introdução.<br />O imaginário da cidade. Eds. Rogério Lima and Ronaldo Costa Fernandes.<br />Brasília: Editora Universidade de Brasília; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2000. 9-18.<br />Lobo, Luiza. “Sonia Coutinho Revisits the City.” Latin American Women’s Writing:<br />Feminist Readings in Theory and Crisis. Eds. Anny Brooksbank Jones and<br />Catherine Davies. Oxford, England: Clarendon P, 1996.163-78.<br />---. “Women Writers in Brazil Today.” World Literature Today 61.1 (Winter1987):<br />49-54.<br />Ludmer, Josefina. “El Coloquio de Yale: máquinas de leer ‘fin de siglo’.” Las culturas<br />de fin de siglo en América Latina. Comp. Josefina Ludmer. Rosario [Argentina]:<br />Viterbo, 1994. 7-24.<br />Moriconi, Italo, ed. Os cem melhores contos brasileiros do século. Rio de Janeiro:<br />Objetiva, 2000.<br />Patricio, Rosana Ribeiro. As filhas de Pandora: imagens de mulher na ficção de Sonia<br />Coutinho. Rio de Janeiro: 7 Letras; Salvador: FAPESB, 2006.<br />Quinlan, Susan C. “Divination: The Possibility of a New Order.” The Female Voice<br />in Contemporary Brazilian Narrative.” New York: Peter Lang, 1991. 139-76.<br />Sadlier, Darlene, ed. One Hundred Years After Tomorrow. Bloomington: Indiana<br />UP,1992.<br />Szoka, Elzbieta, ed. Fourteen Female Voices Voices from Brazil. Austin, TX:<br />Host Publications, 2002.<br />Viana, Lúcia Helena. “Por uma tradição do feminino na literatura brasileira.” Mulher e<br />literatura. V Seminário Nacional. Natal: Editora da Universidade Federal do Rio<br />Grande do Norte, 1995. 168-74.<br />Villaça, Nizia. Paradoxos do pós-moderno. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996. </div>Sonia Coutinhohttp://www.blogger.com/profile/04190922525509515505noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3739029828434107185.post-90307373289873115372010-11-29T12:09:00.000-08:002010-11-29T12:22:29.126-08:00RÓDTCHENKO E MAIAKÓVSKI NO INSTITUTO MOREIRA SALLES<span style="font-size:78%;">Ródtchenko e sua mulher Varvara Stiepânova</span> <div><div><div><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjftmTg7zFYJ0Vl4aMla4gk_pVYGwgfoqMv_tf8wjaljMdQzyackNeXo9yHkJhHMGJoe6RssJAeiyJw8QFfKT-wGAw4BKRtGS12ihtypIAbLBHMSf2SNIN20OepZ3kfX0pXMOCP_zAev9HK/s1600/rodtchenkostepanova.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5545066871504341858" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 320px; CURSOR: hand; HEIGHT: 253px; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjftmTg7zFYJ0Vl4aMla4gk_pVYGwgfoqMv_tf8wjaljMdQzyackNeXo9yHkJhHMGJoe6RssJAeiyJw8QFfKT-wGAw4BKRtGS12ihtypIAbLBHMSf2SNIN20OepZ3kfX0pXMOCP_zAev9HK/s320/rodtchenkostepanova.jpg" border="0" /></a><br /><div>Os trabalhos de Ródtchenko expostos no Instituto Moreira Salles, por si mesmos já altamente instigantes, crescem ainda em interesse quando se conhece o contexto em que foram produzidos: o período da virada russa do Construtivismo, nas décadas de dez e 20 do século passado, pouco antes e pouco depois da Revolução de Outubro de 1917.<br />Foi o momento em que uma geração de artistas renovadores, experimentais, que viviam também uma revolução nos costumes, criou uma arte de vanguarda, identificada com as mudanças sociais.<br />Vimos aqui no Rio, ano passado, no CCBB, a mostra “Virada russa,” com as obras de muitos desses artistas. Um destaque: o grande Kazimir Malievitch, que pertenceu a uma ala do Construtivismo designada como “estética”. Já Ródtchenko fica na ala do Construtivismo dito “ideológico”, junto com Vladimir Tátlin. </div><br /><div><span style="font-size:78%;">Cartaz de Ródtchenko</span></div><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5545067849241334274" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 320px; CURSOR: hand; HEIGHT: 226px; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg9PcI18_fPOhwxfnWJ3kBij4LtV4gAzUQfmSj0St1egeo8uUS3yUzLHMxpbwFUDqigQjdtS3hpwSPb1jC1KcVF3zFPOhLwAFYTYjLvbK8OzFdgtJcbTkKyGxIMUp7ivslEpu845xJdO9Yp/s320/rodtchenkolilia.jpg" border="0" /><br />Rodtchenko foi pintor importante mas, dominado por sua característica inquietação e busca do novo, deixou a pintura pela fotografia, fotomontagem, colagens, cartazes – o material que agora o Instituto Moreira Salles expõe.<br />O brilho da arte russa desse período se apaga com a consolidação do regime de Josef Stalin.<br />Stalin subiu ao poder em 1922, mas o endurecimento da sua política se faria sentir com mais peso na década de 30. No primeiro congresso de escritores comunistas, em 1934, o Realismo Socialista foi decretado arte oficial.<br />Enfrentando obstáculos e desprestígio, muitos artistas da vanguarda russa deixaram a então União Soviética. Os que ficaram, como omo o prteriores deixaram a entrda das distas, em 1934, o Realismo Socialista foi decretado a forma de arte oficial.<br />Rodtchenko e Maliévitch, foram discriminados e desprestigiados.<br />Rodtchenko é um grande pioneiro da fotografia. Inventou planos originais, angulares. Gostava de fotografar de baixo para cima, ou vice versa.<br />E traz para nós, agora, no Moreira Salles, com seu olhar original, uma Moscou que a passagem do tempo torna inesperadamente poética – o balé, o circo, os grandes desfiles, os esportes, o povo nas ruas, os prédios dos grandes jornais.<br /><br /><strong>SOBRE FOTOGRAFIA</strong> </div><div><br /><em>(Frases de um texto escrito por Ródtchenko em 31 de outubro de 1934, para a revista “Soviétskoe Foto” – “A Fotografia Soviética”)</em> </div><div><br /><span style="font-size:78%;">Uma fotografia feita por Ródtchenko</span></div><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5545068240380679890" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 320px; CURSOR: hand; HEIGHT: 216px; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgm9CVGQhGEmQXiJbVQhsYiC_EyQvng0xogEpMufiyxD2ae5u9IuT0DSqNq7fLY1jX671PwdHoFVaBG6-LWqf65d0b1kGWB5CUCTp7uXdEW4_okxkri6VnuNFyIlQiOXDRY-Pd7vessI3-O/s320/fotorodtchenko.jpg" border="0" /><br />A fotografia deixou de ser secundária e de imitar técnicas de gravura, pintura ou tapeçaria. Ao encontrar caminho próprio, ela floresce, e o vento fresco traz um perfume peculiar à fotografia. Novas possibilidades se descortinam.<br />Os contrastes das perspectivas. Os contrastes da luz. Os contrastes da forma. Pontos de vista impossíveis no desenho ou na pintura. Pontos de vista com encurtamentos exagerados e a impiedosa textura do material.<br />Momentos inéditos de movimento, gente, animais, carros.<br />Momentos antes desconhecidos ou, se conhecidos, certamente despercebidos, como o voo de uma bala.<br />Composições que ultrapassam, em ousadia, a imaginação dos pintores. Tão carregadas de formas que Rubens fica para trás. Com padrões tão intrincados que japoneses ou holandeses não têm mais nada a dizer.<br />Depois vem a criação de momentos fotográficos inexistentes, por meio da montagem.<br />A fotografia se desenvolve rapidamente e conquista todos os campos.<br />É preciso incentivar o amor pela fotografia, para que as fotos sejam colecionadas, para que se criem fototecas e aconteçam exposições fotográficas em grande escala.<br />Precisamos publicar livros e revistas de fotografia. A fotografia tem todo o direito.<br />Merece atenção, respeito e reconhecimento como a arte de hoje.</div><div>...</div><div></div><div></div><div><span style="font-size:78%;">Desfile em Moscou, foto de Ródtchenko</span><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5545068249761192642" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 320px; CURSOR: hand; HEIGHT: 206px; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjsCA57_Z8ezCtGfyHgHuowznbdoO77il1OLrH0oOOpvNOXre1oHKPtkxst3lETeueD7vC7l4XbNq4esDKD0MXeJ0nmGVloXBA8deZDPs63ZM2l3mUU3IX3YxvZtMfWLivCefKNTAgyKvsg/s320/rodtchenkofoto.jpg" border="0" /></div></div>Sonia Coutinhohttp://www.blogger.com/profile/04190922525509515505noreply@blogger.com1